quinta-feira, 31 de julho de 2014

Más Projecções

Projecção é uma palavra com um significado alargado.

Começamos com a geometria projectiva, e o problema da ilusão óptica.
Um exemplo conhecido foi criado por Escher, onde cada parte da imagem parece fazer sentido, mas a sua composição é completamente absurda.
Relatividade de M.C. Escher (1953)


A figura seguinte é outro exemplo conhecido, em que se cria a ilusão de uma representação 3D que parece bem desenhada localmente na imagem 2D, mas que não faz sentido globalmente.

Triângulo impossível (Reutersvard, 1934)

Curiosamente, foi criada em Perth (Austrália), um monumento 3D que permite ver esta ilusão:
Triângulo impossível (em Perth, Austrália)


Para além da curiosidade ligada à ilusão óptica, há algo mais geral que deve ser entendido daqui.
- uma soma de projecções locais correctas, não significa que depois faça sentido global.

Passamos ao outro sentido da palavra projecção, no sentido de previsão.
O problema é o mesmo... o facto de conseguirmos prever o funcionamento de cada parte não significa que consigamos prever o funcionamento do conjunto. No texto anterior (duplo corte) foi dado um exemplo - se era possível prever o comportamento dos electrões que passavam por um corte, já não era possível prever o que faziam em dois... porque dependia - se era visto ou não.

De que forma estes conceitos de projecção se ligam?
- No sentido geométrico há claramente um problema de dimensão - as representações em 2D, as imagens numa superfície, estão longe de reflectir a forma real em 3D, no seu volume.
A projecção perde uma dimensão e é ambígua - só vemos uma parte, e essa parte pode corresponder a vários objectos... porque desconhecemos o que se esconde por trás.
- No sentido temporal, o problema é idêntico.
Como?

A projecção que fazemos para o futuro é baseada no passado, e o passado que já aconteceu é apenas uma projecção (dita real) do que poderia ter acontecido... as restantes possibilidades são imaginárias.
No entanto, ao querermos passar para o futuro faltaria esse aspecto de dimensão extra, que encerra todas as possibilidades do que pode acontecer, e não o determinismo do que vai acontecer.
O futuro é o lado escondido do objecto, o lado que não poderemos detectar, por muito boa que seja a fotografia que tirarmos do passado. O objecto está lá "imóvel", mas a única coisa que podemos dizer é que pelo aspecto da fotografia do passado, deverá ser isto e não aquilo, mas sem mais certezas.
Foi este o aspecto inovador que a mecânica quântica trouxe à nossa percepção, mas que seria possível de entender, mesmo sem as experiências atómicas. A minha única objecção à interpretação corrente da mecânica quântica é a de que esse futuro não é incerto, é o único certo. A ideia de livre arbítrio é real pela imprevisibilidade na projecção do filme, mas isso não significa que o filme não esteja já feito. Tem que estar feito, porque fora do filme universal, não há nada, é o vazio... e por isso a criação é inerente.

"Projecção" tem ainda outros sentidos. Um deles é a "projecção no outro", ou seja, colocarmo-nos no seu lugar. Mais uma vez isto é uma visão parcial, porque pelo nosso conhecimento próprio não podemos antever as múltiplas possibilidades de raciocínio alheio. A fotografia que podemos tirar dos outros resulta muito das fotografias que conseguimos tirar de nós próprios imaginando outros cenários. 

Depois há ainda as projecções mais livres, em que certos "vega" pretendem uma projecção humana nos animais, entendendo-os de forma similar. Esse entendimento anula o conceito de animal, praticamente reduzindo todas as formas de vida a formas de vida humanas, encarnadas em diferentes formas. 
Nem se trata de dizer que pode ou não ser, o que é certo é que reduz todos os conceitos a um único... e de igual forma até as formas sem vida, poderiam ser projectadas como humanas - algo que fez parte da mitologia mais antiga, aplicada a fenómenos naturais. 
Assim, essas tendências, que procuram ser menos antropocêntricas, acabam por sê-lo mais do que as outras, já que apenas usam a manifestação humana para tudo. O facto de ser o seu entendimento subjectivo que conta, e não a interpretação objectiva dos outros, ainda os torna egocêntricos.

Projectar resulta da composição do prefixo "pro" com "jactar" de onde vem "jacto". 
Ora, jactar é lançar (como em "alea jacta est", os dados estão lançados). 
Projectar é assim lançar para a frente, ou para o futuro.
Rejeitar, que é desvio português de rejectar (inglês: reject), será lançar para trás.
Outras variantes são "dejectar" ou "enjeitar" ambas ligadas a lançar para fora.
Outra ainda está no "sujeitar" (inglês: subject) ficar abaixo do lançado, ou em "injectar" como inserir no jacto.
O jeito português misturou essas raízes... o jeito de lançar substituiu o jacto. 
Mas esse jeito de lançamento, provavelmente do dardo, ficou no gesto ou na gesta, e nalgumas povoações ainda se ouve o "ter jêto" em vez do "ter jeito".

