sábado, 29 de outubro de 2016

O futuro do passado (1)

Uma boa maneira de não esquecer como a nossa percepção das coisas vai mudando, sem que muitas vezes tomemos consciência disso, é olhar para as previsões feitas no passado do que seria o futuro.
Afinal estamos no futuro do passado, e podemos ajuizar agora se essas previsões faziam ou não faziam sentido...

Por exemplo, para quem teve a oportunidade de ver durante a infância uma parte da evolução da exploração espacial, seria algo inacreditável que não existissem hoje viagens regulares à Lua, até em voos comerciais. Porém, a atenção foi facilmente manipulada. 
Primeiro, o programa Apollo foi descontinuado em 1973, mas para evitar a ideia de uma regressão, foi inventado o Space-Shuttle, que invocava um propósito entendível - recuperar as naves espaciais, que doutra forma se perdiam em cada expedição. 

Porém, desde 1981 nem sequer foi feita nenhuma tentativa de levar um Space-Shuttle a orbitar a Lua, e o projecto foi-se revelando cada vez mais uma simples distracção, até que teve os seus dias finais em 2011. Então Obama decidiu declarar Marte como próximo objectivo até 2030, mas claro que se tratava apenas de manter o público com uma ideia de continuação do interesse na exploração espacial.
Afinal de contas, já nos bons velhos da pretensa exploração lunar, se tinha determinado que o objectivo Marte poderia ser alcançado em 1988:

Portanto, de acordo com as previsões nos anos 70, e que ninguém se atreveria a classificar de "lunáticas"... o objectivo marciano ser colocado a menos de 20 anos de distância, parecia completamente razoável, tal como parecerá o anúncio de Obama.
Só que 1988 passou, em 1989 caiu o Muro de Berlim.... e as coisas mudaram para ficarem exactamente na mesma! Passaram ainda mais 30 anos em cima disso... e nada!

O que mudou então nas passadas previsões de futuro?
Num artigo da revista Gizmodo intitulado 
o autor M. Novak foi recolher de uma rubrica dos anos 50, chamada "Closer than we think", a previsão para o futuro próximo, que estaria ali ao virar da esquina. 

1) Carro solar... era assim uma ideia corrente já nos anos 1950, como é hoje, mas demora a despontar para um desenvolvimento efectivo, desde que me lembro.

2) Casas em redomas de vidro... esta ideia praticamente desapareceu! No entanto quem via ficção científica, sabe que era bastante popular ver em antevisões futuristas.

3) Super-colheitas... uma ideia num tempo em que a ecologia e o politicamente correcto do meio-ambiente, ainda não tinham invadido os discursos, pareciam aceitáveis plantações geneticamente modificadas, usando radiações. Pelo menos, aqui parece ter sido bom não enveredar por este caminho, ou talvez estivessemos agora também geneticamente modificados!



4) Armazéns robotizados... uma ideia simples, ter robots a gerirem grandes armazenamos, o que praticamente pode considerar-se alcançado, sem grande dificuldade.

5) Educação por botões... uma espécie de educação à distância, com menos professores, onde os alunos seguiam as aulas por vídeos e respondiam pressionando botões, adequando a progressão, é uma ideia basicamente simples, com a diferença que no passado sempre se descurou a evolução dos computadores.

6) Máquinas ambulantes... uma ideia bizarra, destinada a evacuação em emergências, talvez já com algum receio de perigos de bombas nucleares, ideias de quem passou pela "Guerra Fria", com o espectro de um holocausto nuclear a qualquer momento.


