quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Cá tá a Luna

Os resultados contados às 21:00 (hora Barcelona) segundo o Diário de Girona:
... previam uma maior vitória dos independentistas, que ainda assim conseguiram uma maioria de 70 lugares contra 65, apesar de terem menos votos expressos: 

Resultados finais (1h08 de Barcelona).

Os independentistas venceram de novo, apesar do partido mais votado ser o Ciudadanos, liderado por uma andaluza residente há 10 anos em Barcelona, o que torna mais caricato o resultado eleitoral. 
O PP terá perdido 8 deputados para o Ciudadanos, e sem 6 desses deputados o Ciudadanos teria ficado em 3º lugar, o que torna a sua vitória uma mera contagem, sem significado real. O mesmo não se poderá dizer do número de votantes - os independentistas conseguiram 47.5% não chegando a metade dos votos, numa participação eleitoral que teve mais de 80% dos votantes.

Numa situação, algo similar, ainda hoje quase metade dos habitantes de Riga, capital da Letónia, é de origem russa, e caso semelhante acontece em Talin, na Estónia. Isto, porque a Rússia quando anexou os estados bálticos, achou boa ideia "colonizar" o território com população de origem russa.
Uma forma do "país invasor" condicionar a expressão da vontade independentista local, é fomentar a deslocação de populações. Por isso numa Convenção de Genebra ficou escrito que:
"A potência ocupante não poderá deportar ou transferir parte 
da sua população para o território que ocupa."
A situação não é bem a mesma. Aqui, mais por razões económicas, uma parte considerável da população residente em Barcelona tem origem noutros territórios espanhóis, nomeadamente da Andaluzia. Mas para evitar o problema com os russos residentes nos estados bálticos, não foi concedida nacionalidade a uma grande parte destes... com muito mais do que 10 anos de residência aí - afinal, um pequeno detalhe que não preocupa a UE.

Ainda assim, com um parlamento de novo dominado pelos independentistas, conforme seria expectável, se Madrid não exagerasse na trafulhice... parecem ter-se acabado ao governo espanhol os argumentos legais para resolver o problema catalão. No máximo poderá continuar a convocar eleições, até que o resultado mude, ou então poderá tentar a última manobra - efectuar um referendo para a independência, segundo os seus moldes. Esta última hipótese será ainda tentadora, porque em número de votos, não houve vitória independentista clara... 

Agora, a Espanha fica com o mesmo "pequeno" problema político e jurídico por resolver...  pelo lado jurídico, os vencedores independentistas estão presos ou exilados, com ordem de prisão; pelo lado político, a Espanha esgotou os elementos jurídicos, isto se quiser respeitar o resultado democrático eleitoral.
O solstício de inverno apareceu hoje depois da Lua nova.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Eutanásia

Apareceram de novo discussões públicas sobre a eutanásia, que poderá ser alvo de referendo ou legislação próxima
A palavra tem raízes gregas de eu+thanatos, ou seja boa+morte. É curioso que o elemento "nato", referente ao nascimento, apareça na palavra morte "thanato", tal como é entender "eu" como "bom".

O que se entende por "boa morte", tem muito a ver com os entendimentos pessoal e comunitário.
Aparentemente ninguém pede para nascer, mas há quem peça para morrer.

Se o próprio tem a faculdade de escolher, o pedido pode parecer não fazer sentido, mas certamente faz em casos extremos. O problema tem abordagens simplistas, que consistem essencialmente em atender a súplicas desesperadas, ou então na recusa peremptória em decidir pela morte doutrem.

Deixo aqui o meu entendimento pessoal.
Para se falar de morte, convém entender a oposição, a vida.
A vida é uma experiência comunitária, começando pela sua origem, que resulta normalmente do entendimento entre duas pessoas de sexos opostos. Logo aqui entra a diferença entre o plano natural, e o plano humano, que o tende a distorcer. Mas não vou dissertar agora sobre isso, até porque a criação do ovo resulta de três intervenientes - os elementos masculino e feminino, e o "acaso".

Interessa que a criação de vida humana não é uma decisão unilateral, não é autogénese, pressupõe a existência de entendimento a dois, e mais que isso, pressupõe entendimento numa comunidade funcional onde o nascituro se irá desenvolver. 
A simples conclusão que quero sublinhar é que o indivíduo não nasce sem alguma comunidade funcional que o envolva. Por muito atroz que seja essa comunidade, o indivíduo só nasce se há alguém que tolere a vida nela. 
Por exemplo, os filhos de escravos nasciam, não apenas porque alguns dos escravos toleravam a condição, mas também porque os seus "senhores" toleravam (e fomentavam) essa forma de vida em comunidade. A comunidade era até certo ponto funcional, e soube pelo menos evoluir da condição de escravidão a uma condição de dependência financeira, razoavelmente mais pacífica.

Um principal objectivo do indivíduo é avaliar o mundo em que nasceu.
Se todos os humanos concluíssem que a vida neste mundo não valia a pena, pois a sua melhor decisão seria, pelo menos, não trazer novos filhos ao mundo. Um suicídio colectivo, ou um absoluto desinteresse na paternidade, corresponderia de igual modo ao fim da humanidade.

A comunidade humana teve assim motivos para criar uma sociedade onde viver fosse um prazer, e não apenas um sacrifício persistente. A natureza foi-se encarregando de criar algumas das situações mais atrozes para a sobrevivência humana, algo a que comunidade humana conseguiu responder com sucesso, em muitos casos. Mas, por seu lado, a sociedade juntou ainda mais situações atrozes, mais dificuldades para a vivência. No computo geral, podemos dizer que atingimos uma qualidade de vida razoável, ou mesmo boa, para a maioria da população. Praticamente a natureza foi controlada, ao ponto de se garantir subsistência, e alguma qualidade de vida material, para a esmagadora maioria da população.  A maior parte dos problemas reside essencialmente num despique constante, que tende a infernizar uma vivência, sobretudo devido às orientações enganosas, que tendem a privilegiar uma competição, na maioria das vezes inútil, face às possibilidades de colaboração.

A natureza continuará implacável nas limitações que pode impor como simples doenças ou acidentes, e é nesse ponto que surge a maioria das situações de "eutanásia". 
A medicina parece não ter problemas morais em receitar tratamentos que podem ser autênticas torturas, ou até situações de humilhação. O "paciente", e o nome é bem escolhido, tem que aceitar ser cortado, lançado, amputado, violado na sua intimidade, etc... porque tudo isso é para o seu bem, o que (em última análise) os médicos encaram como "sobrevivência", ou regresso ao "estado anterior". Houve reticências em apoiar cirurgias plásticas, se não visassem um regresso ao "estado anterior", quando visavam uma mudança, uma opção pessoal. 

Portanto, a prática médica convive bem com situações que se assemelham a tortura ou até a prisão perpétua, mas tem dificuldade em atender à vontade do paciente - seja ela qual for, e não apenas nos casos em que solicita o término da tortura. Isso é perfeitamente compreensível, porque se a medicina continuar a visar o regresso ao estado anterior, é claro que a sobrevivência é mais próxima do que a morte... e o paciente é apenas isso - um paciente, que se deve sujeitar às capacidades e técnicas médicas existentes (podendo até ser convencido a servir de cobaia). 
Convém notar que a prática médica segue mais um código de aceitação interna, e o envolvimento emocional com o estado do paciente é desaconselhado. Por isso, ou a medicina muda a sua filosofia interna, ou não é uma questão médica que se coloca no "problema da eutanásia". Enquanto a medicina continuar com uma filosofia de "mecânicos do corpo humano", procuro sempre manter uma distância de segurança do bisturi e do talhante.

Passamos ao problema jurídico, começando por notar que o suicídio já foi proibido, ainda que essa legislação fosse algo ridícula pela sua inaplicabilidade em caso de sucesso. De alguma forma, à sociedade não convém aceitar o seu falhanço... porque a desistência deste mundo, significa que não se dá valor ao mundo a que sociedade dá valor. É uma avaliação negativa da qual a sociedade não pode recorrer.
Nesse sentido, desde religiões a práticas morais, o suicídio sempre foi colocado como um egoísmo, um desrespeito pelos seus entes queridos, etc. Algo especialmente caricato, como se esses não estivessem a ser egoístas, menosprezando o sofrimento alheio.
Mais do que isso, a religião chegou a valorizar o sofrimento, prometendo depois recompensas na "vida eterna"! É claro que esta filosofia do sofrimento, de "o que arde cura", era especialmente indicada para que os "pacientes" aceitassem todo o despotismo sem sequer esboçar um protesto...

