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domingo, 23 de março de 2014

HARP e HAARP, harpas e hárpias

Projecto HARP 
Uma das ideias que constava já nos livros de Júlio Verne, seria a de enviar um projéctil, disparado por um canhão, com velocidade suficiente para escapar à atracção terrestre, e pelo menos entrar em órbita.

Essa ideia pode parecer caricata, tal como foi ilustrada num filme mudo conhecido de George Méliès
Le voyage dans la Lune - George Méliès (1902)

No entanto, o canadiano Gerald Bull levou a cabo uma série de iniciativas entre as quais:
um projecto iniciado em 1961 e que visava a colocação de satélites em órbita, não através do lançamento por um foguetão, mas sim por um enorme canhão... tal como pensado por Verne e encenado por Méliès.

A certa altura houve uma desistência do projecto, mas Gerald Bull não desistiu de colocar a ideia no espaço. Teve então uma proposta de Saddam Hussein para a construção do canhão no Iraque, tendo muito sido feito para evitar isso, nomeadamente a sua prisão nos EUA, e em 1990, Gerald Bull acabou assassinado. Em 1991 começaria a primeira Guerra do Iraque.

O nome do projecto com Saddam Hussein era Projecto Babilónia, e pouco depois deu origem a um filme sobre a vida de Gerald Bull.
Filme de 1994 sobre Gerald Bull

Projecto HAARP
Hoje em dia fala-se pouco desse projecto HARP e o mais comum é haver referências ao projecto
... as siglas são curiosamente semelhantes, mas este é dedicado à investigação sobre a ionosfera, onde se produzem auroras, e tem sido mantido sob um certo sigilo. Esse sigilo e o intuito real do programa tem despertado uma série de acusações sobre eventual associação a uma série de fenómenos, nomeadamente terramotos (do Haiti, ou do Japão - "Last year I confronted the former Japanese Finance Minister over control of the Japanese Finance System to a group of American and European Oligarchs. He and his envoy told me that because Japan has been threatened by an earthquake machine." - vídeo de Benjamin Fulford). Outras associações dizem respeito a eventuais fenómenos de "ball lightning".

Como em muitos outros casos, o que não se sabe sobre o assunto leva a imensa especulação, sendo que a produção de eventuais ressonâncias na ionosfera não é facilmente relacionável com movimentos na crosta terrestre. Há fenómenos de vibração bem conhecidos, que começam por ser evidenciados na simples vibração de cordas, como numa harpa... e a escolha da sigla não será completamente ocasional, da mesma forma que o duplo "a" pode simplesmente servir para a distinção relativamente ao programa anterior.
Acresce que há ainda a referência a hárpias... as hárpias estão mitologicamente ao serviço de Zeus, por sua vez conectado às manifestações atmosféricas.
As hárpias aparecem na mitologia ligadas à viagem de Jasão pelas paragens do então grande Mar Negro, e faziam cumprir uma punição de Zeus ao Rei Phineas da Trácia, pela revelação de segredos pertencentes apenas aos deuses. Seriam os argonautas de Jasão que o livrariam dessa punição.

A questão principal sobre o HAARP ou similares é mais genérica. Diz respeito à possibilidade de criação de armas que passam por ser efeitos naturais... os governantes saberiam da ameaça, mas a sua concretização dificilmente poderia ser ligada ao executante, porque poderia ainda ser um simples fenómeno atribuível a causas naturais. O ministro não pode dizer à sua população que a inundação ou um sismo foi devido a um outro país... passaria por simples lunático. Por outro lado, a ideia de que estes fenómenos seriam controláveis passaria a responsabilizar a nação que detivesse tal tecnologia, mesmo que estivesse ilibada.
Este tipo de ameaças existe desde que há armas biológicas, que podem espalhar uma doença num determinado ponto, mas que são incontroláveis... o vírus pode sofrer mutações imprevisíveis e vir a afectar o próprio atacante. Da mesma forma quando se joga com outra simulação de fenómeno natural, as suas repercursões podem passar o alvo, e afectar todo o sistema.

O caos, que normalmente é visto como um obstáculo ao controlo humano benigno, tem também esse aspecto de evitar o controlo humano maligno... Porque num mundo completamente ordenado, quem detivesse a ordem controlaria o resto sem aparentes restrições. Digo "sem aparentes" porque a restrição maior, que surge inevitavelmente, mais tarde ou mais cedo, é o confronto com a cópia. Porque um universo que cria uma estrutura, criaria sem problemas uma réplica... se a ideia fosse o inevitável confronto só com vista a uma melhoria infindável.

Aditamentos (23/03/2014)
1. Convém notar que o veículo das notícias que mostram um embuste global é praticamente o oficial, ou seja, o mesmo. Portanto não devemos ser ingénuos e pensar que quem controla a informação por um lado, a deixa escapar pelo mesmo lado. É claro que há sempre imprevistos, mas o desenvolvimento de "teorias da conspiração" foi alimentado pelo mesmo lado que é atacado. Desta forma, sabendo que é uma fraqueza, controla o ataque informativo, definindo os pólos de atenção.
Quando se fala de mapas antigos, vai-se sempre buscar o de Piri Reis... os outros são sempre ignorados. Quando se fala de controlo antigo vão-se buscar os Anunaki, que afinal eram chamados Anedotos.
Portanto há uma mistura de denúncias que fazem sentido com outras que não fazem.

2. Neste caso do Iraque, creio que nunca foi enfatizado este projecto Babilónia, e o canhão HARP seria uma razão popular para justificar uma intervenção americana, juntando a isso as armas químicas ou biológicas. Assim, quando não foi encontrado nada no Iraque não significa que nada tenha sido encontrado. Se foi fácil convencer previamente da existência dessas armas, com o controlo absoluto sobre o Iraque, teria sido igualmente fácil fabricar provas de que havia efectivamente essas armas. No entanto, houve uma clara opção de tornar aquela intervenção como completamente injustificada nesse aspecto. Se pensamos que as notícias foram manipuladas num sentido, não é de estranhar que tenham sido no outro.

3. Tem-se notado uma sucessiva tentativa de despertar uma consciência internacional de que há uma manipulação global. Desde a ocasião do 11 de Setembro de 2001, ele próprio cheio de contradições, que se notou uma inconsistência noticiosa sem precedentes. Isso tem alimentado a questão conspirativa muito para além dos mistérios habituais que eram divulgados anteriormente - Atlântida, Bermudas, Ovnis, etc...
Essa tentativa de despertar consciências tem dois aspectos:
- procura motivar e avaliar a capacidade de percepção e resposta da população ao embuste;
- torna clara a impotência da população para se opor a isso, pelos meios convencionais.
O último aspecto disso é a impotência das democracias alterarem a forma de governação, já que não se nota qualquer diferença no governo pela mudança de governantes. Esta última forma de explicitação é especialmente desmoralizante, porque como é óbvio também não será pelo efeito de manifestações que nada será mudado.

4. Num dos links que o Paulo Cruz acabou de colocar:
http://www.bibliotecapleyades.net/haarp/esp_HAARP_51.htm
acrescenta-se a informação de que o projecto HAARP chegou mesmo a envolver experiências ao nível da Cintura de Van Allen, e conforme ali é informado num relatório de 1998 da União Europeia, os buracos feitos a nível da ionosfera, ou ainda mais alto, podem abrir o escudo defensivo natural que a Terra tem contra a perigosa radiação cósmica. O caso do ozono era só um aspecto muito particular e levou a grandes preocupações à época. Aqui o perigo poderia ser ainda maior... quando se deixa actuar livremente aprendizes de feiticeiro. Daí haver também esta necessidade de tornar público os maiores perigos, por parte de alguns elementos mais conscientes.

terça-feira, 4 de março de 2014

Pontes de Alma

1) Rio Alma. Alma é um pequeno rio da Crimeia.

2) Batalha de Alma
Se o rio parece pequeno de corpo, ficou grande de Alma pela batalha de 20 de Setembro de 1854, que opôs uma aliança de Ingleses, Franceses e Turcos contra os Russos, na célebre Guerra da Crimeia.
Jacques de St Arnaud morrerá alguns dias depois de ter conseguido esta vitória afrancesada sobre os russos.

