sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Nebulosidades auditivas (22)

Gorillaz - um projecto musical onde os protagonistas seriam apenas bonecos animados, deixaram uma sucessão de vídeos notável, onde contaram até com a participação de Bruce Willis. A influência hip hop dos De La Soul começara a tomar efeito, e ganhar múltiplas variantes.




Broken - Gorillaz (Plastic Beach)

Distant stars come in black or red
I've seen their worlds inside my head

They connect  with the fall of man
They breathe you in, and dive as deep as they can

There's nothing you can do for them
They are the force between, when the sunlight is arising

There's nothing you can say to him
He is an outer heart, and the space has been broken now
It's broken, our love, is broken

Is it far away in the glitter freeze or in our eyes
Every time they meet
It's by the light of the plasma screens
We keep switched on all through the night while we sleep

There's nothing you can do for them
They are the force between, when the sunlight is arising

There's nothing you can say to her
I am without a heart, and the space has been broken now
It's broken, our love, is broken
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A tomada de consciência nunca foi imediata.
A inteligência apareceu antes da sua tomada de consciência.
Não podia ser doutra forma, afinal só podemos conhecer o que já existe.

Assim, é completamente diferente pensar em seres inteligentes e em seres que tenham consciência da sua inteligência. A inteligência de uns pode superar a dos outros, mas há uma imensa diferença... uns são máquinas, os outros não.
Os processos mecânicos podem desenvolver-se autonomamente a ponto de exibirem prodígios de inteligência literal. Vemos exemplos de como essas soluções foram encontradas biologicamente, como se houvesse ali um desenho inteligente. E esse desenho inteligente não pode ser negado, porque está ali para ser contemplado. A grande diferença é que essa tomada de consciência de inteligência não é inerente ao processo observado, é inerente ao observador. 

Na encruzilhada temporal haveria o caminho puramente genético, onde a inteligência apareceria codificada numa sequência de DNA, mostrando a capacidade de inteligência da ordem, mas seria uma inteligência que nunca seria vista... porque ao finito falta a capacidade de reconhecer o infinito, ao limitado faltaria a capacidade de ver a sua limitação. Para alguém reconhecer as suas limitações tem que ir acima delas, para as poder contemplar. Só os limitados ignoram as limitações...   
Nesse caminho genético, nada impediria a programação de capacidades computacionais imensas, em cérebros programados de forma similar.
Esse seria o caminho de grandes gorilas divinos, capazes de proezas notáveis, mas inconscientes da sua capacidade. Capazes do bem e do mal, sem distinguir a diferença entre ambos. 
Porque a diferença entre o mal e bem é uma diferença de percepção ecológica, é uma noção ausente da ordem local, é uma noção imposta pelo caos global.

Esta ecologia não tem apenas raiz etimológica no oikos grego, que remete à casa ou família global, é também uma "ciência do eco". Este "eco" é o retorno que teremos a cada som que emitimos, a cada acção que produzirmos.
A cegueira da ordem local foi o pensar que haveria uma solução local que se imporia globalmente, com um centro bem identificado. Cresceria anulando o restante, cega pelo seu umbigo gerador. 
Veria o que queria ver... ver-se-ia a si, esquecendo a casa onde crescia.
Começava por ser a bactéria reprodutora, capaz de inundar em pouco tempo o planeta com uma reprodução exponencial, até que seria confrontada com o eco da sua acção - a falta de alimento para acompanhar tal crescimento. A sua acção local era um sucesso, o problema era a falta de visão do eco global da multiplicação dessas acções. 

A inteligência humana não terá surgido até que os homens foram forçados a reconhecer a influência global das suas acções. Os hominídeos podem até ter exibido sinais de inteligência mecânica, quase sem limites, com criatividade para fazer prevalecer a sua visão local... só que isso não traz nenhuma consciência do que faziam. 
A maior inteligência de gorilas, só favorecia a competição entre gorilas, não permitia ao gorila ver que ao anular os diferentes, estaria só a deixar iguais, mas não estaria a acabar com a competição entre iguais. Por muito iguais que fossem, a competição estimularia sempre qualquer diferença, até que no limite, o gorila estaria a ser a levado a uma competição consigo mesmo.
Por isso, a ecologia em confronto é sempre o eco das acções em si próprio. 
O homem só se tornou homem quando aprendeu a ver nos outros semelhantes, quando passou a sofrer com a dor dos outros, projectando-a em si. Essa capacidade de empatia com o semelhante, que ao longo da história se tem procurado retirar, em nome duma competição incessante, é a diferença fundamental entre o homem e a besta. É a diferença fundamental entre uma consciência para um equilíbrio num contexto global, e uma inconsciência para um sucesso local aprazado.