Ora, a avaliação que cada indivíduo faz do mundo que o envolve, só piorará se nem sequer desse mundo se poder libertar. Uma coisa é entrar numa câmara de horrores, algo muito diferente é nem sequer poder sair dela. Por isso, a sociedade só piora a sua avaliação, condenando a uma tortura de sobrevivência, quem prefere libertar-se dela. Nem é só uma questão de egocentrismo social, é uma questão de completo autismo, uma prática de tortura medieval, baseada em preconceitos religiosos.

Dito isto, nem médicos, nem ninguém, deve ser obrigado a provocar a morte alheia. Esse passo deve ser tomado pelo próprio, mas com acesso a todos os meios que o permitam fazer sem sofrimento. Quando isso não é possível pelo próprio, simplesmente os médicos, ou outros, devem afastar-se de manter uma vida que não pediu para ser mantida. Vendo-se incapazes de contrariar os acontecimentos, devem deixar correr o processo natural, assegurando apenas o mínimo de dor possível.

Finalmente, do ponto de vista religioso, é absolutamente contraditório que uma divindade boa preconize o mal, mesmo que o sofrimento alheio seja temporário. 
Há sim um ponto importante a ter em conta "quando se vai desta para melhor"... é que nada garante que se vá para "algo melhor", e por isso parece ser boa recomendação que se tolere algum sofrimento. É que a este mundo não estaremos presos para sempre, mas nada garante que tenhamos a faculdade de desaparecer do próximo... e a vida eterna só me parece ser um paraíso para quem se libertou dos infernos que se criam em si mesmo.

No entanto, e como não quero acabar o texto com uma perspectiva assustadora, devo dizer que o propósito de divindades benévolas não é salvar os "bons", deixando os "maus" nos seus infernos... não há nenhumas "salvações" pela metade. As divindades benévolas, se necessário, e quando for tempo disso, descem ao ponto mais baixo dos infernos, e tentam até arrancar daí o belzebú mais retorcido. 
Infelizmente, a Terra teve a capacidade de criar em si demónios tão finórios, que conseguiram iludir a todos, passando afinal por deuses salvadores.

domingo, 3 de dezembro de 2017

Nebulosidades auditivas (52)

Ficaria melhor colocar o original dos Xutos e Pontapés com o Zé Pedro, mas prefiro esta versão, com a voz da Teresa Salgueiro, que foi presença habitual nas rádios em Março de 2013, até porque pensei colocá-la aqui nessa altura.

Homem do Leme - Xutos & Pontapés (Cerco, 1985) - versão com Tim e Teresa Salgueiro.
Sozinho na noite, um barco ruma, para onde vai? Uma luz no escuro, brilha a direito, ofusca as demais! E mais que uma onda, mais que uma maré... tentaram prendê-lo, impor-lhe uma fé. Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade, vai quem já nada teme, vai o homem do leme! «E uma vontade de rir, nasce do fundo do ser. E uma vontade de ir, correr o mundo e partir, a vida é sempre a perder» (...) No fundo do mar, jazem os outros, os que lá ficaram; em dias cinzentos, descanso eterno lá encontraram (...) No fundo horizonte, sopra o murmúrio, para onde vai? No fundo do tempo, foge o futuro, é tarde demais...
Esta canção tornou-se um símbolo da banda, um hino que certamente muitos associaram a uma determinação, ou obstinação, "contra tudo, e contra todos". Quando se perpetua som e palavras, a vida não foi "sempre a perder"... 

sábado, 2 de dezembro de 2017

O teatro de fantoches jornalístico

Por mero acaso, vi numa destas madrugadas um programa da série "Toda a verdade", sobre um massacre em Odessa (Ucrânia), há 3 anos, no dia 2 de Maio de 2014. Os vídeos eram bastante significativos e impressionantes. 
Após o incêndio da "Casa do Sindicato", por activistas pró-ucranianos, morreram 46 pró-russos que aí se tinham refugiado. Em resultado do incêndio, as pessoas morreram queimadas, sufocadas, ou atiraram-se do edifício em chamas... e padecendo de ferimentos graves, eram ainda espancadas no solo, por activistas do cerco.

O "jornalismo internacional", mais preocupado então com a passagem da Crimeia para controlo russo, ignorou este massacre... já que era "do lado errado" da estorieta anti-russa que queriam vender (e que incluiu depois o incidente do avião MAS 17).

Podemos ler esse outro lado da história, aqui:
  • Odessa, o massacre que a imprensa não viu: «Depois de enfrentamentos, iniciados após uma partida de futebol, grupos favoráveis ao governo golpista de Kiev cercaram dezenas de manifestantes contrários, que tinham se refugiado no prédio da Central Sindical, e provocaram um incêndio criminoso usando coquetéis molotov. Os extremistas impediram a saída das pessoas -espancando as que tentavam fugir- enquanto incendiavam as dependências do sindicato como pode ser visto nos videos divulgados na internet pelos próprios autores da chacina. O resultado foi de 46 pessoas assassinadas, muitas das quais morreram sufocadas pela fumaça, outras queimadas e ainda houve as que se atiraram ao vazio tentando fugir das chamas. Isto constitui, sem sombras de dúvidas, um massacre. No entanto a mídia ocidental, que atua como um mero canal de propaganda de EUA e da OTAN, sempre pronta para divulgar justificativas para guerras e intervenções “humanitárias”, não viu este massacre.» 
  • Odessa slaughter: How vicious mob burnt anti-govt activists alive: «Many of those who managed to escape the fire were then brutally beaten by armed men, believed to be from the ultra-nationalist Right Sector group, who had the building under siege.»
Após o alegado massacre de população judia, também chamado «Massacre de Odessa», que clamou milhares de vítimas em 1941, sob responsabilidade nazi, foi com símbolos nazis que estes nacionalistas ucranianos realizaram mais um massacre em Odessa... um porto no Mar Negro, que era crucial manter sob controlo ucraniano, apesar da população ser maioritariamente de origem russa.

Enquanto na Ucrânia, o interesse era manter a independência da região, que pertencera ao império soviético, pouco interessando a população do lado oriental (que era maioritariamente russa), agora no caso catalão, não interessa a independência, mas sim preservar a integridade espanhola... 

Quanto ao lado para onde pende a atenção jornalística, este cartoon será bastante significativo:


domingo, 12 de novembro de 2017

O panteão e as pantominas

Na perspectiva do capitalismo em que "tudo tem um preço, basta saber qual é..." o Panteão Nacional está oferecido a 3000 euros de aluguer. Se forem 200 convidados, sairá apenas mais 15 euros a cada um, um pequeno extra que sairá mais barato do que pedir uma vinhaça razoável, num restaurante normal. Ao que parece, o preço praticado subiu para 5000 euros, mas mesmo assim, nada que tivesse incomodado muito.
A polémica surgiu este fim de semana, depois de se saber que a "feira da moda", o circo do Web Summit, tinha usado o espaço para organizar um "jantar de fundadores", nesta sexta-feira. No entanto, o espaço já tinha servido para um jantar de trabalhadores da NAV (empresa de navegação aérea), e talvez até pudesse ter servido para qualquer outra agremiação, de clubes de futebol a matraquilhos, lembrando que o túmulo do grande Eusébio apadrinharia a refeição. 


A divulgação desta notícia, e o pequeno escândalo subsequente, apanhou os actores governativos desprevenidos (talvez por inveja), no meio de uma legislação que visava arrecadar uns cobres, alugando espaços públicos "engraçados"... e pouco ligando à suposta "dignidade dos monumentos".
Quem conhece a prática nacional, sabe que quando a legislação prevê uma excepção "excepcional" ou alguma autorização "ultra-especial" (ministro ou similar), isso significa que a lei é inexistente, para a "malta certa", que obviamente arranja as autorizações.
No entanto, desta vez a indignação chegou tarde, já que o espaçado consagrado, tanto albergou o lançamento de um livro de Harry Potter, como um jantar de trabalhadores. 
Tal como o nome Sagres, tanto é sinónimo de uma cervejola, como remete ao Promontório Sacro, colocado como símbolo de partida dos descobrimentos. Tudo isso depende de considerar algo como intemporalmente sagrado, ou como consagrado ao interesse ocasional. Ora, como a república tendeu a dessacralizar tudo, e mais agora, consagrada ao interesse do capital monetário, o resultado de completo desrespeito da memória, seria expectável.