Há assim o "projecto" que é pensado antes de enviar o "projéctil".
Esta ligação dos conceitos espaciais e temporais, fica num misto de coincidência e propósito.
Não posso dizer que seja propositada, porque nunca vi nenhum entendimento de que o passado é uma projecção do futuro... as coisas são vistas ao contrário - é do passado que se projecta o futuro.
No entanto, tanto podemos ver uma sombra como uma projecção do objecto, como a partir dessa sombra projectar o que será o objecto.

Como em múltiplas outras coisas, com que me venho deparando, é difícil distinguir se há um racional humano, ou se o racional está já num nível superior de ligação.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Nebulosidades auditivas (17)


Morcheeba - Otherwise

They wanted me here
Just to show you my face
But when it comes to the crunch
I just hide in disgrace
You're calling me mad
But I know you're the same
Cause you got to be seen to be playing the game
Yes we got to be seen to be playing the game

It ain't gonna hurt now
If you open up your eyes
You're making it worse now
Everytime you criticise
I'm under your curse now
But I call it compromise
I thought that you were wise
But you were otherwise

A specimen like you
I would love to obtain
I asked a tedious guy if he'd tell me your name
I'd love to impress you
With a back sumersault
I wanna take up your love
But it's locked in a vault
I wanna take up your love
But it's locked in a vault

It ain't gonna hurt now
If you open up your eyes
You're making it worse now
Everytime you criticise
I'm under your curse now
But I call it compromise
I thought that you were wise
But you were otherwise

When I open my mouth
I'm so brutally honest
And I can't expect that kind of love from you
When you open your mouth
Your teeth are beautifully polished
And I can't extract the pain you're going through
No I can't explain
The pain you're going through

It ain't gonna hurt now
If you open up your eyes
You're making it worse now
Everytime you womanise
I'm under your curse now
But I call it compromise
I'm under your curse

It ain't gonna hurt now
If you open up your eyes
You're making it worse now
Everytime you criticise
I'm under your curse now
But I call it compromise
I thought that you were wise


But you were otherwise

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Aviam avião MAS 17

Um dos aviões seguintes é o Boeing 777-200 ER que se perdeu no Golfo da Tailândia.
O outro é o Boeing 777-200 ER que foi abatido sobre território ucraniano.



Qual é qual?
É difícil dizer, porque são praticamente idênticos, já que o modelo é o mesmo e estão pintados pelas mesmas cores da mesma companhia aérea. Ambas as fotos são de 2011, uma em Roma, outra em Paris.

A Malaysia Airlines teria 13 ou 14 destes aviões, numa frota de 92.
Quer na rota Kuala Lumpur - Amsterdão, de longo curso, quer na rota Kuala Lumpur - Pequim, de médio curso, foi usado o mesmo modelo (que é mais comum para longo curso).

Quando escrevi aqui o texto Aviam avião MAS 370, não poderia pensar que estaria 4 meses mais tarde a escrever outro semelhante, mudando apenas o número do voo - que de 370 passou a 17.

No ano passado, anunciava-se que a probabilidade de morrer num acidente de aviação era de 1 em 11 milhões. Não chegava à probabilidade de ganhar o Euromilhões (que é de 1 em 116 milhões), mas era menor do que ganhar o 2º prémio (que é de 1 em 6 milhões). Nos sites de curiosidades, afirma-se que é menor do que ser atingido por uma peça de um avião.

Pois bem, não é exactamente a mesma coisa pessoas e aviões, até porque apenas estão registados cerca de 200 mil aviões. De qualquer forma, a probabilidade de 2 aviões da mesma companhia desaparecerem por razões completamente distintas, deverá ser muito inferior à probabilidade de uma pessoa ser atingida por um raio.
Pode ocorrer, mas ninguém vê isso como uma ocorrência verosímil.

Acrescem alguns detalhes:
  • Fevereiro, 24: A crise da Crimeia estala e ameaça alastrar-se à Ucrânia russófona.
  • Março, 6: O referendo antes anunciado para 30 de Março passa para 16 de Março.
  • Março, 8: O voo MAS 307 desaparece sem rasto.
  • Março, 17: Realizado o referendo, a Crimeia é nesse dia integrada na Rússia.
  • Julho, 17: Cai o voo MAS 17, que sobrevoava a região ucraniana em conflito.