Da natureza vem essa ordem programada, finita, cega ao eco de si própria. Daquilo a que se pretende chamar caos, chamar coincidência, negligenciar, por falta de melhor entendimento, surge o inexplicável, a semente das ideias do único futuro para este presente. 
Por muito que se veja o império duma ordem construída, só o olho cego não quer ver que essa ordem só pode ser vista numa dimensão muito superior, onde os impérios de cabeças de formigas são esmagados com um pé, um pé no futuro.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O galo de Sócrates

Num texto sobre a primeira domesticação animal, o galo de bankiva aparecia como candidato originário de paragens indonésias ou melanésias. A popularidade europeia dos galináceos terá surgido como importação oriental, constando que não seria propriamente comum e acessível entre os gregos.

Basta notar que um presente amoroso de Zeus a Ganimedes terá sido um cocó...


Por esta indicação, podemos suspeitar que a oferta do cocó fosse tão exótica quando a oferta de um pássaro raro, como seriam provavelmente papagaios, araras, tucanos, etc. 
Ganimedes rolando um arco e segurando 
o cocó oferecido por Zeus (wikipedia)

A última frase reportada a Sócrates foi dirigida ao amigo Críton:
Κρίτων, τω Ασκληπιώ οφείλομεν αλεκτρυόνα, απόδοτε και μη αμελήσετε.  
Críton, a Asclépio devo um galo, cuida de não o esquecer.

Esta "última dívida de Sócrates" já recebeu diversas interpretações sobre o seu significado, parecendo suscitar alguma contradição entre a sua condenação herética, e a menção ao sacrifício de um animal ao panteão divino. Havendo referências de que o filósofo pareceria ver na morte uma cura para a tribulação da vida, a oferenda a Asclépio (ou Esculápio, no equivalente romano), podia também significar que agradecia esse efeito terminal, quando a cicuta já lhe tomava o corpo.

O nome grego aqui usado para galo αλεκτρυόνα nome não muito comum (há ainda κόκκορα, cocó), sendo usado ainda assim como prefixo de um tiranossauro - o Alectrossauro, cuja enorme perna exibia o típico polegar galináceo, e de dimensões não muito diferentes dos nossos Lourinhã-sauros.

Faço apenas esta referência porque o prefixo "Alectro", do galo (ou cocó), é demasiado próximo de "Electro" para não ser notada uma semelhança entre a ave que os romanos associavam aos gauleses (gallus), e o nome da liga metálica entre ouro e prata, ou o nome grego para um âmbar que inundava as praias germânicas (elektron).

Certamente que Críton terá feito por pagar a oferenda a Asclépio, que não era propriamente uma divindade do panteão clássico. Sendo considerado o "deus da medicina", a quem era prestado o juramento de Hipócrates, era um semi-deus entendido como filho do deus Apolo e de uma humana, Coronis.

A educação de Asclépio fora entregue ao famoso centauro Quíron, a quem se dedica o presente signo e constelação de Sagitário. O centauro teve como pupilo mais famoso o aqueu Aquiles, a quem instruiria no manejo da flecha (sagitta)

Aquiles e o centauro Quíron. 

A mitologia sagitariana coloca Quíron no fim do tormento infligido a Prometeu, abdicando da sua imortalidade para terminar com a dor com que o trespassara uma flecha envenenada de Hércules, aquando da sua aventura na captura do Javali de Erimanto (curiosamente, também Asclépio será colocado na época da captura de outro javali mítico, o Javali da Caledónia).

É natural que esta simbiose equestre dos centauros se pudesse reportar a tribos que praticamente cresciam sobre o dorso equestre nas grandes planícies tartáricas (que se iriam estender do Don ao Lena). Afinal essa caracterização rude dos centauros poderia ser aplicável aos Citas, tal como foi depois aplicável aos Hunos.

A Asclépio ficou associado o bastão com uma serpente enrolada, símbolo do seu conhecimento de artes médicas herdado de Quíron.

Ao contrário do caduceu de Hermes, caracterizado depois por duas serpentes enroladas em confronto, Asclépio tomara apenas uma das serpentes no seu bastão.