Nem interessa muito a ocorrência dar-se no meio de um circo de pantomineiros, que pouco mais fazem do que dar a cara por ideias banais, umas melhores que outras... simplesmente o seu circo está agora tanto na moda, que um jantar da mulher barbuda com trapezistas, palhaços e domadores de leões, não iria passar despercebido.

sábado, 11 de novembro de 2017

Conspiração das "conspirações"

Surgiu há poucos dias a cómica notícia de que a Rússia estaria por detrás da crise catalã, favorecendo notícias pró-independência, para destabilizar a Espanha e a Europa:

(The Telegraph, 9/11/2017)

Passando 100 anos sobre a revolução bolchevique, a Rússia de Putin passou agora a ser o alvo das pseudo-conspirações que os media alimentam, algumas tão rebuscadas que não tinham chegado ainda ao ponto de ser conjecturadas por nenhum mais ousado "teórico da conspiração" (... que, ao contrário dos media procuram dados mais credíveis para as suas histórias).

Esta ousada teoria, alinha com outra - de que Trump tinha sido eleito, por via de ataques cibernéticos vindos da Rússia, algo que a CIA veio a conjecturar, depois da eleição de Trump ser inevitável.

Nestes links podemos ver que as coisas não correm agora bem para o anterior establishment da CIA, e a única resposta que os media dão, claro está, é invocar a lógica de velhos westerns, com bons e maus da fita, onde os maus são "Trump e aliados", e os bons são os contrários, onde se incluem.
Os media, apesar de Trump se manter no poder há um ano, sem nenhum incidente especial, mantêm a narrativa de que Trump não deverá finalizar o mandato, divulgando quaisquer sondagens de baixa de popularidade, ilustrando ainda tudo isso com notícias mais risíveis e bacocas do que as bacoradas de Trump. Entretanto, apesar de todos os esforços, as coisas nem sempre correm mal a Trump, e a visita ao sudeste asiático tem corrido a seu favor - Trump in Asia: They love him in Vietnam.

Mais curiosa é esta persistência em procurar uma "razão comum" que englobe tudo o que corre "menos bem" à velha "nova ordem mundial", que agora tentam remeter à Rússia. Aliás, na sua luta contra as "teorias da conspiração", já tinham sistematicamente alinhado numa teoria da conspiração - classificando-a como anormalidade, deficiência, ou até fruto de agenda conjunta. Na sua paranóia de controlo, procurando uma credibilidade perdida em novas gerações, acabam por alimentar uma teoria de conspiração contra os "teóricos da conspiração", sendo claro que já alimentavam múltiplas teorias de conspiração falsas, com o intuito de descredibilizar as verdadeiras.

Voltando à Catalunha, a presidente do parlamento catalão, Carme Forcadell, tendo pago a fiança de 150 mil euros, acabou por ser libertada...
Carme Forcadell, acusada de sedição, à frente das barras da prisão.

Libertações sob fiança, que incluiram a exigência judicial de não prosseguir "actividades políticas no futuro"... um apontamento judicial, talvez para não deixar dúvidas sobre o carácter político das prisões. Espanha prescinde da separação de poderes, quando usa tribunais para prender por razões políticas. Perante a impassividade mundial, os catalães continuam condenados a respeitar todos os símbolos da unidade espanhola, ou melhor, da nova forma de "inquisição espanhola"... pois afinal, após 40 anos sem franquismo, já estariam com muitas saudades!


segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Arde Portugal

15/16 de Outubro de 2017 - vaga de incêndios nacional ( com pelo menos 6 mortos, 36 mortos)

Há um poder em Portugal que usa o fogo como meio de combate... muito provavelmente em ambos os sentidos - tanto promove o seu combate como provoca o seu início.
Quer queiramos, quer não, essa é a explicação evidente de como surgem mais de 500 ignições num dia, em quase todo o país a norte do Tejo, num dia de Outubro, quente, mas nem por isso mais quente que tantos outros dias nos meses anteriores. 
Que a investigação policial e judicial continue a tudo remeter para calendas gregas, e não procure uma causa única para uma coordenação de tantos focos de incêndio isolados, indicia que esse poder submerso tem muito mais poder do que aparenta.
Que o assunto tenha chegado a este ponto de desespero, pode mostrar que esse poder, está a ser acossado mais do que nunca tinha sido antes... A partir deste ponto não é só a "protecção civil" que se revela como uma subestrutura partidária sem qualquer nexo, são as próprias organizações de bombeiros que falham persistentemente. 
No ponto actual, não é difícil concluir que a única estrutura social que funciona contra os incêndios, é a solidariedade das populações, e a ajuda de bombeiros, guardas, etc, parece essencialmente pontual, e mais eficaz quando actuam fora da cadeia de comando.


Adenda (um dia depois) 17/10/2017, 3h00 :
Este texto é escrito na madrugada seguinte, com mais 30 vítimas contabilizadas, e cuja totalidade irá provavelmente passar as 40 vítimas, dado o número de feridos graves e sobretudo os 7 desaparecidos, podendo aproximar-se de 45.
Alguma chuva terá entretanto caído, e os incêndios terão tendência a terminar. No dia de ontem, quando escrevi este texto, eram 6 as vítimas mortais, mas tudo indicava que a contagem seria semelhante, ou pior... à de Pedrogão, porque o problema estava espalhado por vários distritos - Leiria, Aveiro, Coimbra, Viseu, Guarda, Braga, etc. Pior, com tal dispersão, as populações ficaram praticamente sozinhas a combater os incêndios nas suas aldeias. Pior, já não eram apenas aldeias - em Tondela, Gouveia, Oliveira do Hospital, etc. o fogo tinha tocado os limites das vilas, e cercava diversas auto-estradas, nomeadamente a A17 e A25, com relatos assustadores.
O ponto principal do governo era já a protecção da "protecção civil", e nada augurava nada de bom, conforme se viu.

Tão estranho quanto é estranho, não vermos os bascos acompanharem a luta dos catalães, vemos os galegos na rua a protestarem contra a inoperância do governo galego num incêndio que tomou 4 vítimas, e os portugueses silenciosos perante dois incêndios que, na totalidade, já tomaram mais de 100 vítimas mortais. A protecção governamental está assegurada, e quem pense que estas manifestações surgem do nada... ainda acredita na geração espontânea, e também na geração espontânea de incêndios!

sábado, 14 de outubro de 2017

2049, Los Angeles, duplicado

Fui ver a nova versão do Blade Runner, colocada em 2049, em Los Angeles.

Acontece que o número 2049 em Los Angeles está associado a um grande empreendimento feito em 1975, as Century Plaza Towers com os números 2029 e 2049 do Century Park...
São uma cópia menor das torres gémeas do World Trade Center, de Nova Iorque, inauguradas dois anos depois, em Los Angeles, pelo mesmo arquitecto - M. Yamasaki, mas com menos de metade da altura das irmãs nova-iorquinas, feitas em 1973.
2049 Century Plaza Towers, Los Angeles

Como a moda de erguer duas torres iguais foi tão repetida, ao ponto de se tornar maçadora, sinalizo apenas que os filmes Blade Runner são da Warner Bros e não da 20th Century Fox, dona dos terrenos da Century City, onde se encontra empreendimento (que agora é 21st Century Fox, com sede em Manhattan, também numas torres gémeas...)

Quanto ao filme, e não querendo fazer aqui nenhum spoiler, é bastante mais enfadonho que o primeiro da série, chegando a parecer um filme intelectual francês ou russo, com quase 3 horas.
Denis Villeneuve, canadiano, tinha realizado já o "Homem Duplicado" (uma adaptação do romance de Saramago), ou o "Primeiro Encontro" (ou "A Chegada", The Arrival), ambos bastante mais conseguidos, na minha opinião.
Aqui o ponto centra-se na validade das memórias dos replicantes, mas o assunto é mal explorado, talvez por falta de um bom argumento, como era o de Philip K. Dick.
O ponto é que a validade das memórias é remetida para a memória dos outros, sobrepondo-se à memória do próprio, apenas porque sim!
No caso do filme original, o ponto fulcral do argumento era a memória do próprio ser questionada por ser conhecida dos outros, da corporação Tyrell, mas também Philip K. Dick não entrou no assunto desse conhecimento poder resultar doutra forma. Numa sociedade cada vez mais vigilante, onde todo o percurso e conversas são registadas, não será difícil saber quais são as memórias mais significativas de cada um (em vários casos, basta ler o seu facebook), e argumentar que tais memórias são implantadas, fazendo o próprio duvidar do que experienciou.
Tal como no assunto do Homem Duplicado, quem expor demasiado a sua vida, ao ponto de tornar o seu interior como exterior público, no limite corre o risco de ser questionado ou duplicado. Afinal, quando os pensamentos mais íntimos, são partilhados com amigos ou psicólogos, deixam de ser íntimos, e passam a ser propriedade "pública". Num outro sentido, que Saramago não explorou, acontece o mesmo, ainda mais facilmente, sobre a pessoa que se fecha em demasia... porque conhecendo-se pouco, sem dificuldade a sua escassa parte pública poderá ser duplicada por qualquer outro replicante. À parte a questão das memórias, o filme pisa praticamente os mesmos passos do anterior, faltando-lhe muito de original.


sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Nebulosidades auditivas (51)

The missing boy... Ainda antes de 1992, para os Jogos Olímpicos que iriam decorrer em Barcelona, juntaram-se Freddie Mercury e Montserrat Caballé, num par improvável que juntava um dos mais famosos cantores pop, vocalista dos Queen, e a reconhecida soprano de ópera - foi há 30 anos, em Outubro de 1987.
Como Freddie Mercury morreu em Novembro de 1991, não foi possível a performance do duo na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos, passando apenas o vídeo. O som mantém-se impressionante, e este vídeo mostra bem as chamadas Torres "gémeas" venezianas, de que já falámos.