3) Ponte de l'Alma
Em comemoração da vitória na Crimeia, Napoleão III inaugurou dois anos depois a Ponte de Alma sobre o Sena, em Paris. 
(foto da antiga ponte, circa 1900)

4) Túnel de l'Alma, 31 de Agosto de 1997... (Death of Diana, Princess of Wales conspiracy theories)
 
Harrods de Londres - Monumentos a Diana Spencer e Dodi Al Fayed. 
Praça de l'Alma 
(tocha da liberdade serve de homenagem a Diana)


5) Almas Mortas 
Lembro-me bem do título deste livro de Gogol, que estava na estante, como tantos outros, que ali ficariam sem ser abertos, e ainda hoje não despertarem a menor das curiosidades. 

6) Dead Souls 
A contrario, foi com alguma facilidade que a voz de Ian Curtis fabricou um mito que ainda resiste
Joy Division - Dead Souls

Someone take these dreams away, 
That point me to another day, 
A duel of personalities, 
That stretch all true realities. 

That keep calling me, 
They keep calling me, 
Keep on calling me, 
They keep calling me. 

Where figures from the past stand tall, 
And mocking voices ring the halls. 
Imperialistic house of prayer, 
Conquistadors who took their share. 

7) Napoleon & Rio Alma
A junção dos nomes Napoleão e Rio Alma, não ocorreu apenas numa batalha com milhares de mortos na Crimeia... fortuitamente aparece ligada a uma estátua nas Filipinas.
Magdangal : poema de Rio Alma e escultura de Napoleon Abueva 

8) Alma e Maçã
Pode ler-se na página da wikipedia:
Alma is the Crimean Tatar word for an "apple". 

Tartária, já se sabe, foi um nome que chegou a servir para toda a região siberiana... identificando os territórios desde a Crimeia (chamada "Pequena Tartária") até às paragens mongóis da mítica Cataio, confundida ou não com a China. Tudo isso seria a Grande Tartária, chamado mesmo Império. 
De alguma forma, perdeu-se muito do registo de uma cultura que se equivaleria ao Império Russo, e que foi depois substituído na sua extensão por este mesmo. Quase que ficaram apenas expressões como "molho tártaro", "bife tártaro", etc...

9) Crimeia e Big Apple 
Foi na Crimeia que se realizou a conferência que decidiu o modelo de governação global após a Segunda Guerra, através do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Cada uma das potências vencedoras teria o seu direito de veto na Big Apple, Nova Iorque, sede da ONU. 
O próprio destino dos tártaros da Crimeia ficaria ali decidido, forçado a uma migração para o Uzbequistão, acusados por Estaline de terem apoiado a invasão alemã.
Conferência de Yalta na Crimeia

10) Caronte, Aqueronte, Almas e Tártaros
Aqueronte era um afluente do rio Estige em que o barqueiro Caronte levava as Almas para o Tártaro - o inferno na mitologia grega.
Caronte leva as Almas para o Tártaro.


sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Cataratas à vista

À vista dos que viam um "aquecimento global", aparecem as cataratas.
Neste caso, as Cataratas do Niágara, geladas... segundo a Euronews, pela primeira vez neste milénio, ou seja, desde 2000, altura em que começou a divulgar-se muito a ideia de "aquecimento global".
O frio extremo que se faz sentir nos Estados Unidos e Canadá gelou parte das Cataratas do Niágara. É a primeira vez este milénio que ocorre um fenómeno deste género nesta fronteira natural entre os dois países.
Entretanto já se fala em vórtice polar, designação reservada aos vórtices dos pólos norte e sul... a menos que o pólo norte tenha migrado para os EUA.
A coisa promete conversa, já que há pessoal que, nem com o nariz congelado, deixará de manter a sua tese do "aquecimento global". 
É claro que estes fenómenos são singulares, significam pouco, exactamente como significavam pouco as conclusões anteriores. 
O problema é só a casmurrice, pura casmurrice perante evidências, porque há intuitos diversos, que servem muitos serviços.


Nota (21.12.2019): Os links da Euronews mudaram, as páginas ficaram inactivas, e aqui acompanhei essa mudança.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Planeamentos a milhões de anos

A precipitação da vida moderna levou-nos a um planeamento cada vez mais precipitado relativamente ao previsível futuro. O resultado prático é uma atabalhoada vivência num mundo caótico de referências cada vez mais efémeras. Gera-se um infindável novelo de informações que demorariam séculos a analisar, mas como servem apenas um ou dois objectivos conhecidos, ligados a valores triviais, são malha de arrasto na busca de um certo pescado, vitimando milhões de peixes só pela brutalidade do processo. Qual é o pescado procurado? Pois, esse é o maior drama... os armadores da rede nem sequer sabem o que procuram. Procuram, porque nunca souberam fazer outra coisa, e como subproduto de peixaria, vendem o que apanham. 

Para a maioria das pessoas fazer planos para a semana seguinte começa a ser complicado, e já se vê como perspectiva lírica fazer planos a vários anos. Pela análise objectiva da sua esperança de vida, o maior planeamento que se faz diz respeito à velhice. E portanto, pela condição mortal, uma idealização termina no máximo em planeamento a décadas de distância. 
No entanto, por estranho que pareça, uma significativa parte da população, sendo religiosa, aceita uma eternidade... Bom, e então quais são os planos para esse gozo de eternidade? Silêncio completo...
Decorre da mesma deriva religiosa que haverá tutores para lidar com esse fado interminável. Como qualquer conto infantil, parece ainda terminar com a frase "e viveram felizes para sempre"!
Na perspectiva bíblica, falando de um universo reduzido a menos de 6000 anos, parece haver uma experiência que atingiu apogeus "humanos" em idades pré-diluvianas que chegariam quase 1000 anos, como foi o caso de Adão. Mesmo assim, planeamentos a milhares ou milhões de anos, são basicamente coisa de crianças, quando se trata de pensar numa eternidade.
Ora, para além da evolução tecnológica, a vivência humana parece tornar-se algo repetitiva ao fim de algumas décadas. Há sempre um conjunto de idiotas que faz as mesmas idiotices, parecendo eternas crianças traquinas, entretidas em formatos diferentes das mesmas brincadeiras infantis.
Essas brincadeiras são as mesmas há milhares de anos, e muitas vezes resumem-se à insegurança e vontade de protagonismo da criança embutida no corpo adulto. Uma criança que quer ser centro de atenções, mas que ao mesmo tempo vive apavorada pelo isolamento e por monstros imaginários. 
O eventual papão debaixo da cama passa depois a ser um eventual terrorista na vizinhança. As ameaças nunca acabam, porque é óbvio que o principal monstro que enfrenta é uma espiral de medos embutida na sua cabecinha. 
O principal inimigo é o próprio, na incompreensão que tem de si mesmo. Até que aprenda a viver consigo, nunca conseguirá viver com outros. Se for um crápula, concebe implicitamente que possa trocar de papéis, e teme ser vítima do despotismo que impõe aos outros. Se não for ele que controla, questionará o controlo por outrém, a bem da equidade. A equidade só lhe interessa quando é descriminado, e normalmente é remetida contra quem tem mais e não a favor de quem tem menos. Os refúgios habituais da criança são o clube de amigos, ou a figura de pai compreensivo. O pai compreensivo, ou a mãe protectora, passam à figuração divina, ou ainda à simples figura do apadrinhanço profissional. Tendo segurança e equidade, questionará a liberdade, que afinal o condiciona a respeitar segurança e equidade. Até que cresça para entender a contradição que encerra na cabeça, será um elefante numa loja de porcelana.
Portanto, a esmagadora maioria dos adultos são efectivas crianças que nunca reflectiram, que procuram uma realização condicionando os outros aos seus medos e desejos, evitando o confronto com o outro "eu", que sempre os condicionará pelo outro lado do espelho.
Bom, e o que faz um adulto num mundo de crianças? Espera que cresçam, com a paciência de quem sabe que o tempo não se acaba amanhã, nem daqui a um milhão de anos.
Talking Heads - Heaven.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Verdade ou Consequência

O chamado "verdade ou consequência" era um dos jogos mais parvos que se jogava na infância/ adolescência. Não creio que se possa considerar um jogo popular... as suas origens parecem remontar ao princípio do Séc. XVIII, enquadrando-se bem num certo treino de mentalidade cortesã doentia, onde se exercitava o espírito de grupo, ou melhor, de matilha.
Afinal, procurava-se ou a exposição de uma verdade embaraçosa ou o embaraço de uma actividade compensatória, tomando-se como equivalentes. Servia como uma espécie de treino para um mundo perverso sem alternativas agradáveis... O eventual interesse só resultaria de grande cumplicidade entre os promotores, ou remetendo para alvo de ridículo os novos convidados, externos ao grupo de interesse. Todas estas características são típicas de uma corte mordaz, cujo objecto é a própria corte, o galanteio, a sedução com os mais diversos atractivos fugazes.
Picasso - bacanal... por estranho que pareça, os quadros ilustrativos de festas, 
remetem normalmente para os devaneios mitológicos de Baco.

