quinta-feira, 31 de maio de 2018

Nebulosidades auditivas (61)

Acontece, mais frequentemente do que seria expectável... apagam-se as luzes dos candeeiros da rua quando passam os transeuntes.
Não é caso de um candeeiro particular, nem de nenhuma cidade em particular. 
Acontece tanto, que a pessoa pode ser levada a pensar que tem alguma interferência com o sistema, ou até que alguém está a gozar consigo. Há quem não ligue, ou nem se aperceba do assunto, mas o fenómeno está espalhado, conforme podemos ver neste artigo (e comentários a ele):

IO9 - por Esther Inglis Arkell

ou ainda, neste vídeo. A explicação que encontramos no artigo, é totalmente insuficiente, aplicável talvez num ou noutro caso. Não se tratam de lâmpadas de sódio que estão em fim de vida, e começam a falhar intermitentemente, por vezes estão mesmo associadas ao simples passar do transeunte, ou não estão associadas a coisa nenhuma. Aliás, sempre me lembro de haver um ou outro candeeiro onde isto ocorria. A razão pela qual se mantem este tipo de lâmpadas de sódio, e não se passa para LED, como todos somos aconselhados a fazer em nossas casas... com tanta preocupação energética, pois é uma outra incógnita interessante, espalhada pelo mundo!

Durante vários anos, o candeeiro do lado esquerdo da minha casa, tinha a candura de apagar quase sempre que eu chegava à varanda, depois voltava a acender, apagando de novo, etc... depois o da rua nas traseiras começou a fazer a mesma coisa. Creio que no final do ano passado isso acabou, até que neste mês começou a falhar o da frente do lado direito. Enquanto escrevia isto, apagou várias vezes, enquanto ia à varanda fumar. Houve outro no início da rua, que se apagava quando alguém passava, mas depois ficou bom! Noutra cidade, onde costumo passar fins-de-semana, o mesmo tipo de ocorrência com um candeeiro em frente, e com dois na praça ao lado. A minha mulher faz o esforço de não achar nada disto estranho.
Uma outra ocorrência bizarra - nunca me lembro de ver tantas gaivotas em certas cidades - não costeiras, quanto aconteceu nos últimos anos. Aliás, antes havia o ditado "gaivotas em terra, tempestade no mar"... Perguntei sobre isto, e disseram-me que era devido às lixeiras (... como se não existissem lixeiras antes)! 
Bom, mas o que é certo é que as gaivotas já disputavam o território com os pombos, e menos polidas que estes roubavam comida das esplanadas de forma espalhafatosa. Uma gaivota pousava sistematicamente em cima do candeeiro do lado esquerdo. Quando deixava o carro por baixo, tinha um presente. Numa outra casa, a quase 10 Km da costa, pousavam no telhado, e não havia noite que não ouvisse o seu constante grasnar. Agora, subitamente, de um ano para o outro, ou foram todas exterminadas, ou acabou a tempestade no mar... porque já não as vejo.

Do tempo em que as coisas começaram a ficar estranhas, ou em que passei a dar outra atenção à sua estranheza, fica uma canção dos Keane:

Keane (2009) Everybody's Changing

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Berlenga - VAR e BAR

Num comentário de MBP, surgiu a indicação para um texto sobre a etimologia da Berlenga, publicado por António Augusto Batalha Gouveia, em 1975, no jornal "A Voz do Mar", numa rúbrica intitulada  a "História esquecida das palavras", dedicado à origem do topónimo "Berlenga":


Como a transcrição do texto do jornal está com inúmeros erros, que comprometem seriamente a leitura, que é aliás uma leitura interessante, deixo aqui o texto já corrigido.
Após isso incluo alguns comentários sobre este assunto, nomeadamente sobre a existência do forte, ou palácio, das Berlengas ao tempo de D. Afonso Henriques, e ainda sobre "BAR", uma sílaba de prefixo, que deve ser ligada a "VAR" (... mas não enquanto abreviatura de videoárbitro!)