As montanhas de Montserrat... O nome "Montserrat" é tipicamente catalão, devido a uma formação montanhosa com o aspecto de dentes de uma serra, o que impressiona um visitante que chega de carro, vindo de Andorra, como foi o meu caso em 1993.

As montanhas de Montserrat, perto de Barcelona.

O nome é popular também pelo Mosteiro de Santa Maria de Montserrat, sendo associado à lenda arturiana do Santo Graal, e contendo uma imagem icónica de Virgem negra, cuja história é muito semelhante à história que também encontramos no Círio da Nazaré - uma escultura que teria chegado à Hispânia vinda de Jerusalém, e que foi escondida em Montserrat em 718, aquando da invasão muçulmana. Em 11 de Setembro de 1881, por via desta imagem, o papa consagrou Santa Maria de Montserrat como padroeira da Catalunha, tendo por isso ficado Maria de Montserrat um nome comum entre as mulheres. catalãs. Reporta-se que já em tempos romanos, seria um local dedicado ao culto de Vénus.

Em 1493, num ano em que Fernando de Aragão e Isabel de Castela formalizavam a união entre os dois reinos ibéricos, Colombo na sua segunda viagem caribenha encontrou uma ilha que designou justamente Montserrat, em homenagem à Virgem Maria de Montserrat.

O Mercúrio de Almadén... pelo lado de Mercury, neste dueto comercial, surge uma das minas mais antigas do mundo, e o maior jazigo mundial para a extracção de mercúrio, que se situa em Castela, na cidade de Almadén, e é um dos patrimónios UNESCO.

domingo, 1 de outubro de 2017

Votos para a Catalunha

Uma coisa é um tribunal espanhol declarar ilegal o referendo que pergunta:
- Quer que a Catalunha seja um estado independente na forma de uma república?
... outra coisa completamente diferente é o estado espanhol proceder, num desenquadramento total da democracia, inclusivé com repressão policial, ao tentar evitar que as pessoas se dirijam a escolas, e outros locais, simplesmente para colocar um papel numa urna.

Os primeiros confrontos da manhã, já são fotografias partilhadas na comunicação social:
Confrontos da polícia com votantes, na manhã de 1 de Outubro, Barcelona (imagens)

Há formas mais e menos inteligentes de actuar...
De uma forma ou de outra, este referendo na Catalunha tomou os noticiários como primeira página internacional, e já se tinham realizado outros referendos com propósito análogo (em 2014), que tinham passado completamente despercebidos. Assim, o governo catalão terá conseguido um eco ímpar para o seu propósito - marcar a independência catalã como um dos temas correntes mais importantes da política internacional.

Os votos não precisam de ser contados para sabermos o resultado - o voto na independência será esmagador, até porque quem não quer a independência provavelmente nem sequer irá votar, porque não dá significado, nem concorda com o referendo. 
Também não é díficil saber quem está a favor (ou seja, mais as famílias de origem catalã), e quem está contra (ou seja, mais as famílias com origem noutras regiões de Espanha)... o que irá dividir ainda mais a sociedade na Catalunha. 
Resta apenas saber se o nível de participação será suficiente para se poderem tirar conclusões... ou seja, se o número de votos "sim" se aproximará da metade da população votante da Catalunha. É neste campo que Madrid tentou fechar, e condicionar a votação, o que dará armas retóricas aos independentistas, mesmo se tal não acontecer.

O que poderia ter feito Madrid? 
- Haveria múltiplas possibilidades, uma das quais, a mais simples de todas - realizar um referendo a nível nacional ao mesmo tempo! 
Ao invés de serem apenas os catalães chamados a decidir sobre a sua independência, todos os espanhóis teriam oportunidade de o fazer. Os espanhóis, em vez de ficarem em casa impotentes a assistir às imagens conturbadas do referendo catalão, teriam oportunidade de se pronunciar contra a independência catalã, dando força à decisão de Madrid, e diminuindo a importância do resultado exclusivo da Catalunha. Seria uma arma política que Madrid poderia usar... assim, o governo madrileno ficará sozinho nas suas decisões.

Convirá notar que nada parece preparado para um esboço de independência catalã - começando logo pelo simples facto da polícia local catalã - os "Moços de Esquadra", ficar ameaçada judicialmente de desobediência ao estado espanhol, por não reprimir o acto eleitoral, como o fez a polícia nacional.
Como a Catalunha não possui uma constituição ou tribunais independentes do centralismo espanhol, vê-se dependente dessa legislação, e da imposição dela, feita pela polícia nacional... que até outra notícia, tem liberdade de acção na Catalunha. Isto para não falar no exército... já que o único existe é o exército espanhol.
Numa situação destas, o estado espanhol procurará cada vez mais evitar protagonismo de catalães, bascos ou mesmo galegos, na hierarquia do funcionalismo público, e tentará fechar-se cada vez mais num protagonismo castelhano. Por outro lado, na Catalunha, todos os lugares públicos terão a mesma tendência, de protagonismo externo, por influência de Madrid, e de protagonismo interno, por influência de Barcelona. A sociedade espanhola tenderá a dividir-se e a desconfiar mais de si mesma.

Por isso, seria pouco mais do que retórica, se fosse feita uma declaração de independência unilateral, quando no território catalão o único poder de força física e legal é controlado por Madrid... e os responsáveis catalães tendem a ficar a falar sózinhos, se não seguirem por uma via mais radical, ou serão decepcionantes e irão passar por fracos, ou até traidores, mesmo que consigam algum acordo vantajoso negociado com Madrid.

_________________________
Resultados: (3h00, 2/10/2017)
Os resultados foram conhecidos já no início do dia seguinte, mostrando que os votantes não atingiram a metade dos eleitores catalães: 2,020 milhões de votos "sim" num total de 2,242 milhões de votantes... o que deu uma esperada maioria esmagadora de 90%, mas sendo apenas 42% dos 5,343 milhões votantes potenciais, levará a que o resultado não seja considerado suficientemente vinculativo - por quem quiser alinhar por esse argumento.
Como bastaria juntar a este valor meio milhão de votantes "não" para manter uma esmagadora maioria, e assim obter o quórum para metade dos votos do colégio eleitoral, o governo catalão poderá argumentar que estes votos são suficientes para concluir... e tudo se resume a um agremiar de vontades dentro da sociedade catalã, para efectivar passos seguintes, sendo claro que já ninguém na Catalunha duvida da vontade clara de independência... seja essa vontade mostrada com um cravo vermelho ou não.
Os argumentos de "legalidade" invocados por Espanha, e pela maioria dos estados europeus, que procuram lavar as mãos do problema, rondam a imbecilidade política. A legalidade resulta de leis, aprovadas por políticos, e só são consideradas leis universais as resultantes da "declaração dos direitos do homem" - e se houve alguma violação desses direitos fundamentais foi feita por um impedimento policial de cariz violento, com quase 900 feridos, visando impedir uma votação.
O resultado poderia ser ilegal à luz castelhana, mas isso deveria apenas significar a inutilidade da votação, e nunca o impedimento da sua realização. O governo de Madrid misturou tudo na sua imbecilidade.
A constituição espanhola... é, como o nome indica, "espanhola"! Pouco importa que também tenha sido aprovada na Catalunha, porque nunca foi opção referendada ficar ou sair de Espanha.
O problema é a simples não identificação dos catalães com o estado espanhol, castelhano, algo que tem o sentido mais profundo enraízado numa cultura e língua diferentes, algo que os portugueses melhor que ninguém deveriam entender.
Neste momento a Catalunha pode ser considerada violentada pelos castelhanos de Madrid. Continuará a ser indiferente aos espanhóis dizerem que os catalães puseram os pés fora da legalidade espanhola, porque os catalães já há muito que estão com a cabeça fora de Espanha.

