segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A bestialidade e os caninos

Os clubes, salvo raras excepções nacionais, preferem usar símbolos de animais de grande potência. Os mais populares são certamente a águia, o leão e o dragão (este, no simbolismo imaginário). 
Acontece assim com os três clubes de futebol que preenchem o espaço televisivo, agora não tanto com o futebol, mas mais com a tentativa do total disparate, e ausência de bom senso, nos bastidores.
Esses símbolos são uma espécie de continuação da herança heráldica brasonada, misturando algumas tradições locais, da cidade ou região, com uma opção popular, casual e bestial.

Entre os mamíferos, a fuinha não se pode comparar com o leão, sendo este dez vezes superior em tamanho. No entanto, apesar do aspecto meio fofo ou balofo, a fuinha tem um dentes bem agressivos. Ainda que a dentição humana seja vista como carnívora, para onde foram os nossos caninos?

Numa tentativa ridícula e apalhaçada, algum humano tentaria amedrontar com a sua dentição?
Tentando imitar, por exemplo, um leão? 
Ninguém, no seu perfeito juízo, seria ridículo a esse ponto.
Ao contrário, uma doninha com 20 cm pode meter medo da mordidela usando pontiagudos caninos.

Exibindo os dentes: (à esquerda) um presidente leonino na Sporting TV

É claro que a agressividade humana também pode usar a boca como forma de exibir uma bestialidade natural, mas não é exactamente no mesmo aspecto directo que o faz uma fuinha, com os seus caninos... (é claro, excluímos aqui histórias de vampiros).
Exceptuando casos patológicos, ninguém vê a exibição da dentição humana um sinal hostil, talvez o veja como um esboço de bocejo ou riso. No entanto, já entende como hostil, quando se trata de um carnívoro.

Um problema, que é pouco mencionado na habitual história da evolução humana, é justamente essa completa perda de relevância da dentição canina.

Os humanos têm uma dentição nada adequada a carnívoros, especialmente se comparados com outros primatas, como por exemplo, com chimpanzés e orangotangos (ambos omnívoros), ou mesmo com gorilas (herbívoros).  

Os diferentes tipos de dentição em herbívoros, carnívoros e humanos. [img]
 
A dentição em chimpanzés (à esq.), austrolopitecos (ao centro), e humanos (à dir.) [img]

Uma das formas que foi usada para classificar os "hominídeos" foi justamente essa aproximação à dentição humana... ou dito de outra forma, seria mais complicado dizer que o crânio de um primata com grandes caninos seria "hominídeo". Desde os austrolopitecos aos neandertais, a dentição deixou de exibir caninos salientes.

Há herbívoros com grandes caninos, como é o caso do gorila, mas não sei se será fácil encontrar mamíferos carnívoros ou omnívoros sem eles, exceptuando os humanos. Outro problema é o tamanho do intestino, que é grande nos herbívoros e nos humanos (~ 6 metros), enquanto nos carnívoros é bastante mais pequeno (no leão ~ 1 metro e meio).

Aquilo que os nossos dentes nos mostram, é que a nossa ascendência não se deu pelo lado carnívoro, e é mais provável que se tenha dado por um ascendente herbívoro. 
Talvez fosse apenas predominantemente herbívoro, pois conforme já fui insistindo, há características humanas, nomeadamente a ausência de pêlos, que se coadunam mais com uma vida em ambiente aquático, próximo de lagos ou mares. 
Não se tratariam propriamente de grandes nadadores, já que nenhum grande primata nada, mas seriam capazes de beneficiar da postura vertical para ir longe na água junto à costa, em lagos ou mares calmos. Isso permitia escapar de alguns predadores, e também empreender no pescado. 
Os dentes caninos já não seriam tão relevantes no consumo de pescado. Os mamíferos piscívoros têm também caninos proeminentes (foca, leão marinho, lontra, etc...), mas não é o mesmo com o caso dos golfinhos.

O essencial é que o ímpeto carnívoro não parece estar na nossa essência, ainda que pareça ser notória alguma exigência no consumo de proteínas. Isso pode ter começado inicialmente com uma vida que foi ficando dependente de outros frutos, os "frutos do mar", e que depois terá sido compensada em ambientes menos costeiros com uma dedicação à caça. Só que parece que essa apetência pelo consumo de carne foi evoluindo com o desenvolvimento de armas ou utensílios adequados, e não seria uma apetência inicial dos hominídeos.

Não me parece que houvesse algum inconveniente na existência de caninos salientes, exceptuando o perigo da bestialidade se traduzir numa dentada mortal nos infantes, algo que acontece com os chimpanzés, e que algumas fêmeas poderão ter decidido ser um desagradável inconveniente estético.
Podem ter-se livrado dessa bestialidade, mas não de todas as bestialidades que iriam sair boca fora...

Pior, se nos livrámos dos caninos, não nos livrámos de uma vontade de fidelidade canina.

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