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BERLENGA

O escrivão da esquadra flamenga e saxónica dos cruzados que auxiliaram D. Afonso Henriques a conquistar Lisboa aos mouros, Osberno ou Osborne, descreve nestes termos a chegada dos navios a Peniche vindos do Porto (1143):
«No dia seguinte aportámos com felicidade à ilha de Peniche, distante do continente oitocentos passos. Abunda esta ilha em veados e coelhos; também se encontra nela a planta do alcaçuz. Os tírios chamaram-na Eritreia e os cartagineses Gadir, que quer dizer «sebe», porque para além dela já não há mais terra; por isso se diz o extremo limite do mundo conhecido. Junto dela há ainda duas ilhas a qual o vulgo chama Berlengas, corrupção de Baleares, e numa delas existe um palácio de maravilhosa arquitectura com muitos alojamentos de arrecadação, o qual, segundo dizem, serviu outrora de agradabilíssimo retiro particular de certo rei.» 
Admitindo a existência de um ou outro leitor de «A Voz do Mar» interessado nestes assuntos vou, tão resumidamente quanto o permite a clareza, proceder à investigação etimológica dos nomes atrás transcritos começando pelo nesónimo Berlenga.

A procura dos étimos dos nomes não pode deixar de tomar em consideração os doutos princípios enunciados pelo reputado etimologista francês Turgot, os quais se podem sintetizar nestas três alíneas:
a) Procurar o étimo na língua indígena a fim de se adquirir o conhecimento da derivação.
b) Reencontrar a raiz achada através do derivado produzido pela alteração fonética;
c) Reencontrar o sentido determinado pelas mudanças semânticas.

Deste modo, e através de raciocínios apoiados em dados linguísticos bem determinados, chegar-se-á ao reconhecimento dos «fósseis» linguísticos e sua significação.

Ao falar dos antigos habitantes de Peniche o cruzado Osborne refere apenas dois povos, aliás, originários da mesma etnia: os tírios e os cartagineses ou, como também são conhecidos, os fenícios e os púnicos.

Na realidade, os exames antropométricos realizados em naturais de Peniche corroboram aquela informação porquanto neles foram detectadas características somáticas afins daqueles antigos povos (General João de Almeida, Relação das Estações Arqueológicas do Continente). É pois baseado na área linguística a que tais povos pertenciam que irei pesquisar o nesónimo Berlenga que o supracitado escrivão diz, equivocadamente, ser corrupção do nome Baleares.

O nome Berlenga aglutina os dois elementos lexicais aramaico-cananeus Bar e Laha significativos, respectivamente, de «filho» e «deus». Anotarei, por mera curiosidade, que o país a que se dá hoje o nome de Síria era outrora conhecido por Túria, Tyria e Tíria e daí o chamar-se indiferentemente sírio ou tírio ao povo que habitava a estreita faixa de terra situada entre os contrafortes do Anti-Líbano e o litoral mediterrânico.

Síria ou Túria (literalmente «terra dos touros ou dos deuses») era pois aquele pequeno país cuja principal cidade, Turo, Tyro ou Tiro, deu o nome à região. Tiro, à semelhança de Peniche, era igualmente uma ilha fortificada.

Alinharei seguidamente algumas considerações relativas aos supracitados temas Bar e Laha. Na obra, a todos os títulos notável de Adolphe Lods, Israel, das Origens até Meados do Século VII a.C., pág. 316, aquele autor refere alguns teónimos dos panteões fenício-palestinianos onde entra o elemento Bar: Baraté (filho da deusa Até), Bargôs (filho de Qôs), Bardesdn (filho do deus do rio Daisdn) e, repare-se, Barlaha (filho de Deus).

A voz bar apresenta-se saturada de significação religiosa por remontar a sua origem lexical àquela fase cultural em que o homem concebeu as águas marinhas como a fonte de todas as formas de vida inclusivé a própria. Para os arameus a palavra bar enterrava o conceito de «filho primogénito», tendo os árabes perpetuado no seu léxico amesina palavra (grafada bahr) como denominação do mar.

Os antigos cretenses ornamentavam a sua olaria com diversos motivos marinhos dentro os quais sobressaía o polvo. Porque este molusco como decoração dos vasos sagrados utilizados nas libações às divindades? Porque o polvo representava para aquele indómito povo, que antes de qualquer outro dominou o Mediterrâneo, o primogénito divino, isto é, o «filho», (bar) da «água» (Nu ou Na em egípcio).