A burguesia dos Séc. XIX e XX, sendo seduzida pelo fausto aristocrata faria facilmente o papel ridículo de novos convidados, acabando por transmitir cedo aos seus petizes as perversidades que iriam experimentar... por sua vez, estes petizes, por via destes jogos, acabaram por difundir o processo à restante população.
Bom, mas este texto não é sobre as frustrações duma burguesia que julgou poder ser feliz com devaneios hedonistas dependentes dum privar privado. Afinal, o seu maior fascínio - o isolamento parcial (o grupo privado, no sentido elitista), esbarraria com o maior temor - o isolamento total (a rejeição por esse grupo). Tal como no jogo dos petizes, as mecânicas de grupo decidiriam entre o gozar e o ser gozado.

Este texto é sobre a verdade que pode haver na "consequência".

O encadeamento de factos, no sentido causa-efeito, é uma visão do observador limitado, circunscrito pela dimensão temporal. É um problema de modelação animal, já que uma previsão adequada actua no sentido de salvaguarda da sobrevivência - o animal melhor capaz de antecipar acontecimentos, mais probabilidade terá de os aproveitar em seu favor. As frases normalmente terminam aqui. É suposto entender-se o que é "em seu favor"... porém, raramente o próprio questiona os seus interesses. Habituou-se a saber quais são, e não indaga a origem, porque são esses, ou se fazem sentido.
Se o sujeito considerar que são os seus ímpetos irracionais, nem adianta procurar a origem - voga simplesmente num caos que não quer compreender. Se considerar que são os seus desejos racionais, tem que lhes procurar origem e fundamento... algo a que não basta o diz-que-disse dos outros. Aí está sujeito ao mesmo fado que qualquer desgraçado isolado. Não se estando a bater contra ninguém, a posição alheia é praticamente irrelevante, e só é interessante quando concorre na resolução do problema.

Os deuses eram crianças... A inimputabilidade de actos gera irresponsabilidade e inconsequência. Na mitologia greco-romana para evitar a constatação dessa acção inconsequente, mesmo Zeus sofria agruras em resultado das suas decisões. O Olimpo só não era uma brincadeira pouco digna de relevo, porque se introduziram limitações e imputabilidade aos deuses pelas suas acções. Sem essa penalização, a figura dos deuses pareceria a de crianças... e mesmo assim pouco se livravam duma imagem adolescente.

Sem a iminência de contrariedades, sem desconhecimento, o que nos motivaria à reflexão, ao pensamento profundo? O nosso carácter circunspecto, adulto, provém de um medo de consequências. A nossa responsabilidade resulta de uma associação entre as nossas acções e o seu eventual resultado. Essa responsabilidade será tanto maior quanto mais considerarmos que influenciamos o mundo que nos rodeia. Se a certa altura cada acto nosso pesasse de sobremaneira nesse contexto, tanto mais tomaríamos cuidado com todos os detalhes, tornando a vivência num fardo incomportável. Só a inimputabilidade compensa o acréscimo de responsabilidade... e por isso quanto maior é a potência responsável, mais tenta cuidar de ser inimputável. É nessa fase que começa a ser inconsequente, irresponsável, já que o resultado dos actos não parece pesar sobre si. Porém, uma coisa são as dimensões que antevemos, outras são as que nos escapam... e por isso a potência nunca parece ser suficientemente grande para garantir a inimputabilidade, bastando para isso haver o mais pequeno ser que escapa ao controlo total.

Todas estas noções caem na relação causa-efeito. Todas estas noções resultam de uma vivência do tempo como uma entidade ambígua, que permite previsibilidade nalguns actos, mas não deixa de trazer uma associada imprevisibilidade. A previsibilidade deu-nos um pensamento não caótico, e a imprevisibilidade deu-nos um pensamento interminável... a ausência de ambos os aspectos remeteria à loucura.

Qual foi a causa da fama de Hércules, senão o efeito que ela teve?
Perante trabalhos em que improvavelmente sobreviveria, a sua sobrevivência com sucesso ditou o registo.
Por isso, quando Héracles é elevado ao panteão de divindade, é pela improbabilidade do feito, como se o universo tivesse decidido o resultado antes dele acontecer. Isso só é atestado após os acontecimentos, é um privilégio decorativo dos poetas, pois os escritos não se sujeitam à ordem temporal.
O herói era antes de o ser, porque afinal era filho de Zeus... mas a paternidade divina só foi atestada após a vivência humana singular. Antes disso seria visto como um igual pelos outros.

Há associações entre acontecimentos que são convenientes, pois ao aproveitarem a ordem no mundo não-caótico servem a vivência futura pela previsão, e disso é feita a ciência. Bebendo no passado podemos prever uma parte do futuro... mas apenas uma parte dele. Sobre o imprevisível parece que nada se poderia dizer, mas não é assim - podemos compreender o imprevisível sem o prever. A previsão seria logicamente impossível, por definição, mas a compreensão não conhece limitação... e é pelo menos fácil compreender que o imprevisível nos é necessário.

A consequência vai mais além do que a ordem temporal vivenciada. Não é apenas um produto do passado, é um produto do conjunto - passado e futuro, que se revela no presente. Esse é um nexo que vai para além dos tempos, determina e revela a própria noção de tempo. Por isso, a verdade não é um assunto do passado, é também um assunto do futuro... e é essa verdade futura que faz surgir o passado como consequência. Do ponto de vista do pensador, há um tempo de raciocínio que é independente do tempo presenciado e a consequência é uma noção do passado para o futuro, na compreensão. Porém, libertando-se desse aspecto da compreensão do observador, a consequência não está presa a nenhuma ordem temporal. A existência de um passado que justifique o presente é um nexo necessário à própria existência, sob pena dela se manifestar como infundada pelo pensamento que a contempla. E é esse nexo de existência que remete o futuro como causa do passado. O passado não é suficiente para o nexo existencial, já que o passado poderia remeter para qualquer existência, ou até para a não-existência absoluta. Só depois de se cumprir no futuro completo é que a consciência despertou e renasceu para se contemplar, podendo então ver o futuro como um passado inconsciente. 

terça-feira, 30 de julho de 2013

Propaganda

Poucos meses antes de morrer, Edgar Allan Poe, um ícone da literatura americana, publicou um dos seus poemas mais conhecidos:

Dream within a dream (Edgar Allan Poe, 1849)
Take this kiss upon the brow!
And, in parting from you now,
Thus much let me avow
- You are not wrong, who deem
That my days have been a dream;
Yet if hope has flown away
In a night, or in a day,
In a vision, or in none,
Is it therefore the less gone?
All that we see or seem
Is but a dream within a dream.

I stand amid the roar
Of a surf-tormented shore,
And I hold within my hand
Grains of the golden sand
- How few! yet how they creep
Through my fingers to the deep,
While I weep- while I weep!
O God! can I not grasp
Them with a tighter clasp?
O God! can I not save
One from the pitiless wave?
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?
Este poema foi incluído numa canção dos Propaganda - uma banda alemã dos anos 80
Propaganda - Dream within a dream 

... e o tema de "sonhos dentro de sonhos" foi explorado no filme "Inception" ("A Origem") de Christopher Nolan, lançado há três anos, em 2010. 

A tradução para português de "inception" como "origem" parece estranha, mas a própria palavra inglesa teria um significado desligado de memórias, conforme se verifica neste dicionário, e tem de facto etimologia latina que liga a "origem", ou o que seria mais apropriado "começo" ou "iniciação". 
A ligação da palavra "inception" ao implante de memórias teve origem no filme de Nolan (talvez fizesse parte de alguma "iniciação" do realizador noutras "andanças").

Tal como as memórias no filme, o termo "implantou-se", e hoje é usado em ciência... conforme se pode ver na mais recente pesquisa de Tonegawa (Nobel de Medicina, 1987):

(artigo na semana passada no Guardian, e no Público)

Talvez a primeira falsa memória em humanos seja a própria palavra "incepção"... pois dentro de alguns anos ninguém suspeitará que o termo nem sequer se aplicava a memórias, e só os mais curiosos encontrarão a "origem" da etimologia. Há "malta" que gosta de fazer piadas de puro malte connosco...