Os dois símbolos (o caduceu de Hermes e o bastão de Asclépio) foram e são usados para empresas, associações e instituições médicas e farmacológicas (ver este link, por exemplo).

Aqui é razoavelmente fácil considerar uma interpretação da escolha médica de Asclépio tomar apenas um lado serpentino.

Com efeito, a produção de drogas ou venenos enrolava-se em dois aspectos... um positivo para a cura de maleitas, mas outro negativo pela aplicação venenosa com efeito letal nas vítimas.
O centauro Quíron seria vítima do efeito da flecha envenenada de Hércules, contra a qual nem o tutor de Asclépio teria conseguido escapar. Assim, se é natural as associações médicas mostrarem o lado serpentino benéfico, já do ponto de vista farmacêutico a produção da substância, da droga, dissocia-se do fim para a qual é aplicada, e tanto pode enrolar para o lado venenoso como curativo, fazendo mais sentido nesse caso usar como símbolo o caduceu hermético.

O confronto da utilização benigna ou maligna de uma mesma substância, de uma mesma invenção, tem sido o profundo dilema que foi enredado num secretismo hermético, preferindo a sua oclusão à sua manifestação. Se o original caduceu pode ser hoje ligado facilmente à estrutura helicoidal do DNA, esse é apenas um aspecto interpretativo condicionado por um certo olhar. O ponto primordial é ainda que o mesmo conhecimento sobre o DNA pode levar a utilitarismo diverso. De um lado as aplicações médicas no sentido benigno, do outro lado as aplicações militares no sentido maligno.
De pouco vale pensar que umas compensam ou justificam as outras... é inútil e perigoso considerar que um explosivo será apenas usado com fim benigno. A sua utilidade para uso maligno pode ser igualmente apelativa, e não pode ser evitada. Esse é o perigo inato do conhecimento, presente desde o início, desde o instante em que a serpente o revelou - a ponta da flecha serviria a caça, mas o alvo estava colocado na sanidade ou no caos da mente humana.

sábado, 8 de novembro de 2014

Nebulosidades auditivas (21)

Há uns meses, houve uma conversa sobre a pseudo-teoria de "humanos reptilianos", que David Icke costumava mencionar, e a que o Paulo Cruz dava atenção, ligado ao assunto dos crânios de Paracas.
Nessa altura disse:
Lembro-me de uma série antiga, dos anos 80, que tinha exactamente um enredo a esse agrado:
V - Visitors (TV series, 1983) 
talvez David Icke tenha ido buscar a ideia reptiliana a essa velha série... de qualquer forma, esse V fez-me logo lembrar outro V:
Eu ligaria o V mais ao facto de ter depois um outro filme que ficou igualmente popular:
V for Vendetta
banda desenhada exactamente da mesma altura (vejam-se lá as coincidências) e especialmente o filme que deu origem à mania das máscaras, e ao movimento "Anonymous".
Ver este vídeo do Nicky Romero, "Toulouse":
... já esteve na calha para uma "nebulosidade auditiva" no OdeMaia. 
[17 Julho 2014]
Assim, por estranho que fosse, num ápice, dos crânios deformados chegávamos a Toulouse.
Leio agora que a deformação intencional craniana era denominada "deformação de Toulouse"
 
Mapa com a deformação de Toulouse, e regiões onde era praticada ainda no Séc. XX (ver Dingwell, 1931)
 In the region of Toulouse (France), these cranial deformations persisted sporadically up until the early twentieth century  [wikipedia]

Coincidências, ou não, antecipei que o vídeo "Toulose" estava agendado aqui:

"Toulouse" de Nicky Romero, 

mas por razão do V de Vendetta... e não tanto pela deformação craniana de Toulouse.

Esta ligação que nos levou à região occitana de Toulouse é estranha, tão estranha quanto é o registo que foi das suas pinturas rupestres aos jogos florais, passando pelos antipapas de Avinhão.

Quanto ao V, V de um filme que tem inspirado movimento Anonymous, parece ser apenas mais um movimento do sistema, que passa por ser anti-sistema. Não é difícil entender que não serão os canais do sistema a questionar o sistema. Qualquer sistema minimamente inteligente disfarça uma oposição, para que nunca haja espaço para uma verdadeira oposição.
Porque, o problema é simples... The revolution will not be televised, brother.