A Espanha continuará a insistir na indissolução de um casamento medieval de 1493, argumentando que o divórcio é proibido pela constituição, mas já há muito que perdeu o amor da Catalunha, e não é certamente com vergastadas policiais que o conseguirá, e também duvido muito que neste momento "presentes caros" resolvam o problema... até porque tem outras consortes (País Basco, Galiza e Andaluzia), que aguardam o desfecho deste episódio do mau humor do violento esposo castelhano.


sábado, 30 de setembro de 2017

Nebulosidades auditivas (50)

"Amigos em Portugal" foi um álbum lançado pelos Durutti Column em 1983, pela Fundação Atlântica, uma editora que seguia a linha da Factory Records, dos Joy Division, em Manchester, e que também era a editora de Viny Reilly. Aliás, Viny Reilly vai editar a música "Missing boy" em memória de Ian Curtis, cujo suicídio marcou toda uma geração. A canção fazia parte do álbum LC, de 1981, de que ainda tenho o vinil...
"Missing boy" - Durutti Column, 1981.

O nome Durutti Column era suficientemente estranho, e dizia respeito à coluna militar catalã de Durruti, sendo Buenaventura Durruti um dos líderes do movimento Anarquista que teve vida curta, morrendo em 1936, no contexto da 2ª República Espanhola, que terminou com a invasão das tropas de Franco.




segunda-feira, 11 de setembro de 2017

11 de Setembro - Dia da Catalunha

Se o dia 11 de Setembro ganhou um significado internacional ligado à queda das Torres do World Trade Center em 2001, em Nova Iorque, a data tem outros significados locais, bem diferentes de paragem para paragem. Vamos focar no caso de Barcelona, sem relação directa com os últimos atentados ocorridos em Agosto

No caso da Catalunha, a data de 11 de Setembro é o dia nacional da Catalunha, relacionando-se com o cerco de Barcelona (1713-14) por tropas franco-espanholas, que redundou nesse dia de 1714 com a queda da cidade, e o fim das aspirações de Independência, após a decisão da guerra de sucessão espanhola, com desfecho favorável à casa francesa de Bourbon com Filipe V.

Queda da cidade após cerco, fim da aspiração independentista catalã.
Monumento a Rafael Casanova, líder de Barcelona nesse cerco.

Estando prevista a realização do referendo independentista para o dia 1 de Outubro deste ano, após a decisão do parlamento catalão a 6 de Setembro, e face à invocação de inconstitucionalidade declarada logo no dia seguinte pelo tribunal constitucional espanhol, prevê-se uma instabilidade crescente, entre aspirações nacionalistas locais, e imposições espanholas centrais, até ao final deste mês de Setembro.

Face a confrontos anteriores, nomeadamente a guerra civil espanhola, é sabido que estas tensões podem disparar de forma algo incontrolada, em pouco tempo, e com consequências algo imprevisíveis. Digamos que, apesar doutras notícias que apontem problemas mundiais noutras partes do globo (por exemplo, a longa novela norte-coreana)... uma casmurrice cega de ambos os lados, especialmente do lado espanhol, pode tornar este problema catalão no problema mais grave dos próximos tempos, com proporções que a UE tende a ignorar olimpicamente, mas que pode vir a ter que repensar seriamente, em breve. 

Lembramos ainda o 11 de Setembro no Chile, que representa a data do Golpe que matou Allende e colocou Pinochet no poder, em 1973... com uma benção e apoio dos EUA, que parece estar hoje mais do que confirmada.
Golpe de Pinochet, onde é morto Salvador Allende

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Contacto com tacto

Por um lado, os mais entusiastas do "fenómeno OVNI" levantam questões sobre o encobrimento de visitas alienígenas (no presente, ou no passado - conforme é moda no Canal História).
Por outro lado, houve quem colocasse a conspiração num outro ponto - que o "governo mundial", através da NASA, iria fantasiar uma visita ET, tendo em vista um descrédito das religiões existentes, e o início de uma nova religião esotérica, do tipo New Age.

Esta última teoria é bastante menos conhecida, mas tem um nome: 
e junta a particularidade do seu principal proponente, Serge Monast, ter falecido em 1996, em circunstâncias estranhas, após ter denunciado perseguições governamentais.


Podemos encontrar vantagens em simular um poder alienígena, remetendo decisões controversas para uma culpa exterior, e captando a simpatia das populações para os dirigentes, que assim defrontariam uma pretensa ameaça mundial. Considerando que a NASA pode ter simulado e mantido a ideia de uma ida à Lua, sem grande adversidade, não seria difícil produzir o mesmo tipo de enredo para simular um contacto extraterrestre.

Além disso, havendo uma pré-disposição para acreditar, tudo fica muito mais fácil.
Como pode ser visto num relatório da CIA, na década de 1950, foi pensado usar o fenómeno do avistamento OVNI como táctica de guerra:

... ou seja, os avistamentos poderiam ser usados como arma psicológica de guerra - quer defensivamente, quer ofensivamente.

Portanto, quer se acredite ou não nesta teoria, a CIA considerou a possibilidade de usar em seu favor a credulidade no fenómeno OVNI. Isso poderia ser feito defensivamente, colocando os ET's como força superior que estaria do lado dos EUA, motivando as suas tropas... Como também poderia ser usado ofensivamente, desmoralizando o inimigo com a crença de que poderiam ser invadidos por uma força ET... caso a simulação fosse convincente.

As aplicações de projecções de imagens têm aplicações militares, para além de muitas outras.
A eventual projecção de imagens de santos ou divindades - que, consta, poderá ter sido usada na Guerra do Iraque, não seria de espantar, nem da utilização, nem do efeito crédulo que poderia gerar em soldados crentes ou supersticiosos.
Num aspecto completamente diferente, em 2016, a MTV bateu um record ao projectar, o anúncio dos MTV Awards, num imenso écran transportado por um helicóptero que sobrevoou Nova Iorque. Neste caso não havia intenção de ocultar a projecção, o objectivo era impressionar, e isso foi conseguido.
Cada vez mais, com algum progresso tecnológico, confunde-se a capacidade de distrinçar o admirável do vulgar, usando como substituição de critério ser menos ou mais comum, captar mais ou menos a atenção.

Também não seria de estranhar que, os primeiros amantes da projecção cinematográfica, decidissem no início do século passado... digamos por volta de 1917, projectar numa árvore, digamos numa oliveira na Cova de Santa Iria, uma imagem que seria suficientemente boa para suscitar a credulidade de pequenas crianças, numa comunidade fortemente religiosa. A tecnologia existia, e a credulidade também. Além disso, num céu enublado, o efeito de uma forte projecção circular de luz sobre as nuvens, rodopiando, não seria difícil de conseguir, mesmo nessa altura.
A capacidade de iludir esteve sempre presente, e a realidade é apenas conveniente quando funciona melhor, ou substitui, uma ilusão dispendiosa.

(*) Nota: O vídeo que aqui coloco merece ser visto, mas há que distinguir entre as actuais possibilidades de hologramas 3D, com composições visuais que aparecem em écran (ou seja, o efeito da baleia parece ter sido visualizado pelos alunos presentes no ginásio - desconheço se foi verdade ou não, mas os restantes aqui têm o olhar das pessoas não nos objectos, mas sim num écran onde a imagem era composta). O problema da tecnologia é que é demasiado tentadora para não ser mostrada e assim ser o primeiro a obter o reconhecimento do grande público...

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Agroglifos (crop circles, crap circles)

É mais difícil retirar uma ideia implantada, do que implantá-la.
Crop circles no filme Signs (2002)
No que diz respeito a implantações em plantações, fizeram bastante sucesso os chamados "crop circles", ou agroglifos, chegando a ser prática corrente nos últimos 30 ou 40 anos, tendo sido tema do filme "Sinais", em 2002.

A questão é que havendo uma pré-disposição a acreditar, os sinais que apareçam no sentido dessa crença são valorizados, e mesmo que sejam depois desacreditados, isso não significa que sejam desvalorizados, por quem lhes deu valor.