Foi da junção das vozes bar e na que se formou o basco barna e o latim e português perna. A dicção polvo vem, como se sabe, do grego polypous que naquela língua queria dizer «de muitos pés». Este ser marinho, por ter oito pernas foi pelos gregos chamado oktôpous (oito pés), nome que transitou para o inglês sob a grafia octopus.

Segundo Philon de Biblos, Bahturo, Baeturo ou Baetulos era um dos grandes deuses fenicios, «filho do Céu e da Terra, irmão de El, de Dagon e de Atlas. Ora é deste nome Baeturo ou Baetulos que derivou o grego Bartolomaios - literalmente, «filho» (bar) do «deus» (turo) «grande» (de maios) — donde o actual antropónimo português Bartolomeu.

Na escultura e pintura religiosa do Antigo Egipto as divindades apresentam-se, por vezes, sentadas com as pernas cruzadas. Acontece que em grego os senhores ou deuses do Olimpo eram chamados Kurios, palavra entrada no latim para denominar, quer a «perna» (crus) quer a «cruz» (crux) que com ela se fazia.

No próximo artigo irei investigar o tema Laha que, como acima disse, é o nome árabe de «deus».


BATALHA GOUVEIA
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_____________________________________________________ (imagens do artigo)


O Forte de S. João Baptista, em Berlenga (etimologia)

Forte ou Palácio das Berlengas?
Segundo a descrição citada de Osborne, já existia na Berlenga "um palácio de maravilhosa arquitectura com muitos alojamentos de arrecadação", e esta descrição antecede em quase 400 anos, a possível instalação de monges jerónimos, feita em 1513, com o auxílio da Rainha D. Leonor, no reinado do seu irmão, D. Manuel.

Uma adaptação para forte foi feita no decurso da Guerra da Restauração, por D. João IV, onde serviu uma resistência heróica de 30 soldados, comandados pelo cabo Avelar Pessoa, na Batalha das Berlengas em 1666, contra uma numerosa força invasora espanhola.

Ainda no reinado de D. Sebastião foi edificado ou terminado o Forte de Peniche.
Ora, as típicas guaritas de soldados estão presentes no Forte de Peniche, assim como estão na Torre de Belém, e em praticamente todas as fortalezas portuguesas da época, do Séc. XVI ao XVIII.
Onde estão essas guaritas no Forte das Berlengas?

O que se vemos, sim, são múltiplas janelas, talvez indicando "muitos alojamentos de arrecadação", e vemos uma estrutura arquitectónica que não se assemelha a mais nada que se veja em Portugal, ou até mesmo fora de Portugal.
Não se questiona que o forte tenha sido parcialmente destruído, e reconstruído, mas aparenta ter sido sempre preservada alguma traça original.

Essa traça original leva-nos para ambientes mediterrânicos, talvez de origem árabe, talvez ainda mais remotamente, de origem fenícia ou púnica. Nota-se ainda, bem marcada, uma linha horizontal, à mesma altura em toda a fortaleza, e se fosse uma possível altura máxima de água, estamos a falar de perto de 8 metros de diferença. No entanto, o mais natural é ter sido construída com uma altura de água semelhante à de hoje, e convém dizer-se, que é uma construção notável.

Seja como for, dando crédito ao cruzado inglês, conforme é dado, então existiu ali um "Palácio das Berlengas", durante a presença árabe, e talvez mesmo muito antes disso, podendo ter origem púnica, ou mesmo nacional, na primitiva Lusitânia dos Turdúlos.

BAR ou VAR?
Há uns anos atrás, num comentário, e num texto "Aletheia" deixei comentários sobre o prefixo "bar", que significa "filho", conforme é mencionado por Batalha Gouveia. Parece-me estranho que Batalha Gouveia, nos múltiplos exemplos que deu para o prefixo "bar", não tenha invocado "barão", ou mesmo "varão", que significa o primogénito masculino... e dispenso repetir os argumentos, mas acrescento que o "varão" era o primeiro de "vários", e a "vara" era um cajado para conduzir a "vara", que não sendo porcos, numa versão menos antropófaga, seria de carneiros (como vara de Aarão). O mesmo pode ser dito para um "barão" à frente da "barra", notando ainda que o primeiro homem era natural ser filho, ser "bar", ser "barro".