sábado, 8 de outubro de 2016

Méee (5) - lógica do facho

O caso diz respeito a uma cidadã, e a notícia de hoje do Correio da Manhã é a seguinte:
Mulher presa por chamar criminosos a polícias e juízes Uma investigadora, de 50 anos, está detida na cadeia de Tires a cumprir três anos de prisão por injúria e difamação a vários juízes, procuradores e polícias, entre eles o ex-PGR Pinto Monteiro, a procuradora Maria José Morgado e o diretor da PJ Almeida Rodrigues. Maria de Lurdes Rodrigues foi condenada em 2000 e a sentença transitou em julgado em 2012, após uma batalha judicial que incluiu tentativas de internamento psiquiátrico. Esteve contumaz e está presa em Tires desde 29 de setembro. O caso está a gerar uma onda de indignação nas redes sociais, onde amigos da investigadora exigem a sua libertação imediata. O processo teve início em 1996, quando contestou a perda de uma bolsa de estudo em Cinema - na altura era Manuel Maria Carrilho ministro da Cultura. Quando o Supremo Tribunal Administrativo não lhe deu razão, acusou um juiz de corrupção. Pinto Monteiro, Maria José Morgado e Almeida Rodrigues foram acusados pela mulher de "darem cobertura a crimes" de quem a despejou de casa em 2008, apelidando-os de "gang de criminosos que roubam e pilham".
... mas o CM não é propriamente a melhor fonte neste caso, apesar do assunto estar sob silêncio de todos os outros jornais, exceptuando noticiários online:


... que remetem para uma notícia de 2013 do Diário de Notícias, onde se poderia ler o pseudo-fundamento da acusação:
No acórdão que confirma a prisão efetiva refere-se que ao apelidar "as magistraturas e a polícia, em suma, o sistema judicial, de gangues, de organizações criminosas, sem leis, valores e princípios, que roubam e pilham e dão cobertura a pilhagens, a arguida atuou de forma desrespeitosa e despudorada para com a Justiça, as suas magistraturas e os seus mais altos representantes, concretamente para com a magistratura do Ministério Público, ofendendo as pessoas que a dirigem". O facto de se ver privada da sua habitação e dos seus bens "não justifica minimamente as palavras escritas na carta endereçada à Procuradoria-Geral da República e dirigidas ao procurador-geral da República".
Este acórdão (e os carneiros acordam?) revela os contornos Kafkianos do processo de "delito de opinião". A única lógica decisória é a do facho. 
O "facho" remete para um símbolo da Antiga Roma, o "fasces", que esteve na origem da designação de "fascismo", usada por Mussolini, mas o fasces fez/faz parte do símbolo de várias instituições:
Símbolo fasces em moeda americana
Citando a wikipedia:
O termo fascismo é derivado da palavra em latim fasces, um feixe de varas amarradas em volta de um machado, foi um símbolo do poder conferido aos magistrados na República Romana de flagelar e decapitar cidadãos desobedientes. Eram carregados por lictores e poderiam ser usados para castigo corporal e pena capital a seu próprio comando. Mussolini adotou esse símbolo para o seu partido, cujos seguidores passaram a chamar-se fascistas.
O simbolismo dos fasces sugeria "a força pela união": uma única haste é facilmente quebrada, enquanto o feixe é difícil de quebrar. Símbolos semelhantes foram desenvolvidos por diferentes movimentos fascistas.
Portanto, quem desafia o facho, a união corporativa, apanha com toda a sua ira e impunidade.
Afinal, como o sistema judicial não admite julgamento externo, é inimputável. 

Convém lembrar que a nossa Constituição proíbe partidos com ideologia fascista, mas é perfeitamente tolerante com instituições de prática fascista, que aliás acarinha condescentemente. Aí se enquadra o respeitinho exigido a todos os que se dirigem à "autoridade".  
Como se poderá deduzir, não interessa se há alguma razão racional, porque há uma razão irracional, própria de qualquer bestiário, sem inteligência humana.

A força fascista, proclamada na união de muitos, em oposição à fraqueza de um só, está bem ilustrada neste caso. Não interessam outros argumentos, porque é uma simples luta de um organismo acéfalo que sobrevive enquanto corpo mantendo não a sua racionalidade, mas sim a coesão de grupo. Algo que não é apenas comum ao fascismo, foi igualmente usado e abusado noutras tendências políticas, nomeadamente no comunismo. É algo também característico de gangues, de claques, etc...

Terem aconselhado a investigadora a seguir tratamento psiquiátrico, para escapar à prisão, depois de lhe terem sido arrestados bens e casa, mostra bem os aspectos despóticos Orwellianos que vingam nas nossas instituições.

A investigadora está já presa em Tires.
Porém, a simples imbecilidade não liberta acusadores de se embrenharem numa perigosa prisão moral, de que dificilmente se conseguirão escapar, sem muito aconselhamento clínico, e ajuda dos próprios acusados. 
Até cair de rastos e implorar misericórdia, pela sua fraqueza racional, o facho não sucumbe sem exibir toda a sua força irracional.