Quais são os voos civis que passam pela zona de conflito que se previa ocorrer na parte de Donetsk?
- Uma boa parte deles têm como destino a Malásia.

Quem é o destinatário de toda a pressão internacional, pela queda do avião?
- Mais que os separatistas... é a ambição de Putin sobre a Ucrânia. Como não associar Putin ao uso de um míssil rebelde e a queda do avião?

Portanto, se já é improvável os dois vôos caírem, mais improvável fica que os eventos que ocorriam na queda de um se venham a ligar na queda do outro, por coincidência de datas e da rota dos aviões malaicos sobrevoar aquela zona da Ucrânia.

Até aqui ficamos apenas no campo das probabilidades.
Porém não parece haver nexo entre a razão de um e a razão de outro incidente.
Que história se poderia conceber para tal acto?

Pois bem, como assacar culpas por derrube de um voo civil, sem causar vítimas?
Sabemos que há muita imaginação, não só nos serviços secretos, mas também em quem vê de fora.

Que tal fazer desaparecer misteriosamente um voo, de forma a que não se encontrasse o aparelho.
O aparelho ficava então a serviço para qualquer objectivo.
Como o objectivo é não fazer vítimas, colocam-se cadáveres no avião.
Com telecomando leva-se o avião na rota comercial prevista, e lança-se um míssil russo (disponível no mercado, quer aos separatistas, quer aos ucranianos, ou outros). 
Bom, e as pessoas desaparecidas? Poderiam ou não entrar num "programa de testemunhas"... livrando-se de morte certa, o seu compromisso com a vida é ficar de "bico calado". São colocadas separadamente em diversas cidades, e ficam agradecidas por terem direito a uma segunda chance.

Isto é uma possível história, há muitas outras.
Podemos encarar como verosímil que os separatistas abatessem um avião desconhecido, arriscando a ira de Putin, se abatessem um aparelho russo com as próprias armas russas... podemos pensar que os ucranianos voltaram a abater acidentalmente um aparelho civil (como no caso do Siberia Airlines 1812), ou que Putin perdeu a cabeça e decidiu disparar contra um aparelho civil.
Estas teses têm adeptos no jornalismo habitual... porém nada disso explicaria a coincidência macabra sobre os voos malaicos. 
Ao contrário, aquela pequena historieta, acaba por explicar tudo... escolha-se o que é mais verosímil.

domingo, 20 de julho de 2014

Duplo Corte

Parece normal que, na intimidade, nos comportemos de forma diferente, se soubermos que estamos sob mira duma câmara paparazzi...

Certo. Porém, ninguém vai acreditar que uma bola de futebol altere a sua trajectória, pelo simples facto de ser ou não fotografada. Também ninguém acredita que uma máquina funcione mal, mas se começarmos a gravar para mostrar, ela passe a funcionar bem.
Já ocorreu uma máquina não funcionar, mas quando levada para reparação, funciona bem?
Pois bem, acontece isso com electrões!

Uma experiência de difracção com duas fendas foi realizada com electrões... e surpresa:
- o resultado será diferente consoante a intenção do observador!

Uma boa explicação da Experiência da Dupla Fenda (T. Campbell)
Outras alternativas:

Não é brincadeira, é talvez a experiência mais intrigante da história da Física... 
As mais pequenas partículas, os electrões, comportam-se diferentemente consoante o registo feito.


Dupla Fenda
Se não houver registo, os electrões comportam-se como ondas.
Se houver registo, os electrões comportam-se como partículas.

Entretanto, isto tem levado a especulações filosóficas:



Bom, o problema está aí para ser visto.
Se é ignorado, é porque a "Ciência" gosta de esconder gatos, mesmo o de Schrödinger
Porém, deixou aqui o rabo de fora, para ser visto.
O que se passa, afinal?

Aceitar que as partículas se comportam de forma diferente se estivermos a registar o seu percurso, é quase como entender que as pessoas se comportam de forma diferente se souberem que estão a ser seguidas ou não. 
Porém, como não se associa nenhuma consciência aos electrões, que são as mais pequenas partículas, a Física ficou com um problema que não tem explicação fora de alguma interpretação filosófica/mística.
Surgem assim variadas interpretações.
Ao que é dito, não é apenas o acto de observar que influencia a experiência... é o registo que vai ser feito.
Pior, como as partículas chegam à tela mesmo antes do registo, os electrões já sabem qual é a intenção do observador.