Concordando com o etimologista em várias menções, como a semelhança entre Síria e Túria (e recordando aqui como a "Atouguia" poderá vir da "A Touria"), não sigo a sua derivação de Berlenga da forma "Bar-laha", preferindo manter as razões que invoquei na etimologia sobre a Berlenga.

domingo, 6 de maio de 2018

Nebulosidades auditivas (60)

O filho de Afrodite é Eros, mais conhecido por Cupido, enquanto filho de Vénus, na vertente romana.
Aphrodite's Child foi o nome da banda de Vangelis e Demis Roussos, que faria um considerável sucesso entre 1968 e 1972. Esse nome foi escolhido pelo representante da Mercury Records, e a ligação entre Mercúrio e Vénus, é próxima... ainda que Mercúrio ou Hermes, tenham maternidade em Maia (na vertente romana ou grega).

Com a Grécia mergulhada na Ditadura dos Coronéis, em 1967, a caminho de Londres, Vangelis (Evangelis) e Demis (Artemios) ficaram retidos em Paris, apanhados pelo Maio de 1968, de que se comemoram agora 50 anos.
O seu primeiro sucesso, "Rain and Tears" (uma adaptação de um tema barroco do Séc. XVII do compositor alemão Pachelbel), tornou-se um sucesso ligado aos protestos de 1968, segundo Demis Roussos, porque "rain and tears" lembrava aos jovens o gás lacrimogéneo usado pela polícia.

Aphrodite's Child - Rain and Tears (1968)

Face à figura magra que aparece no vídeo, pode não ser fácil reconhecer Demis Roussos, sendo mais volumosa a presença de Vangelis no teclado (de óculos escuros).
Ambos tiveram um sucesso enorme. Especialmente Vangelis, já que Demis Roussos, tendo um sucesso estrondoso na sua carreira a solo nos anos 70, não se adaptou bem à dinastia song que reinaria a partir dos anos 80. Fora desses circuitos mais juvenis, Demis Roussos tornou-se numa estrela incomparável para a geração de 40/50, eclipsando o circuito que distribuía então a música francesa e italiana - e que dominava uma certa distribuição discográfica europeia (neste caso a Philips).

Demis Roussos - Forever and Ever

Não era difícil ouvir dizer que a sua voz era "divina", de tal forma as musas do monte rodopiante deixaram ali a sua marca. Mas, a partir dos anos 80 e 90, já praticamente só repetia os seus sucessos dos anos 70, e os delicados trinados que as musas lhe tinham deixado já não entravam numa cultura musical onde a bateria dominava.

Nesse aspecto, foi Vangelis muito mais bem sucedido, não porque abusasse da batida... aliás quer um, quer outro, não desdenharam a herança das puras melodias, mas especialmente porque se soube enquadrar bem no circuito anglo-saxónico, especialmente em bandas sonoras que lhe valeram prémios em Hollywood, nomeadamente o Óscar com "Chariots of Fire" (e o que é esse filme, sem a música?)...
Figura muito mais discreta do que espalhafatosa, ao contrário de Demis, aparece num vídeo da sua colaboração com o vocalista dos Yes, Jon Anderson. O álbum The friends of Mr. Cairo é um exemplo menos conhecido da genialidade de Vangelis.
Jon & Vangelis - The friends of Mr. Cairo (1981) - [versão completa aqui]

Mr. Cairo era um personagem secundário do filme The Maltese Falcon, com Humphrey Bogart, de que já falámos a propósito de Malta e Santelmo.

Mas, mesmo para os personagens mais abençoados pelas musas, Mercúrio pode ser hermético na divulgação do seu trabalho, e se Demis Roussos já nos deixou, Vangelis continua a produzir, ainda que não tenha necessariamente a divulgação que se esperaria, e que é tão bem gerida pelos mercadores dos nossos ouvidos.
Fica aqui o seu último trabalho de 2016, de nome Rosetta, a propósito da missão da ESA, que redundou no "estrondoso" sucesso de que aqui falámos (aliás ainda hoje deveríamos estar extasiados com as imagens que transmite do calhau onde caíu).

Vangelis (2016) Rosetta Mission - Origins