Isso é perfeitamente natural, porque as pessoas ao cometerem-se com uma ideia tornam-se seus fiéis seguidores, despendem tempo e recursos, e não aceitam facilmente que tudo isso seja tornado a nada por uma simples revelação, ou melhor, desvelação.
Acontece assim com religiões, e diversos cultos, que arregimentam muitos seguidores, e que não desaparecem apenas porque se torna óbvio que são simples esquemas de embuste financeiro, mesmo quando as evidências expõem múltiplas fraudes. 

No caso dos crop circles, o assunto é sobejamente conhecido ter sido produzido por uma série de "brincadeiras" em plantações, umas centenas atribuíveis a D. Bower e D. Chorley, desde 1978. Com a publicitação jornalística do fenómeno, as cópias sucederam-se, quase sempre nos mesmos países e em áreas de fácil difusão. Para criarem uma ilusão mais credível, tal como fazem os ilusionistas, os padrões complexificaram-se, mas curiosamente também houve também campanhas publicitárias, usando o mesmo tipo de processos, como num caso da McDonald's - que usou uma plantação de milho no Nebraska, para fazer um anúncio razoavelmente complicado do Mc Café:
Plantação publicitária - "crop circle" da McDonald's no Nebraska (2008)
Bom, e para que não pareça que há ET's a promoverem o café da McDonald's, fica aqui outro link de um outro desenho complexo, feito por amadores numa quinta. Se a princípio, os mais entusiastas ainda tentaram dizer que uns seriam feitos por humanos, mas outros não poderiam ser... com os diversos exemplos, as coisas ficaram bastante mais claras.

Actualmente ainda não há qualquer tecnologia que permita modelar o padrão de uma nuvem, e mantê-la estável durante umas horas... pouco mais se consegue que uns momentâneos coraçõezinhos de amor em nuvens de fumo. Mas, caso a tecnologia surgisse, tanto iria ser aproveitada para encobrir embustes como os crop circles, como depois para descobri-los em manobras publicitárias. Depende muito do que render mais...
Por outro lado, teria sido muito mais eficaz a ET's difundir a sua tecnologia dessa forma (com mensagem complexas inscritas em nuvens), do que dobrar hastes em campos de milho... coisa que, pelo visto, muitos agricultores amadores estão também capacitados para fazer, com similar destreza, mais com recurso a tractores do que a naves espaciais.

Cogumelos que crescem como "anel de fadas".
Doutro tipo de origem, surgem fenómenos naturais, que também levaram a interpretações desviantes, por vezes de origem sobrenatural, como é o caso dos anéis de fadas ("fairy circles").

Ainda que o fenómeno seja estranho, há uma explicação associada a um fungo de cogumelos, que já levou a teorias científicas para explicar a ocorrência, sem recurso a fadas ou diabretes. De qualquer forma, o crescimento numa forma circular razoavelmente perfeita, não deixa de merecer espanto, e uma atenção dos cientistas.




A geografia das montanhas em Alberta (Canadá) fez aparecer
um retrato convincente de um índio no Google Earth.
Finalmente, de entre os chamados fenómenos de pareidolia, mereceu considerável atenção uma imagem satélite, vista no Google Earth, que lembrava o retrato de um índio americano (ver imagem), um pouco na linha da famosa "face marciana", mas neste caso definido pelos contornos das montanhas no estado de Alberta, no Canadá.
Por outro lado, propositadamente construída, apareceu no deserto australiano a figura do Marree Man, que se presume ter sido obra anónima de J. M. Stuart.
Neste caso (tal como no anterior), a passagem do tempo foi degradando de forma apreciável o desenho original.

Um artigo do Daily Mail dava outros exemplos, uns mais notáveis que outros... nomeadamente, podemos ver como o fenómeno publicitário tenta aproveitar este novo tipo de tecnologia, para daí tirar relevo - como no caso do logotipo da KFC, feito em 2006 com uma precisão notável para aparecer no Google Maps.

A sociedade habituou-se a entender que as convicções humanas não são facilmente desmontáveis, e isto não diz respeito apenas às convicções religiosas, ou similares, mas mesmo até no que diz respeito às evidências científicas.
Os Romanos para acomodarem a situação politeísta, aceitavam praticamente todas as religiões, mesmo estrangeiras... era a forma mais fácil de não procurar problemas. Claro que tiveram o problema cristão, que exigia o fim dos culto pagão... mas rapidamente a Igreja, com a destruição de monumentos, perseguições e mortes, declaradas aos infiéis, acabou por acomodar um culto angélico, que permitiu uma outra forma de politeísmo - onde os antigos cultos passaram a ser associados a múltiplos cultos de santos. Na Idade Média seria impensável conviverem na mesma cidade uma igreja, uma mesquita e uma sinagoga, o cristianismo aspirava ainda a ser culto único... algo que com a separação entre igreja e estado, e uma política de tolerância, se tornou impossível de sustentar.
Actualmente, só os mais irredutíveis se dão ao trabalho de querer acabar com outras crenças, e impor a sua. Isso só é feito ao nível da educação escolar, onde a receita é praticamente única.

É muito mais fácil não perder tempo com discussões estéreis, quando não há comunicação, há apenas um elencar de convicções, envoltas numa retórica ardilosa, e deixar cada um seguir a sua convicção, contanto que não a pretenda impor à força aos outros. Depois, tudo redunda num factor económico, de capacidade de publicitar, com mais ou menos sucesso, uma certa ideia. Pretender que as pessoas fazem uma análise racional, e não são condicionadas por convicções irracionais, demonstrada a falsidade ou absurdo, é algo que está tão longe de acontecer hoje, como há milhares de anos atrás.


sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Na terra das rendas

Uma situação razoavelmente ideal é obter uma renda, de preferência que não tenha término, e dê para passar aos descendentes, de forma a acomodar toda a família.
Não estou a falar daquelas rendas que as avós faziam e gostavam de pendurar em cima da TV, ou que passavam aos netos como recordação. Estou mais a falar das rendas que os avôs conseguiam e passavam aos descendentes com desafogo. Num caso mais conhecido, temos uma família com mais de 500 descendentes, que foi vivendo desafogadamente à conta de rendas em cima de um banco, por obra e graça do Espírito Santo. A obra foi sentida na crise financeira recente, e a graça está no sentido de humor aviltante que a piolhagem parasita gosta de exibir sem pudor.

Para entendermos melhor o complexo jogo das rendas, nada melhor que ser ilustrado pelas rendas de bilros. Aliás, o assunto voltou a estar na moda, porque a Câmara de Peniche vai fazendo uns festivais em que os jogos de rendas combinam com vestidos, mais ou menos desafogados:
No caso das vilas piscatórias, os homens faziam redes e as mulheres faziam rendas
Se o objectivo das redes é facilmente perceptível, imitando o velho esquema aracnídeo da teia, aplicado ao pescado; no caso das rendas, a arte parecia ter utilidade desconhecida, apesar da complexidade que podia envolver. A teia da mulher prendada, não sei se seria suficientemente cativante, mas poderá ter conseguido apanhar os seus peixes.

O assunto das rendas existe desde tempos medievais, e garantia aos senhores das terras prender na sua teia uma boa parte de "peixe fresco", que consistia num imposto aos arrendatários. Como estas coisas passavam hereditariamente, uns habituaram-se a receber, e outros a pagar. A posição de quem recebia as rendas era extremamente confortável... porque basicamente pouco mais faziam que nada, para receber uma parte considerável de tudo o que era produzido na sua terra.
O problema de quem pagava, é que gostaria de estar na posição inversa... e lamentava a malfadada sorte do nascimento o ter colocado na posição de presa e não de predador.

Assim, ao surgirem as primeiras ideias libertadoras da servidão feudal, não seria difícil encontrar peixe que estivesse pelo fim das redes que o prendiam à lógica servil... mas com um ligeiro detalhe de aracnídeo velho - novas teias havia para enlaçar, e mais transparentes que as anteriores!
Por isso, se a nobreza foi sucessivamente perdendo direitos adquiridos, desde há duzentos anos, conseguiu manter as rendas, à conta de outras redes, as redes de contactos, e de uma máquina legisladora especialmente eficaz.

A princípio usou-se o simples esquema da "comenda", e eram vários os comendadores, que mantinham a renda assegurada com esse expediente. Era melhor, porque já nem tinham que defender terrenos, ou ser hábeis na arte da guerra, bastava terem direito à comenda... e foram muitos os comendadores. Os peixinhos cresciam animados com a ideia de que já não precisavam de pagar renda ao senhor feudal, e viam o pagar um imposto ao estado como dever nacional, ou o pagar renda a um senhorio como dever natural de propriedade. Continuavam a pagar ao senhores, mas como o faziam através do estado, ou através de alguma lógica, pareceu-lhes que a vassalagem terminara.