Adiante... o que liga estes temas? 
Várias coisas, apesar de um aparecer num poema do Séc. XIX, recuperado numa canção dos anos 80, outro num filme de há 3 anos, e outro numa investigação científica publicada na semana passada.
A principal razão para escrever este texto são os "Propaganda" - a canção... que ainda gosto de ouvir repetidamente, nada mais diz que o poema, e o poema também será algo ambíguo no seu propósito.

O poema de Edgar Allan Poe surge no contexto da filosofia idealista alemã e o tema da "realidade dos sonhos", ou "da realidade ser um sonho", foi algo que teve a sua repiscagem filosófica nessa época, mas que remete aos primevos pensadores gregos ou à tradição asceta indiana. 
Falar-se em "sonho dentro do sonho", em vez de "sonho", seria uma eventual novidade no poema de Poe... e no filme de Nolan vai chegar-se ao ponto de encadear mais uns níveis de "sonhos dentro de sonhos". 
Quem já teve a experiência de se beliscar num sonho, para acordar, e ao acordar continuar afinal a sonhar? Já me aconteceu, e isso não tem especial importância, mostra apenas como a nossa noção de realidade se adapta apenas ao presente, à percepção e classificação de memórias no presente.

Porém, há um ponto importantíssimo, e que não quero deixar de mencionar, sob pena de me esquecer de fazê-lo noutra ocasião... Todo o contexto pode ser modificado, e sendo colocados perante uma poderosa ilusão, há algo que não muda - as nossas convicções mais profundas. Quando bem cimentadas no "ser" têm a força de recusar e eclipsar todo um cenário inconsistente, remetendo-o a uma memória de um sonho. Existimos num contexto porque aceitamos a sua lógica, o resto é uma luta entre a lógica que temos e uma "lógica externa" que se quer impor, condicionando tudo o que nos rodeia. Se a nossa lógica tiver uma determinação e fundamentação irrevogável, tudo o resto colapsa, como um castelo de cartas... (aqui aparecem aqueles avisos "... não tente isto em casa!"). 
Porque, quando foi aberta a "Caixa de Pandora", o gigantesco caos ficou sempre a um pequeno passo de se impor, e o passado e o futuro mostrarão que só a resolução e determinação permitiram o delinear da única ordem possível, em que existissem seres não triviais. A única coisa que obsta a que um caos faça sentido é uma mente que o recuse consistentemente... Afinal, mentes que aceitassem ilusões e fabricações convidariam à entrada de cenários e realidades alternativas, que apenas teriam rumado a um caos perdido numa possibilidade inconsistente. Se Gaia exigiu a sua manifestação, digamos que Úrano viu-se obrigado a enquadrar essa manifestação na única malha (ou Maia) retorcida que aceitaria uma lógica universal consistente. Sendo isto alegórico, é também literal. Num romance queirosiano, isto corresponderia a uma família em que o avô educou a neta de forma a que um seu bisneto fosse um referencial de estabilidade no meio da disfuncionalidade familiar... mas com uma adição ao estilo de Poe, o espírito do avô tentaria ocupar o lugar do bisneto, e falharia na tentativa, porque afinal o seu sucesso educativo eliminaria o espaço possível para aberrações - digamos, uma vingança da avó!

No filme "Inception", para além da questão de "sonhos dentro de sonhos", aparece a questão de implantação de "falsas" memórias. Nesse filme abusa-se do significado de "sonho", porque se os personagens sabem que estão dentro de uma realidade fictícia, então não é um sonho. Num sonho vulgar, se a pessoa se apercebe que está a sonhar é porque acordou... Por outro lado, a ideia de sonho partilhado por várias pessoas (através de um "transpod") é algo que remete mais para uma ficção de realidade virtual. Assim, a única coisa que liga o filme aos sonhos é a forma de produzir a realidade virtual, que não é tecnológica, resulta de domínio cerebral do sonho. Alternativamente encontramos o filme "eXistenZ" de Cronenberg, que explorava um enredo similar, mas no contexto de percepção alterada por "vídeo-jogos futuristas":

Bom, é no contexto semi-científico, que liga a fabricação de sonhos ao cérebro, que se visou o implante de falsas "memórias" em ratinhos. Coloco "memória" entre aspas, porque afinal se Tonegawa mostrou alguma coisa, foi uma associação de estímulos. Como se alguém que tivesse um fígado susceptível a sumo de laranja, seria natural que a mesma reacção se verificasse no transplantado... ainda que o novo dono não soubesse dessa susceptibilidade. Assim, o cérebro dos ratinhos sujeitos a um estímulo de neurónios que ligava a um choque eléctrico é natural que tivesse processado a mesma reacção imediata.
Daí até falar-se em "memórias"... vai aquele passo que dá muito jeito para financiamento de projectos e investigação, muito jeito para o prestígio do cientista, mas que tem menos a ver com ciência. Aliás, "reacções imediatas" nada têm a ver com memórias, são simples estímulos directos, mecânicos, tal como o braço recolhe perante uma chapa quente... nem sequer será o mesmo do que uma reacção pavloviana.

Podemos falar dos limites éticos, quer na utilização de animais para experiências aberrantes, quer no propósito de estudar a implantação de memórias em cérebros animais... sabe-se lá com que propósito futuro!
A Caixa de Pandora está aberta e convidam-se os gatos a este tipo de curiosidades. Curiosamente, os próprios cientistas comportam-se aqui como gatinhos facilmente manipuláveis com os estímulos do reconhecimento e prestígio comunitário. Para isso basta uma máquina poderosa, a que se chamou "Propaganda", essa sim uma verdadeira máquina implantadora de associações que visa "brincar" com a nossa memória e raciocínio:
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P-Machinery - Propaganda

Motor - power - force - motion - drive - motor - force - motion - drive 
Motor - force - motion - drive - power - force - motion - drive 
- Propaganda -
On joyless lanes we walk in lines - a calm but steady flow.
Accompanied by loud commands - our strength is running low.
Another hope feeds another dream - another truth - installed by the machine.
A secret wish - the marrying of lies. Today comes true what common sense denies.
Rotating wheels are destiny - in flame the city lies.
Machines call out for followers far out into the night. The calls of the machines drowning in the steam.
Another hope feeds another dream - another truth - installed by the machine.
A secret wish - the marrying of lies. Today comes true what common sense denies.
The calls of the machines drowning in the steam.
On joyless lanes we walk in lines - a calm but steady flow. Our strength is running low.
Another hope - another dream - another truth - installed by the machine 
- installed by the machine.

Quando Orwell lança a data 1984 para a implantação de um mundo distópico, estaria a referir-se a uma vitória do sistema soviético? 
A Apple é lançada em 1984, e Steve Jobs vê-se na obrigação de esclarecer que o propósito da companhia seria contra o mundo distópico centralizador de informação... e, no entanto, a Apple distinguiu-se da Microsoft por pretender centralizar a produção de conteúdos.
No início dos anos 80 assiste-se a uma "explosão musical", que deixou marcas para essa geração... as músicas eram apelativas, e quanto às letras? Que mensagens procuravam passar?
Seria inocente o tema True dos "Spandau Ballet", quando o ballet que se passava na Prisão de Spandau era ter apenas um prisioneiro, Rudolf Hess, incomunicável, o nazi que tentara negociar a paz em 1941... Acresce a polémica que Bernard Sumner dos "New Order", teria afirmado "You all forgot Rudolf Hess", quando acusaram a banda de promover o nazismo... 
Isto serve apenas para referir que, no meio musical não imperava apenas o diletantismo, e que houve uma tentativa de passar mensagens para a geração mais nova.

