domingo, 30 de dezembro de 2018

Colosso indiano

Há 2 meses, a Índia inaugurou a estátua mais alta do mundo com 182 metros, aliás 240 metros ao incluir o pedestal. Foi chamada "estátua da unidade", representando Sardar Patel, uma figura política que se diria quase desconhecida para não especialistas no contexto indiano, que normalmente tenderia a resumir as coisas pelo lado Ghandi ou Nehru... 

A escolha foi tanto mais singular, pois não há precedente conhecido de representação exagerada de figuras não religiosas ou ideológicas, desde o Monte Rushmore em 1925 com as cabeças de 18 metros de quatro presidentes americanos.


Apenas para dar alguma ideia de proporção, coloquei ao lado a Estátua da Liberdade, que durante muitos anos foi a maior estátua do mundo com 46 metros (92 metros com pedestal), e que agora será simplesmente um símbolo da imigração americana na transição do Séc. XIX para o Séc. XX.

As estátuas mais altas do mundo eram praticamente quase todas de Buda, e variavam entre o Japão e China, com alguns exemplares notáveis na Tailândia ou na Birmânia (Myanmar). O caso mais singular europeu era a estátua colossal "A mátria chama!" em Estalinegrado, actual Volgogrado, com apenas 85 metros.

Não é novidade erguerem-se colossos, tal como não será novidade caírem, e até caírem no esquecimento.

Se a estátua tivesse sido erguida na Europa ou nos EUA, provavelmente ainda hoje era notícia, e tomaria o destaque das realizações de 2018, com as naturais polémicas associadas. Talvez tivesse sido maior notícia se tivesse sido Ghandi o escolhido... mas a ideia política na Índia estará já longe de um seguidismo às referências ocidentalizadas.

Assim, a sua inauguração terá passado como notícia menor nalguns jornais, e duvido se passou nalgum canal televisivo nacional... Para merecer a atenção da imprensa ocidental seria preciso que Donald Trump tivesse feito alguma gaffe a este propósito, mas nem isso.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Nebulosidades auditivas (67)

Por razões que ninguém faz esforço de entender, há coisas feitas em Portugal com uma qualidade surpreendente, e cujos protagonistas são praticamente desconhecidos. Depois, é claro, há outros, os mais conhecidos, que pouco mais são que filhos dos pais, sobrinhos dos tios, afilhados dos padrinhos, em geral, os úteis inúteis.

André Tentúgal, que não é conhecido pelo nome, nem do projecto "We Trust", lançou uma série de músicas que entraram no ouvido como se lá estivessem sempre estado. Certamente a maioria das pessoas já ouviu uma destas músicas sem dar conta que se tratava de uma banda portuguesa.

Deixo aqui três exemplos.

We Trust (2015) - "The Future"

We Trust (2011) - "Time (Better not stop)"

We Trust (2015) - "We are the ones"

Esperava-se que, com o tempo, a coisa não pudesse continuar a ser ignorada, como se nada se passasse... mas não é apenas um caso português, longe disso!
O mundo da música tem patronos muito bem definidos que vão decidindo o que é, e o que não é popular - chamam a isso "play lists" às quais a rádio não tem autorização de escapar.
A Antena 3, com a desculpa de passar uma maioria de produção nacional, foi tentando fazer o percurso alternativo, mas isso apenas fez algumas músicas conhecidas, e não os seus autores.

Nem interessa que os grupos sejam populares em franjas muito específicas de jovens, ou outros ouvintes... o que interessa é que feito esse percurso, parece que nunca chega a autorização de cima, para poderem sair do nível de quase anonimato.

Os "We Trust" aparentemente terminaram em 2016, sem que tivesse dado conta disso.
Neste caso, nem sequer se tratam de bandas cuja carga simbólica é naturalmente repelida, como é o caso dos Mão Morta, são simples autores que procuram o sucesso, e não pretendem mudar as consciências. Como prova disso, André Tentúgal parece que vai concorrer ao Festival da Canção de 2019...

sábado, 1 de dezembro de 2018

Ouça, oiça - ouro, oiro; touro, toiro

Uma das variantes que a língua portuguesa exibe como dualidade é a pronúncia alternativa da sílaba "ou" com a sílaba "oi", com exemplos de oiro, toiro, moiro, loiro, etc...