Com a sofisticação legislativa, alguns pormenores foram acertados.
Fugindo sempre à desigualdade inicial, mas tentando dar a entender que se promovia uma igualdade de tratamento, apareceram as "pensões". Fruto de grande pensar, certamente, considerou-se que um velho trabalhador receber de volta descontos, era uma "pensão"... tal como seria uma "pensão" uma comenda dada pelo estado. Assim, tanto passaram a ser vistos como pensionistas os pobres que recebiam um parco valor descontado, como os deputados que recebiam uma graciosa "pensão" por terem passado pela Assembleia. 
E lá vem o sentido de humor aviltante, sempre que os pobres reclamassem o aumento de pensões, isso gratificava mais generosamente outros pensionistas, que já não usavam necessariamente o nome de comendadores.

Bom, mas isso, é claro, seria apenas uma fatia pequena do bolo.
A grandes comendas resultariam de vantajosos negócios que privados fizessem com o estado, chegando-se ao ponto de inventar as "parcerias público-privadas", onde o sector público tomou conta do prejuízo, garantindo ao sector privado um lucro quase eterno, sem qualquer risco associado.
Foi assim fácil ver gente sem cheta, receber crédito de bancos públicos, para comprar bancos públicos. Foi fácil ver o estado declarar-se sem dinheiro para uma obra, mas depois financiar um grupo, para executar essa mesma obra, por maior valor, etc... uma paródia saloia.
Fizeram-se assim pontes, auto-estradas, etc... com rendas garantidas para dezenas de anos, e em que os investidores entravam com cacau zero, ou o que é equivalente, com cacau inventado, ou pedido emprestado, até à própria banca do estado. O mesmo se passou com televisões, empresas de telemóveis, etc. Num ápice, o estado foi-se tornando incompetente para tudo, para poder fomentar a passagem para o sector privado, onde basicamente os serviços ficariam a ser os mesmos, mas a preço mais elevado. Elemento essencial para esta mudança, um movimento sindical indecoroso, que pouco mais fez do que arruinar o estado, com exigências ridículas ou extravagantes.

Surge aqui o episódio da tragédia do incêndio de Pedrogão Grande.
Um dos grupos que conseguiu do estado uma choruda renda quase vitalícia foi justamente o ligado ao SIRESP, que se financiara com dinheiro fictício associado ao BPN, que todos tivémos que pagar por maior desconto nos nossos impostos. Como o grupo Galilei, saiu incólume desse incêndio processual, e continuou a operar como pessoa de bem, também o SIRESP manteve todas as características inatas:
- total desadequação ao propósito, falha completa na estratégia do sistema,
- um contrato chorudo para um sistema inoperante,
- cláusulas leoninas que o ilibavam de qualquer responsabilidade, etc, etc...
Ou seja, temos uma renda de bilros mal trabalhada, mas que serviu para dar aspecto de vestido, até que todos vissem que o governo seguia nú.
Como se a pouca vergonha não fosse suficiente, os inteligentes desta tourada, ainda tiveram o desplante aviltante de dizer que o sistema era bom, precisava era de mais financiamento por parte do estado, se pretendesse ser mais eficaz. Visava-se, claro está, usar um expediente de chico-espertice, para arregimentar ainda mais cobres para a banha da cobra.

Vão saindo relatórios, aqui e ali, que para além de mostrarem uma total inoperância da Protecção Civil, e cumplicidade de boa parte dos intervenientes, mostram o completo caos governativo, que nem sequer tinha publicada uma lista oficial de vítimas (argumentando para isso, um inexplicável "segredo de justiça"). 
O relatório desejado, não é difícil de imaginar, basta que sejam compradas as vontades de o assinar... e dirá o mais conveniente para todos - ou seja, que o incêndio foi excepcional, ninguém poderia prever o que iria ocorrer, todos fizeram o melhor, dentro das possibilidades, e as vítimas ou familiares serão indemnizados. Claro, isto se não forem também multados... como aconteceu com a MEO que exigiu pagamento por cessação do contrato a uma vítima morta
Para o SIRESP é que a história parece difícil de sair, já que as denúncias de mau funcionamento eram constantes, continuam a ocorrer sistematicamente, e por muito boa vontade que alguns trabalhadores tenham de colmatar as múltiplas deficiências, o problema original é que se tratava apenas de uma renda trabalhada para garantir rendimento à conta de pouco mais que nada. 
Como Costa ficou agarrado à contratação do sistema, esperam que não os deixe cair, para não cair com eles... mas por muita falta de vergonha, esquemas de corrupção, benefícios de silêncio, e cumplicidades, que existam, também há outro lado - de oposição, com outros clientes para as mesmas rendas - provavelmente com sistemas inovadores, que garantidamente funcionarão... desde que novas rendas, novas comendas, venham a ser contratadas.

O sistema que funciona é muito simples, com a devida rede de contactos, os contratos são sempre vantajosos, garantindo rendas de qualidade. A rede de contactos encarrega-se de proclamar que os escolhidos, ainda antes de serem escolhidos, são os melhores. Assim, a renda por muito frágil que tenha os seus fios, conta com os múltiplos nós da rede, para se aguentar e proclamar a sua perene saúde... tudo isto funciona, é claro, até ao momento de contacto com a realidade nefasta.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Mergulhando em Inis Mór

Uma das piscinas "naturais" mais espectaculares do mundo situa-se na Irlanda, nas ilhas Aran, em Inis Mór, e é conhecida como "Worm Hole", ou "Serpent's Liar".

A piscina "Worm Hole" situada na ilha Inis Mór (ou Inishmore), na Irlanda.

Apesar da sua forma rectangular, quase perfeita, a sua formação é atribuída a processos naturais, que desgastaram a paisagem cársica. Ainda que haja claras marcas naturais que podem justificar quebras rectangulares, a precisão dos contornos perpendiculares deixa a suspeita que nem tudo poderá ter resultado de intervenção natural.

O sítio não fazia parte dos roteiros turísticos mais conhecidos, pelo menos até a Red Bull ter aí colocado uma das suas provas do circuito Cliff Diving, permitindo como habitualmente alguns voos de mergulho notáveis:
Vídeo da Red Bull sobre o circuito de mergulho, no penhasco de Inis Mór em 2017.

Porém, a paisagem de Inis Mór é mais curiosa, e não se resume a esta suposta piscina natural. Também aí encontramos registos de antiga ocupação humana, nomeadamente na mesma ilha de Iris Mór, há um conjunto de construções denominadas "Seven Churches". Este nome lembra a mítica referência às Sete Cidades, presente nos Açores em nome de lagoa, e referente a possíveis viagens americanas de São Brandão, constantes da mitologia irlandesa da Idade Média, a que não estará desligada a própria nomenclatura do condado de Mayo, a que pertenceram estas ilhas. Também a data destas construções é referente aos séculos VII ou VIII, tendo havido um posterior abandono, por volta do Séc. XII ou XIII.
Ruínas de "Seven Churches", em Inis Mór.

A nível da paisagem, os penhascos que caem sobre o Atlântico são capazes de atrair os mais destemidos trepadores, apresentando autênticas pranchas de salto, como é exemplo duma prancha rochosa, conhecida como "The Roof", que se estendia por 6 metros acima do precípio, e onde foi tirada a fotografia seguinte (com o trepador Sean Marnane suspenso):
"The Roof" em Iris Mór, com um trepador suspenso sobre o abismo.

terça-feira, 25 de julho de 2017

É só fumaça...

Numa das declarações mais emblemáticas do Verão quente de 1975, Pinheiro de Azevedo procurou acalmar a população perante uma pequena explosão, dizendo "o povo é sereno"... ou "é só fumaça".

Passado mais de um mês sobre os trágicos acontecimentos do incêndio de Pedrógão Grande, sem qualquer resultado de investigação, sem qualquer acção significativa, e com a persistência sucessiva de falhas no sistema de comunicações "SIRESP", o governo e o status quo, munidos de uma forte campanha publicitária, procuraram ao máximo abafar quaisquer reacções ao caso.

A questão chegou ao ridículo de se não conhecer uma lista das vítimas da tragédia, porque explica a ministra: 
- "a lista de vítimas não é secreta mas consta de um processo judicial em segredo de justiça"
Chegamos assim ao desplante da novilíngua, onde é o que não é secreto, é segredo.
O famoso "segredo de justiça" serve assim para encapsular todo o secretismo que se pretenda ocultar, bastando invocar interesse de um qualquer processo, e ignorando qualquer interesse público na sua divulgação.