Que "casamento de mentiras" invocavam aqui os Propaganda, numa altura em que Gorbashov iniciaria a ascenção que o levaria a introduzir a Perestroika e a queda do muro? Que "máquinas" instalariam uma nova esperança, um novo sonho, uma nova verdade... afinal não sucederia à PeresTroika uma Troika que se iria impor na nova ordem europeia, arrumada a questão da queda do Muro de Berlim?
Afinal, a ordem para soltar os "monstros financeiros" deu-se exactamente no início dos anos 80, por Thatcher e Reagan, fazendo florescer os "yuppies" da finança (designação por contraponto aos "hippies"). Esse mundo da finança foi desregulado com o objectivo de criar desequilíbrios económicos profundos, que levaram ao colapso das transacções da URSS. Só que os "monstros financeiros" continuaram soltos depois disso, como bem sabemos... e tomaram conta descaradamente das máquinas dos Estados soberanos.
Se na altura destas músicas dos "Propaganda" antever uma sociedade distópica, em que o poder estaria centralizado em poucos, e em que os cidadãos formariam filas impotentemente, corresponderia ver uma vitória do sistema comunista, o "casamento de mentiras" tinha uma ideia diferente.
A implantação de memórias e vontades seria orquestrada pela propaganda, a vitória do sistema distópico seria feita pela capitalismo e não pelo comunismo... porque num caso os dirigentes ficam invisíveis, enquanto que no outro caso eram facilmente identificáveis.
Tudo foi preparado para a queda do muro em 1989, e os esbirros dos pentagramas contavam com algo que não veio a suceder... porque eles têm a agenda marcada, que cumprem escrupulosamente, mas esquecem que está desactualizada, porque o "observador" que habita as suas mentes dedicadas não pode sair... devido a compromissos com a consistência da realidade, que não conseguiu ultrapassar.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Eva, Evo e Ovo (1)

Começamos com um interessante gráfico com a árvore de evolução filogenética :
Árvore evolucionária ou filogenética - com datações por registo fóssil (L. Eisenberg, 2008, daqui)

Há uma grande diferença entre evolução e a teoria darwinista (de selecção natural) que se desenvolveu.
Para efeitos da evolução animal humana nem precisamos de registos fósseis, ela torna-se praticamente evidente no traço comum do desenvolvimento embrionário, começando pelo ovo, pela mórula, blástula e gástrula, comuns a todos os animais, e que depois mantém algumas semelhanças visíveis mesmo em fases posteriores:
Comparação do desenvolvimento embrionário 
(peixe, salamandra, tartaruga, pinto, coelho, homem)  [daqui]

A evolução está presente desde a junção do ovo no útero materno, na sequência de divisões celulares que formam o embrião. A recuperação de fósseis, e as árvores evolucionárias, ou o mais recente projecto de sequenciação do genoma, apenas confirmam um aparente percurso semelhante entre o homem e restantes espécies animais. A parte genética vai mais longe, colocando ancestralidade numa mesma célula eucariota, ou ligando até todos os organismos vivos a uma bactéria primeva (LUA - last universal ancestor).

"Evo" prefixo de "evolução" remete-nos a uma primordial "Eva"... uma vez ateado o fogo da vida, num primevo organismo, a chama não mais parou a propagação, recordando no ovo a sua forma ancestral.
O Ovo reflecte uma ancestral célula Eva, foco da chama propagada por Evo... isto é, pela evolução.

O texto poderia agora complicar-se em múltiplas direcções.
Primeira... em que célula está o organismo?
Podemos tentar seguir a célula que se irá dividir para formar o cérebro, mas a questão é que o próprio cérebro não será mais que um aglomerado de células individualizadas, por exemplo neurónios. Para além disso, sabemos que muitos neurónios, e restantes células podem desaparecer por completo e isso não afectará a individualidade do organismo superior.
Analise-se o que acabamos de dizer... "organismo superior". Há um paradigma complicado aqui.
Individualmente cada célula não faz a mais pálida ideia do que é esse organismo superior.
O organismo superior define-se pela comunicação e interacção das células individuais, mas cada uma delas "não saberá" como contribui para a estrutura superior.

Já usei aqui uma comparação com a estrutura de um corpo social. Uma sociedade pode ser vista como uma estrutura em que cada indivíduo é uma célula. Os nomes acabam por revelar essa influência... fala-se em corpos sociais, órgãos de gestão, como se fosse uma réplica de funcionamento de um organismo vivo. Porém, se isso poderia fazer algum sentido, não é o habitual, pois a individualidade sobrepõe-se à ideia de corpo. Assim, o funcionamento do corpo social tende a ser uma ramificação de poderes individuais.
Curiosamente, se há uma leitura do conjunto, mais uma vez ela parece escapar aos indivíduos, entretidos nas suas interacções com objectivos particulares...

Passarei a algo mais genérico, e de consequências muito mais profundas:
- Numa estrutura não estão no mesmo nível os nodos e as suas ligações.
Ou mais intuitivamente, uma coisa são os pilares, outra coisa é a ponte que se forma entre eles.
Pode argumentar-se que as ligações não existem sem os nodos, ou que a ponte não tem sustentação sem os pilares... mas é um profundo erro "materialista"!

Os organismos complexos resultam da interacção de muitos biliões de células, e algumas das formas de vida nem se considera que pertencem ao próprio - caso das bactérias na flora intestinal.
Grande parte da análise científica reduz todos os animais a potenciais montes-de-esterco, pois nada mais restaria do que uma massa fertilizante, alimento para nova vida.
Porém, o organismo complexo é muito mais do que a soma da acção das células, resulta das pontes que se estabelecem entre elas... o que está num nível diferente do individualismo celular.

Por outro lado, os indivíduos têm as suas ambições isoladas, mas ao longo dos tempos emerge a tal evolução que negligencia os indivíduos privilegiando a informação genética propagada pela espécie. Tal como as células se ligam para formar corpos, pela morte programada dos próprios corpos pouco parece mais interessar do que a simples informação genética, transportada pelas "sementes". O grande mastodonte, o belo pavão, ou o esperto macaco, não passariam afinais de variações de DNA, ou ainda, guardar-se-iam apenas em grandes números codificados em base 4 (A, C, G, T).

O indivíduo não está em nenhuma célula isolada... apesar de resultar de divisões sucessivas, perdeu-se a ideia de "célula original"... não há nenhuma "célula rainha"! As células têm diferenças, funções diferentes, mas trabalham na lógica do mesmo organismo. No final da formação do embrião, as divisões levam umas para os pés, outras para a cabeça, mas carregam o mesmo material genético.
Por isso, ao contrário da comparação que se pretendeu fazer com os corpos sociais, não se sente nenhuma individualização, para uma célula ser rainha, ou para umas tantas serem mais nobres que outras.
Naturalmente cada uma assume o seu papel dentro do organismo, e se há rebelião celular, trata-se de uma manifestação cancerígena... curiosamente de células que, parecendo ser individualmente imortais, vão replicar-se sem limites invadindo a estrutura original. Acabam por morrer por colapso da estrutura que invadiram na lógica do interesse da célula individual, que é cega relativamente ao organismo conjunto. A sua aparente imortalidade é afinal uma morte precipitada pela ausência de cognição da célula individual para além de si mesma. Quando se dá a vitória dessa lógica individual no organismo, dá-se imediatamente a sua derrota, pela falência da própria estrutura.

Como disse, este tema poderia seguir múltiplas direcções... se escrevesse sem restrições, acho que tão depressa não pararia, tantos seriam os pontos importantes. Para já, invoco apenas mais uma direcção.

Segunda...  que ligações há entre as células?
Conforme vemos os organismos, as células ligam-se fisicamente umas às outras, por proximidade espacial... mas não só! As células de diferentes organismos nem sempre são benvindas, como ocorre em problemas imunitários resultantes dos transplantes. Aliás, as células mais selectas em termos de recusa de "colagens externas" serão as células da pele (os transplantes de pele usam-se até que a outra seja rejeitada).
Porém, esse é apenas um mecanismo de ligação.
Nesta lógica de corpo, as células têm um sucesso individual limitado, o que interessa será o conjunto.
Esta ideia passou para animais que usam estruturas sociais, como o caso das abelhas.
Ao que parece há vários elementos do DNA das abelhas que mostram mais semelhanças com vertebrados (mamíferos, humanos) do que com insectos... talvez reflectindo o aspecto socializante da espécie.
A lógica das obreiras trabalharem para a preservação do DNA da rainha foi uma filosofia aristocrata humana, tipicamente medieval. Do ponto de vista puramente animal é algo que faz sentido... se a ideia é preservar o código genético, e o povo se revê geneticamente no líder, então trata-se de uma forma de eugenia.

Porém, é preciso ser objectivo no que está em questão... o sucesso das espécies acabou por reflectir uma adequação entre a acção-cognição dos indivíduos num certo contexto. Se havia um jogo, quem ditava uma boa parte das regras era a própria Terra, pelas circunstâncias particulares do planeta. Uma outra grande parte seria ditada pela imensidão de pequenos organismos capazes de afectar o planeta a nível global... as bactérias (incluindo as arquéias) e até os vírus.
Estarão estes micro-organismos descoordenados? Afinal, se houve bactérias que passaram a células e se organizaram em corpos enormes, outras houve que mantiveram a velha tradição unicelular. Apesar dos muitos antibióticos, as bactérias são metade da massa de vida terrestre, e 25 vezes superior à massa dos animais... sendo usadas pelos próprios animais na sua flora intestinal.
Não se pode falar em descoordenação, porque até o seu ritmo de reprodução tem alguma auto-regulação... sob pena de invadirem em pouco tempo todo o espaço terrestre, sendo diversificadas na forma de obter energia, usando directamente a luz nalguns casos (halobactérias). Ou seja, se houver uma coordenação menos previsível de bactérias, estas podem alterar as condições de vida no planeta em pouco tempo, até pelo papel que desempenham em ciclos do oxigénio, nitrogénio ou carbono. Aliás, as próprias mitocôndrias, fonte de energia em todas as células animais, podem ser vistas como "bactérias domesticadas" que controlam a própria longevidade celular.
Por isso, não será de negligenciar uma massa de vida que é metade da existente... e que mantém o ciclo da vida nalgum equilíbrio programado, que vai para além do interesse individual do próprio organismo.