Toiro de Oiro, em Kunming (China)

Os casos são sobejamente conhecidos, mas não creio que estejam compilados numa lista exaustiva de possibilidades. De um modo geral todas as palavras que contêm "ouro" alternativamente podem ser ditas ou escritas com "oiro".

  • bouro - (boiro existe na Galiza)
  • couro - coiro
  • douro - doiro (dourar - doirar; dourado - doirado)
  • louro - loiro - lauro (láureo
  • mouro - moiro - mauro 
  • ouro - oiro - auro (áureo)
  • touro - toiro - tauro (táureo)
Portanto, vemos que as variantes "ouro, oiro, auro" eram comuns no que referia a louros, mouros ou touros, mas não tem expressão falar-se em "cauro/cáureo" como variante de "couro"...
Não estou a sugerir que os mouros tinham touros e eram louros, mas enfim, já lá vamos!

Depois, há toda uma conversa induzida, que parece plausível até ao momento em que pensamos nela.
Essa conversa é de que isto seriam variantes populares, características mais a norte ou mais a sul, de usar "ou" e "oi". 
Como se houvesse alguma ligação entre as duas sílabas... e não há!

Não se trata de nenhuma tendência fonética, porque:
  •  "loico" não é alternativa de "louco", nem "poico" de "pouco", nem "roibo" de "roubo".
É claro que nas palavras em que "ouro" é sufixo, é natural ver o mesmo:
- lavoura » lavoira, besouro » besoiro, tesoura » tesoira, agouro » agoiro, vassoura » vassoira, etc.
Mas... nem sempre, é rarissimo ouvir "cenoira" em vez de cenoura.

Onde aparece então essa variante "oi" do "ou"? - Vejamos caso a caso:
  • "...oub..." não tem variante "...oib...", por exemplo "soube" não varia para "soibe".
  • "...ouc..." não tem variante "...oib...", por exemplo "touca" não varia para "toica".
  • "...ouç..." tem variante "...oiç...", por exemplo "louça" em "loiça", "ouça" em "oiça"
  • "...oud..." tem variante "...oid...", por exemplo "doudo" e "doido".
  • "...ouf, oug, ouj, oul, oum, oun ...", tem o caso singular "papoula" e "papoila".
  • "...oup..." não tem variante "...oip...", por exemplo "poupar" não varia para "poipar".
  • "...our..." tem variante "...oir...", já vimos este caso!
  • "...ous..." tem variante "...ois...", p. ex. "pouso" em "poiso", "cousa" em "coisa"
  • "...out..." tem variante "...oit...", p. ex. "couto" em "coito", mas não "outro" em "oitro", etc.
  • "...ouv..." não tem variante "...oiv...", por exemplo "ouvir" não varia para "oivir".
  • "...oux..." tem variante "...oix...", por exemplo "frouxo" varia em "froixo" (pouco usado).

Conclui-se rapidamente que não há propriamente nenhuma regra, ou tendência fonética, que marque a variação de "ou" em "oi". Há simplesmente um hábito, ou seja, uma herança cultural, dirigido a certas palavras e não a outras. 

No caso da variante "ouro", há algo que podemos notar:
Louro, Couro, Ouro, Bronzeado, Bisonte

... ou seja, se o valor da terminação "ouro" tender mais para uma tonalidade metálica que variava entre ouro, cobre e bronze, seria mais fácil entender a associação às folhas de louro, ao couro, ao mouro (no sentido, bronzeado), ou ainda ao touro, admitindo uma coloração primitiva primitiva próxima do bisonte. 
Ou, dito ainda de outra forma, que tipo de touro, ou de boi, encontramos nas terras do Bouro?

Em catalão "boi" diz-se "bou", e "bous" era uma palavra grega para boi.
Portanto, quando lemos "Terras do Bouro" também poderíamos ler "Terras do Boiro", no sentido de "terras do boi"... talvez mais especificamente do boi com grandes chifres, lembrando o toiro, ou ainda o mais primitivo, auroque.
Claro que isto é apenas mais uma simples variação especulativa.