Entretanto houve quem tivesse feito contas diferentes, elevando o número de vítimas a mais de 80, tendo em conta mortes "indirectas". 
«Uma posição que surge depois de o Jornal i divulgar uma lista que já inclui mais de 80 mortos, dos quais 73 estarão confirmados pelas famílias com nomes completos, localidade e local da morte.»

O detalhe algo sinistro é que a contabilidade terá ignorado (pelo menos) uma vítima que, fugindo do incêndio, foi vítima de acidente... da mesma forma que assim se poderiam ignorar as vítimas que saltaram das torres gémeas no 11 de Setembro. 

O secretismo da lista pode parecer um detalhe, mas seria uma forma da população não ter certezas sobre o número total. Individualmente cada família pode fazer uma contabilidade das vítimas que conhecia, mas não de todas vítimas que pereceram no incêndio. Se tal lista fosse pública, cada família poderia reportar as faltas dessa lista... assim, simplesmente não sabe se entre as 64 vítimas estão a ser contadas as suas perdas, por mais que lhe digam que sim, dirão o mesmo a todos.
Sem este trabalho jornalístico, não seria possível uma compilação das vítimas, conforme feita pelo Jornal i, que terá confirmado 73 vítimas entre os familiares. 

António Costa, é claro, está metido neste fumo até aos cabelos, começando pelo seu papel na efectiva contratação milionária de um sistema completamente inoperante, denominado "SIRESP", e nesta gestão da situação pode bem proclamar que "é só fumaça", que não será por isso que as vítimas desaparecem. Bem podem argumentar que estão a respeitar a memória das vítimas pelo silêncio, sabendo que as famílias estão reféns da distribuição de subsídios... 
Pode procurar-se a névoa do fumo para encobrir o desastre, mas a percepção generalizada da população tenderá a ser de total desconfiança na governação, e esse incêndio consumirá como vítima não apenas a autoridade do estado, mas o próprio status quo vigente, que se procura refugiar em realidades alternativas, esperando que o fumo vá ainda dissipando a indignação.

sábado, 24 de junho de 2017

As chamas e as chamadas

Um amigo brasileiro disse-me um dia: "não é possível distinguir a corrupção da incompetência".
A frase deixou-me momentaneamente surpreendido, porque em Portugal há o hábito de culpabilizar a corrupção e desculpar a incompetência. Ele simplesmente acrescentou que no Brasil a situação tinha atingido tais proporções, que tinha ficado claro que era impossível distinguir uma coisa da outra. 
Os sujeitos que entregam 500 milhões de euros do estado, em troca de um sistema de comunicações de emergência cujas chamadas dependem das chamas (do fogo queimar ou não os postes de ligação), mesmo que se tentem fazer passar por idiotas, nunca poderiam deixar de ser acusados de corrupção. 
Mesmo que os idiotas mostrem que não usufruíram de nenhuma compensação, e que nem passaram a ter amigos a emprestar-lhes milhões de euros, um idiota é corrupto ao aceitar tomar decisões contra a mais básica evidência, por muito que invoque pareceres de "peritos", contra o interesse do estado.
Tais idiotas teriam alguma competência, talvez, para ajudar a limpar as matas...

Porém seria injusto isolar o contexto, e não ver o panorama global.
Uma parte do panorama global é mais ou menos ilustrado no filme Goodfellas (1990):

... onde, depois da introdução dos membros do gang, se explicita a filosofia subjacente:
For us to live any other way was nuts. To us, those goody-good people who worked shitty jobs for paychecks and took the subway to work every day and worried about their bills were dead. I mean they were suckers. They had no balls. If we wanted something, we just took it. If anyone complained twice they got hit so bad, believe me, they never complained again.
E é basicamente isto que temos! Os actores de confiança não são muitos... não pela falta de candidatos, mas muito mais pela falta de confiança, e porque o bolo ficaria pequeno sendo dividido com demasiados.
Usando nomes dos "wiseguys", o Nicky Eyes tanto poderia ser secretário de estado da saúde, como depois ser nomeado para administrador de uma construtora civil. O Fat Andy poderia ser CEO de uma empresa nutricionista, depois ministro do desporto, e de seguida regressar à mesma empresa, garantindo pelo meio contratos de alimentação às federações desportivas, etc.

No meio de tal compadrio, e opulência vista de fora, os rapazitos sonham um dia pertencer à pandilha. E entrando, ficam demasiado emocionados com a admissão, para questionar o funcionamento. Se lhes derem um papel para assinar, eles assinam... todos sabem disso, afinal é assim que funciona, e pronto. E os rapazitos contam com apoio, com os pareceres certos, com prémios, se alinharem, porque a malta os apoiará se a coisa der para o torto... mas também devem saber que podem ser sacrificados se a coisa der para o muito torto.

Não se trata aqui de estabelecer quaisquer relações directas com aristocracias, maçonarias, judiarias, máfias ou partidos. O compadrio funciona habitualmente, quando se subentende uma relação de confiança suficientemente grande e estável entre os membros. Por isso, durante muito tempo, a aristocracia que se aproveitava do povo, tentava manter e fortalecer relações familiares, a bem da união do grupo. Quem detinha o poder podia fazer tudo, e os restantes, a populaça, eram apenas vistos como imbecis, alimárias, enredados pela obediência à teia social. O sistema tendia a preservar-se e perpetuar-se, porque as famílias que já estavam instaladas usufruíam da vantagem de deterem o poder, beneficiando por isso da deferência dos restantes. As aparentemente profundas revoluções sociais, em pouco afectaram as relações de poder já existentes, numa lógica "do mudar tudo, para tudo ficar na mesma".

Tal como os sicilianos nos demonstraram, a partir do Séc. XIX, este tipo de controlo local pode ter ramificações globais, instalando-se na imigração que partiu para os EUA durante esse século. 
Mas esse é apenas um exemplo, que estabelece um poder paralelo ao estado, sendo visto como ilegal, e desafiando o poder da lei italiana. Num nível mais sofisticado, a actuação não é ilegal, já que seriam os próprios a fazer a lei à sua medida.

Mesmo assim, dificilmente o topo da cadeia de poder termina em alguém conhecido. O poder sendo visível, revela o alvo, preferindo por isso esconder-se em bastidores de influência, e usar actores conhecidos para aparecerem em sua substituição. Ou seja, organizações mais ou menos conhecidas, como a maçonaria, com os seus rituais e fantasias, servem apenas como uma porta de entrada para um mundo menos visível. Não encerram nada de substancialmente misterioso, nas suas tradições anacrónicas. As tradições, os rituais, as cerimónias, servem muito mais para manter uma aura misteriosa que remete a um poder maior, vindo de tempos imemoriais. Celebrações de mascarilhas, que lembram os tempos dos druidas, não servem para reunir grupos operacionais, mas podem servir para fidelizar os membros, e fazer entender que há poderes maiores, que os ultrapassam.
Uma operacionalidade efectiva, nos tempos que correm, assenta muito mais no campo das comunicações, e será entre grupos de hackers que se recrutam operacionais que permitem implementar políticas, e controlar a informação. Será também entre grupos de marketing e publicitários que se procuram definir programações e manipulações de opinião. Uma associação como a maçonaria serve muito mais para juntar diversas competências distintas dentro de um mesmo contexto, dentro de um mesmo grupo, facilitando o contacto operacional. 

Bom, e tudo isto para quê? - Basicamente, para definir um grupo com controlo sobre a restante população que pode, dentro de poucas restrições, fazer basicamente tudo o que entender. 
Claro que uns utilizam a estrutura para proveito próprio, e esse será o grande aliciante... mas o pretexto será definir o rumo da civilização ocidental, para a manter com predominância global.
Portanto, por um lado, haverá as guerras entre famílias para partilha do bolo, mas o ponto que deixará as cisões mais profundas será na definição do rumo a seguir... coisa que tem gestão simples, no processo de manter tudo como está, ou até em regredir, e que será muito mais complicado na definição de alguma evolução social, como aconteceu desde os Descobrimentos, e em especial na transformação liberal que ocorreu especialmente a partir do Séc. XIX, até à 2ª Guerra Mundial, ao libertar a maioria dos cidadãos da prisão feudal.

O equilíbrio pretendido será manter uma pequena percentagem de predadores para um enorme número de presas. Mas esse sistema só seria estável se a natureza de uns e outros não fosse flexível à mudança. No caso de predadores e presas é a própria natureza que define a condição do corpo, ao passo que a condição da mente sofre mutações apreciáveis, e não há propriamente um problema de estômago em passar de presa a predador, o único estômago que muda é o da disposição moral para perder os escrúpulos.