No processo evolutivo que levou à constituição de organismos complexos cuja cognição se ajustou a diversas condicionantes, inclusivamente à competição entre si. Portanto a cognição evoluiu não apenas para a adequação aos processos físicos básicos... Nessa primeira fase a sobrevivência não envolveria a ameaça de outros organismos. Os animais serão os primeiros a desenvolver a capacidade de aniquilar os competidores, numa segunda fase, desenvolvendo um sistema cognitivo neuronal. Mesmo assim os animais reduziriam essa competição contra os diferentes, de outra espécie. A terceira fase, mais letal, ocorrerá com os humanos, elevando a fasquia, ao ponto se aniquilarem uns aos outros, dentro da mesma espécie.
Bom, e do ponto de vista cognitivo, o que exigiria isto?
- Nada mais, nada menos, do que se verem a si próprios como inimigos.
A cognição passava para a fasquia seguinte - exigia uma reflexão, um ver no semelhante o próprio inimigo, e ao mesmo tempo exigiria o compreender-se a si próprio.
Portanto há um claro nexo nestas três fases:
(i) Seres vivos que se alimentam de nutrientes - a cognição será mais uma programação genética, visando interagir e entender os processos físicos. Não exigia entenderem outros seres vivos.
(ii) Animais - alimentam-se de seres vivos de outras espécies - a cognição evolui contra outras cognições+acções de outras espécies. Precisam de entender outros seres vivos, matando-os para sobrevivência, mas foi evitada a aniquilação dentro da própria espécie.
(iii) Humanos - a cognição teve que evoluir ainda mais, já que o mais bem sucedido entre os animais passaria a ter inimigos letais agora dentro da sua própria espécie... o humano era inimigo de si próprio, o humano tinha que se conhecer a si próprio, para conhecer os seus semelhantes.

Isto tem o aspecto dramático de ser a própria violência humana contra os semelhantes que vai despoletar a sua inteligência, porque a necessidade de modelar o comportamento de outros humanos implicaria pensar naquilo que o outro iria fazer na sua situação. Obrigaria a olhar-se a si mesmo, para poder prever a acção dos outros que o ameaçavam.

Bom, dir-se-ia que falta uma quarta fase, uma vez completado o olhar em si mesmo... ou seja, o olhar acima de si, olhar o desconhecido - ver para além dos seus olhos, ver um universo para além do que lhe é literalmente apresentado. Isso corresponde a desenvolver nova percepção... porque se há novo teste, ele será claro - o desconhecido. A imprevisibilidade apresenta-se sem se apresentar, e tem que ser detectada nas entrelinhas, e resolvida, antes que comprometa a sobrevivência dos próprios... isto é claro, se resistirem a não se auto-aniquilarem.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Bear the Bill

"Bear the Bill" aparece aqui no sentido "aguenta a conta".
"Bill the Bear" podia significar "cobra ao urso", em que cobra serpenteia por vários significados, poderia ser um urso de nome Bill, ou simplesmente para invocar um som semelhante a Bilderberg.

Raramente dou destaque de importância aos personagens das estorietas actuais. Confundem-se e parecem-se demasiado com pessoas, para serem apenas tratados como personagens. 
Acho que nunca aqui falei dos chamados encontros do Bilderberg Group, nem de outras coisas parecidas. 
Parece que também se chama Bilderberg Conference, mas afinal há também o 

Build-a-bear Workshop, e ao estilo farmville há até uma cidade Bearville:

Depois, as crianças brincam, fazem cidades, controlam populações, habitantes, etc... mas não há que ter problemas de consciência, porque tratam-se apenas de ursos, ainda por cima virtuais. 
Ou será que não? 
Será que as crianças que no jogo controlam aquelas populações mudariam de atitude sabendo que se tratavam de pessoas? O que prevaleceria - a vontade de vencer o jogo, ou o sentido moral? 
Haverá sentido moral, quando as crianças apenas já vêem ursos virtuais, que se comportam como previsto nas regras, e quando foram educadas para ganhar jogos?

Grande parte da nossa atenção é dirigida a outras pessoas, directa ou indirectamente. Distinguimos naturalmente a atenção consoante a importância que essa pessoa tem para nós. O processo de definir a importância é curioso. No trabalho as pessoas são muitas vezes colegas ou clientes/fornecedores, que não são o foco da nossa atenção, a importância é focada em amigos e família. Desde cedo formamos esse conceito de "clube", e consoante a disposição do próprio admitimos, com maior ou menor facilidade, "novos membros" para o nosso clube restrito de pessoas a que damos importância.
As "redes sociais" vieram contaminar a noção de "amigo" de forma curiosa. Por um lado houve quem tomasse a sério a questão da popularidade, como uma medida de ser importante para os outros, por outro lado esquece a reciprocidade... ou seja, que a dispersão de atenção por muitos, equivale praticamente a pouca ou nenhuma atenção em particular.
Há uma espécie de sedução de fama que, em números que passam vários milhares, tem apenas um sentido - pede a atenção de muitos, e em troca oferece apenas uma resposta comum. Essa resposta comum é normalmente a associação de uma pessoa ao seu trabalho. Não é o trabalho da caixa do supermercado que, apesar de lidar com milhares de pessoas, não tem um trabalho a que seja dada relevância.
A fama da pessoa pode ser perfeitamente dissociada da fama do trabalho, sendo vários os casos em que os autores originais tiveram um papel secundário face aos intérpretes que ficaram famosos.
Como é óbvio, a fama não altera significativamente a importância que o próprio dá aos outros... essa continua a residir num número razoavelmente reduzido de pessoas que lhe interessam. Porém, cria um pequeno monstro dentro de si... a imagem de uma massa indistinta de pessoas que lhe dão importância. No caso de artistas, será o conjunto de fãs, em políticos será o conjunto de eleitores, etc...
Como na prática se torna impossível conhecer pessoalmente o grande número de indivíduos, há uma imagem manipulável do que os outros esperam de si, um "boneco". Por isso, sempre que o trabalho não é dissociado do autor, torna-se manipulável por ideias induzidas, que pretendem uma ligação indissociável entre autor e trabalho, transformando-o num actor. O actor pensa "isto não é o que esperam de mim", o fã pensa "isto não é o que esperava dele"... estão criados "bonecos" que são projecções de expectativas, e que tomam vida própria.

Cedo, através da escola e família, as crianças acabam por definir o seu grupo de importância. A escola é mais imprevisível e presente, acabando por merecer mais a sua atenção. Se as acções familiares se reduzirem ao trivial (seja o apoio incondicional, ou o alheamento total), a criança acabará por se focar cada vez mais na componente escolar. Na componente escolar pode assumir maior importância a relação entre os colegas do que a matéria leccionada. Mais uma vez tendem-se a formar clubes de amizades, onde a popularidade pode ser determinante. No grupo de amigos a sua importância é reconhecida no presente, enquanto que a matéria escolar remete para um futuro algo distante, para relações profissionais que mal antevê. A situação só tende a mudar mais quando o futuro profissional se aproxima, quando se definirá como adulto autónomo, ou quando cedo a criança inicia um processo de independência.
Ora, esse processo de independência, a antevisão de adulto, assume um entendimento próprio do mundo, um traçar de caminho, que será mais ou menos flutuante com as imprevisibilidades. Haverá uns que se definem para um percurso específico, outros que se preparam para qualquer percurso. Os primeiros confiam na antevisão, e sentem-se a ruir quando essa antevisão falha, os outros solidificam-se internamente, mas muitas vezes limitam-se a formar uma bóia que flutua sem destino traçado.
A limitação da vida cobra as opções. A incerteza perante a morte levará na velhice a questionar a importância do que considerou antes como importante. Nessa fase final, é normal adoptar a mesma postura da criança. Cercar-se do efémero presente para esquecer a perspectiva incógnita do seu futuro, ou adoptar um percurso específico fazendo fé num determinado fim em que decidiu acreditar. Mais raros são aqueles que se tentam solidificar internamente, procurando formar uma bóia para quaisquer novos mares desconhecidos, e se possível levando no seu raciocínio alguns instrumentos de navegação.

A pergunta sobre o significado da existência é uma pergunta transversal. Não diz respeito a ninguém em particular, e por extensão é uma pergunta que se coloca ao próprio universo. Para a resposta universal, cada um de nós é uma própria simulação de um universo em si. Tal como o próprio universo poderia questionar o seu término, a redução do universo a nada. Essas questões são colocadas em nós, como reflexo de questões que nos transcendem... e porém, temos todos os elementos que permitem chegar às conclusões. Umas respostas mais simples que outras, umas são conclusões individuais transversais, outras serão conclusões que requerem uma colaboração colectiva, indefinida, intemporal... mas é preciso crescer!


Tiny Children (Teardrop Explodes, 1982)

Half the time 
As I sit in disarray
I am thinking of a dream I never had
Then I awake and for a while
I call your name in Callings house
But tiny children have a way of falling down

Oh I could make a meal
Of that wonderful dispair I feel
But waking up I turn and face the wall

The car arrives
And takes me back again
Drifting through imaginary blaze
And fighting men, a border raft
A sailing ship has run aground
And confidence is valued in these days

But each character 
Is plundering my home
And taking everything that is my own

Oh no, I'm not sure about
Those things that I cared about
Oh no, I'm not sure
Not anymore


sábado, 15 de junho de 2013

Bisnau

Já tinha abordado a questão da Santa Cláusula e a possível ligação de São Nicolau à Cláusula da Trindade Cristã, pela sua oposição às teses Arianas (de Arius de Alexandria).  Esta Santa Clause defendia justamente uma identificação cristã Pai-Filho, ou seja que o nascimento cristão seria do Filho mas também, pela identificação, do Pai, ou seja um Pai Natal.

Em paragens arianas, na Índia, encontramos um outro elemento interessante.
Há uma filosofia religiosa fundada em 1485, conhecida como Bisnau, fundada pelo guru Jambheshwar, após as guerras dos muçulmanos com hindús. Este guru terá sido contemporâneo com a chegada dos portugueses à Índia.

guru Jambheshwar (1451-1536)

Os seguidores desta filosofia religiosa Bisnau seguiam 29 princípios, seleccionados do Hinduísmo, denotando um carácter monoteísta (centrado em Vixnu), e também uma protecção ambiental que foi levada ao limite.

Massacre do Corte das Árvores (Khejarli, 1730)
Em 1730, colocou-se a perspectiva de, para a construção de um palácio no Rajastão, serem cortadas árvores khejri (Prosopis), tidas como sagradas pela comunidade Bisnau. 
Muitos elementos Bisnau decidiram agarrar-se a elas para impedir o corte.
Porém isso não impediu a determinação dos executores, e conjuntamente com as árvores foram cortadas as vidas de 363 mártires.

A protecção das árvores no Massacre de Khejarli, 1730

Árvore de Natal
Não deixa de ser irónico ter a figura do Guru Jambheshwar tão semelhante à figura popularizada do Pai Natal.... porque, nessas celebrações cortam-se Árvores de Natal em todo o Mundo, exactamente o oposto do que professava. Parece uma ironia algo sádica para as vítimas do Massacre de Khejarli.

No entanto, a tradição da Árvore de Natal acabou por se estabelecer no mundo protestante, especialmente no Séc. XVIII e XIX, ao contrário do que se fazia no mundo católico, onde o Presépio foi mantendo o seu lugar. A figura que conhecemos do Pai Natal, com as suas longas barbas brancas, as suas vestes vermelhas, que incluem o gorro vermelho, essa parece ser mais recente. Tem até constado ter sido manobra publicitária da Coca-Cola, para promover as suas cores... 

Não podemos deixar de reparar na semelhança e ligação.
O aspecto de devoção, e até um fio de contas que se assemelha a um terço, podia melhor integrar-se numa figura católica do que o habitual ar bonacheirão. Se o nome terço se liga à trindade, há ainda todo um aspecto de renascimento integrado. No caso da filosofia hindú remeteria para o renascimento noutras formas de vida, que a seita Bisnau procuraria proteger a todo o custo. Foi considerado também que esta filosofia de renascimento derivaria da expansão que a filosofia pitagórica tomou em diversas partes do globo.

Pássaro Bisnau
No século XIX era habitual usar-se a expressão "pássaro Bisnau", e não encontrei nenhuma ligação à seita Bisnau. 
Não sei se poderia retirar-se de uma alusão a "passar o Bisnau", pela forma como foram passadas a machado as dificuldades com as árvores do Bisnau. Tem a conotação de um "pássaro bisnau" ser alguém que está em controlo, que do exterior pode provocar discórdias por artimanhas. Pode sugerir que a discórdia lançada no Rajastão era motivada por asas externas, pelas Companhias das Índias que depois iniciariam a colonização com a derrota do nababo bengalês na batalha de Plassey, em 1757.

Rafael Bordalo Pinheiro numa ilustração do seu periódico "António Maria", em 1884, colocava alguns "pássaros bisnau" ingleses, pousando sobre a "árvore da liberdade, do civismo e alimentação". Portugal, na sua perspectiva, estaria em harmonia com um Zé Povinho servindo com prazer a refeição aos detentores do poder (excepto um "empossado" colocado à margem). Passados menos de dois anos, os ingleses iriam borrifar-se noutra mesa, na que tinha o mapa Cor-de-Rosa.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

De Natura Deorum (3)

A antiga mitologia criacionista tem um aspecto maternal que aparenta ir buscar as suas raízes longe, na noite dos tempos. Há conclusões simples que não devem ter escapado aos nossos antepassados, mas que de forma propositada, ou despropositada, foram ficando do foco primeiro da atenção.

Seria óbvio que o primeiro ser pensante teria saído de um útero não pensante...
Esta era uma visão materialista, mas no sentido de uma matéria, que é mater, ou seja, mãe!
Teria o modo, a forma, mas não a razão, à matéria faltaria a alma, Alma Mater.

Alma Mater (de Edvard Munch)

Há assim um culto antigo, que se confunde com o da "mãe natureza", de onde emerge a consciência humana.  Generaliza o conceito de gestação materna de cada indivíduo, a uma génese da própria espécie pensante, enquanto produto de uma Mãe Terra. 
Cada homem necessita tanto do útero materno, como a espécie humana necessitou do útero terrestre para se desenvolver. 
Na própria gestação do feto podemos ver reproduzidas fases de desenvolvimento que nos aproximam de outros animais. E isto nada tem de darwinismo... não é uma evolução despropositada, é a reprodução sequencial de um caminho de auto-consciência. A Terra não ganhou consciência da sua existência com as bactérias, nem com as plantas, nem com os dinossauros ou mastodontes, conseguiu essa consciência através de um caminho improvável que levou aos seus filhos humanos.
Porém, só quando temos a cabeça na Lua podemos dizer que a Terra não manifestou com isso a sua própria inteligência e consciência... ou será que somos tão antropocêntricos que nem nos vemos como parte integrante de toda a mater, a matéria terrena?
Bom, é verdade que os filhos, primeiro abandonando o útero materno, depois abandonando as saias da mãe, vêem-se como seres distintos da progenitora... mas no caso da espécie humana ainda mal se poderá dizer que abandonou o útero terreno.

No mesmo sentido, se todas as coisas tem por constituintes partes de uma qualquer matéria, estão inevitavelmente dentro desse enorme conjunto, dessa magna mater universal. Aí a conclusão é ainda mais radical - estamos dentro do útero de um universo mãe, que nos gerou. Creio ter sido nesse sentido global que se desenvolveu o culto da Deusa-Mãe, e foneticamente não podemos ignorar que o som "mãe" é demasiado próximo de "mãi" ou "mãia", levando ao difundido culto de Maia, enquanto divindade que ocupou esse lugar numa mitologia popular cuja tradição se perdeu na noite dos tempos (ver texto Mayday), ainda que normalmente se associe a Cibele enquanto Magna Mater.


Curiosamente, Camões no Canto 2 (56) dos Lusíadas escreve:
"manda o consagrado filho de Maia à Terra"
o que remeteria para o hermético Hermes, pelo que nalgumas versões foi corrigido para
"manda o consagrado filho de Maria à Terra"
notando que nalguma tradição gnóstica a identificação hermética de Cristo parece ter sido considerada.


De qualquer forma, o catolicismo recuperou parte dessa génese de Magna Mater no culto Mariano - é  afinal nesse ventre materno que se formará o Deus Homem, pela inevitabilidade da sua matéria humana - será a Mater que fornece a matéria da gestação.
A tradição antiga invocaria também uma Mater primordial (Gaia) de onde teriam emergido os próprios deuses criadores (Urano, Cronos, Zeus).

Se os epicurianos aceitavam a existência de deuses criadores, desligavam-nos das suas criações, colocando-os numa esfera à parte, inacessível. Isso seria tipicamente a argumentação vazia, refugiando-se numa transcendência que escaparia ao entendimento humano... ou seja, beberia na mesma fonte onde os dogmas escolásticos vieram a assentar - a inacessibilidade, que teria como resultado a negação da racionalidade, levando à panóplia niilista. A retórica levava a racionalidade a bater no obscurantismo, porque não havendo respostas para a "criação dos criadores", tudo seria afinal equivalente à ausência de resposta.

Por outro lado, a figura cristã de um Deus Homem capaz de compreender e aceitar o seu destino material, numa manifestação de potência interna perante o sofrimento infligido pela potência externa, é tipicamente uma consagração da filosofia Estóica. Não é uma simples resignação ao sacrifício, é uma aceitação de sacrifícios como meio de alcançar a sua completa compreensão, não já na matéria humana, mas no seio superior da Alma Mater.

Não há nada igual... Há apenas igualdades parciais, conceptuais, mas têm que primeiro se estabelecer pela diferença para que as possamos agrupar depois numa qualquer igualdade.
Esse é o paradigma antigo da Mater cujos filhos são diferentes, mas que os quererá agrupar numa mesma igualdade de origem... para isso precisa de um entendimento, de uma Alma, gerada no seu seio que lhe permita essa compreensão da igualdade na diferença.

São demasiadas vezes confundidos conceitos humanos com noções puramente lógicas e abstractas, mas uns têm tradução nos outros, basta compreender como.
Podemos falar numa Deusa-Mãe ao mesmo tempo que vemos isso apenas como uma mera noção abstracta que engloba todas as entidades idealizadas, puramente matemáticas, onde o tempo, o espaço, e tudo o resto são apenas qualidades particulares, distintivas, são a matéria Mater.
O estabelecimento de relações entre as diversas noções é um nível seguinte, que leva ao conceito de inteligibilidade. Não há nenhuma "vontade materna" de equidade, mas ela pode ser expressa assim, porque ilustra o absurdo duma evolução universal para um permanente desequilíbrio. Por isso, as alegorias podem bem viver em conjunto com as afirmações lógicas, desde que lhes encontremos um sentido.

A inteligibilidade do universo está sempre um passo atrás da sua contemplação, mas não tem qualquer limite, tirando os limites lógicos. As limitações lógicas são essência da própria inteligibilidade, nem sequer estamos presos a elas... simplesmente sabemos que a sua recusa leva ao vazio, ou ao caos. Ao vazio, quando aceitamos contradições, ao caos quando começamos a falar em meias verdades.
A lógica é bivalente porque a existência é una - não nos dividimos em dois seres - um que lê esta frase, e outro que não lê, por isso apenas temos uma verdade.
A dúvida pode levar a aspectos trivalentes, por incapacidade ou cisma pessoal. A incapacidade é natural, mas o cisma é diferente, é a recusa de resolubilidade da dúvida. Ou é objectiva, ou é mera obstinação, uma recusa da possibilidade de compreensão.
Acresce que, por simples constatação lógica, a inteligibilidade do universo está necessariamente contida nele, pelo que não deve ser vista como inatingível... há limitações, em particular resultantes da nossa Mater, da matéria humana onde nascemos, mas o que interessa é a predisposição.

Temos uma predisposição favorável à verdade, ou optamos por ilusões que nos remetem para falsidades?
Não faz sentido pensar que uma pedra está infeliz com a sua natureza, nem tampouco uma planta, porque não lhe reconhecemos raciocínio ou desejos. Quanto aos animais, podemos facilmente pensar que se lhes oferecermos alimentação e a companhia desejada, isso satisfará os seus "desejos".
Continuarão a pedir mais indefinidamente? Não cremos.

Porém com os humanos é diferente... pela sua natureza infinita os seus desejos nunca parecem possíveis de satisfazer. Os humanos não estão bem consigo próprios, porque tendem sempre a cair num desajuste entre o que é e o que queriam que fosse, e repetem isso sucessivamente.
A medida de infelicidade é o desajuste entre o que se quer e o que se tem. Quem não sabe o que quer, por muito que tenha, está insatisfeito e dificilmente será feliz... e obviamente há quem consiga ser razoavelmente feliz, mesmo com pouco.

Ao contrário do que é habitual pensar, a felicidade não é um problema individual, é um problema comunitário. A questão é que basta sentirmos que há alguém infeliz para sabermos que a insatisfação pessoal daquele indivíduo o pode levar a acções que nos ameacem. Nem é só isso, a simples projecção na situação de infelicidade alheia deveria provocar também um desconforto. Por isso, ninguém pode ser completamente feliz tendo consciência da infelicidade alheia na comunidade.
Quando a comunidade é global, o problema torna-se global.
Quando as orientações de felicidade da comunidade levam a desejos de protagonismo individual, quando há desequilíbrios evidentes de posses, então a comunidade está a abrir sucessivas insatisfações nos seus elementos, agravando os problemas de infelicidade em todos.
Ao contrário, uma comunidade progride muito mais se não exacerbar o protagonismo individual, porque isso deixa de constituir um desejo de afirmação do próprio perante os outros, que é o que leva a desequilíbrios insanáveis. O progresso científico faz-se pela curiosidade natural, enquanto que o desejo de sucesso apenas limita a colaboração. Por outro lado, os desequilíbrios nas posses são tolerados pelas comunidades quando há algum racional de mérito, mas qualquer manifestação exagerada ou claramente injusta leva a grandes insatisfações. Por isso, seria necessária não apenas uma mudança da lógica comunitária, mas também uma necessidade de acompanhamento introspectivo de muita gente... porque, por falta de introspecção, muita  gente nem sabe que é infeliz - procura desculpas para a sua insatisfação nos outros, ou na comunidade. E isso, é transversal... tanto ocorre na recriminação de classes baixas a altas, como vice-versa.

A questão latente é que, mesmo eliminando as circunstâncias sociais, existem desequilíbrios naturais... e se os problemas físicos, ou os medos funestos, podem ser combatidos por medicinas, filosofias ou religiões apaziguadoras, há em última análise problemas tão simples que resumem a amores não correspondidos... e esses acabam por ser fronteiras últimas de entendimento e inquietações pessoais.


Termino, com uma pequena nota sobre a equidade.
A equidade é engraçada quando a vemos espelhada num culto dos seus promotores... o destaque que se deu a alguns promotores da equidade (e não falo apenas de Marx, Lenine, Mao, etc...) foi um contra-senso com a necessária discrição que favorecia a ideia subjacente. Quando se idolatriza alguém está-se contra a própria ideia de favorecer a equidade. Por isso, por consistência, alguns dos maiores promotores da equidade devem ter sido esquecidos por opção própria.
No entanto, mesmo assim, há quem sempre leve a questão da equidade ao limite, ponderando sobre a sua possibilidade teórica. Ou seja, será ou não possível que uma Mater tenha ao mesmo tempo filhos diferentes com perspectivas de igual protagonismo?... Repare-se que isso entronca logo com a necessidade de haver um primeiro... um varão. Como equalizar o que é afinal diferente?
O número é uma das maiores capacidades equalitárias racionais - tudo o que concebemos pode ser contado, associando-lhe um número, sem distinção do que se trata... mas mesmo fazendo isso estamos a colocar uma ordem, distinguindo os números. Um será o primeiro, outro o segundo, etc... em qualquer ordem a hierarquização parece inevitável, pelas inevitáveis diferenças. Não diferenciando nada, reduzimos tudo ao mesmo, a um.
Ora, só o tempo permite a mudança da ordem. O que hoje foi primeiro, segundo, etc... poderá ter outra ordenação em nova contagem. Por isso, pela simples repetição, retirando a referência de início ou de fim, a mudança temporal permite todas as possibilidades e uma igualdade potencial...
Isto é simplesmente importante porque mostra que a hierarquização de eventos trazida pelo tempo não é definitiva, e portanto não condena ninguém a um papel secundário...