A analogia é a seguinte. Suponhamos que as partículas são pessoas a passar por duas portas.
Uma coisa é dizer que as pessoas/partículas perante controladores nas portas seguem em frente, e se eles não estiverem lá interagem e dispersam-se. Pior, é dizer que as pessoas/partículas topam o esquema e só seguem em frente se o controlador tirar fotografias a sério. Mas algo ainda mais surpreendente, será as pessoas/partículas dispersarem prevendo que as fotografias não vão ser vistas. E isto é feito uma a uma.
Como pode cada partícula saber do futuro registo, sem visitar o futuro?

Pois, estas constatações da Mecânica Quântica abalaram a Física, a Ciência e o senso comum.
Uma das explicações que vemos nos vídeos é a ideia de que há uma consciência universal das partículas, e umas "sabem" o que as outras irão fazer... ou seja, "as pessoas conhecem os controladores". Nessa perspectiva, todo o sistema interage nessa consciência universal, que pode até ser vista como sendo manifestação divina.

Há uma outra explicação simples, enquadrada exactamente no que tenho vindo a expor nos últimos anos. 
Ou seja, que o futuro já se cumpriu... (o que não significa que já aconteceu!)
O que significa é que as coisas que ocorrem hoje têm a ver com a viabilidade universal no futuro.
Outras hipóteses, sem viabilidade consistente no futuro, não ocorrem no presente.

Ou seja, se houvesse um registo das pessoas/partículas que dispersavam, isso revelaria pessoas diferentes, ou electrões diferentes... revelaria quem ia para um lado e para outro. Ora, os electrões são iguais, e por isso seria inconsistente. Os electrões querem manter-se no anonimato quando dispersam, quando "quebram a lei", não querem mostrar como quebram a lei... porque não há nenhuma lei individual. 
Há apenas uma lei estatística, quando não são controlados. 
Quando são controlados, ficam previsíveis, seguem em frente "em rebanho". Quando não são controlados há um caos individual que entra - não se sabe onde vai parar cada um, mas sabe-se no final qual vai ser a distribuição aproximada. 

Como nas estatísticas de um supermercado - sabemos que 90% das pessoas escolhem o produto promocional, mas há 10% que não. Os mais controleiros querem saber quem são os 10% que fogem ao padrão. Porém, o que os electrões nos ensinam é que, havendo controlo, todos escolhem o mesmo, e acaba-se ali o controlo.
Como podemos saber que há controlo?
Aquilo que os electrões "nos dizem" é que podemos ficar descansados - nós não sabemos, mas eles sabem!
O universo em que os controleiros venceram, não é o nosso universo.
Aquilo que os electrões nos dizem é que temos "liberdade individual"... mas esse caos de escolhas não é completamente caótico - só podemos fazer as escolhas que não destroem o equilíbrio do universo. O caos local que entra tem alguma ordem global.

Como tem isto sentido científico?
Tem, não tirando o observador da observação, conforme a Ciência gosta de fazer.
Se o electrão é controlado individualmente, deve comportar-se na lei como uma partícula.
Se o electrão é apenas controlado estatisticamente, pode comportar-se como uma onda de probabilidades. 
O caos é convidado a entrar, entra o imprevisível, entram na observação os universos em que o electrão não seguia a direito, com a lei previsível. Porém o imprevisível não entra para destruir todo o nexo, segue um comportamento probabilístico, para uma boa repartição estatística, na forma de "onda".
Esta dualidade partícula-onda permite a lei da partícula, e a lei global de onda, mas com um elemento local caótico.

A teoria dos vários universos é probabilisticamente correcta.
A partícula/electrão só tem que seguir a direito se todos os universos obrigassem a que ela seguisse a direito.
Ora, pensar nessa limitação, é limitar as possibilidades à lei.
Assim, no universo em que estamos, há essa ordem de seguir a direito... mas essa ordem pode ser quebrada pela interacção. Neste caso, na interacção resultante de duas fendas... mas manifesta-se em toda a interacção de partículas. Portanto, os universos que "quebram as regras" vêm do Caos visitar-nos, mas com o compromisso de se "portarem globalmente com ordem" - para que se não instale globalmente o caos.

A concepção de tempo é que está normalmente incorrecta.
Ou seja, é difícil aceitar que o futuro já se cumpriu, e que estamos no comboio que não saiu dos carris.
Todos os outros universos, mais tarde ou mais cedo, acabaram por sair dos carris.
O que significa "sair dos carris"?...
Bom, significa "sair do cá ris", do caminho do rio... do corte do Tajo.
Podemos colorir o desenho como quisermos, mas a história será a mesma.

O observado não existe sem o observador, por muito que Einstein dê voltas na tumba.
Sem nenhuma consciência que o registe, tudo o resto é vazio até ser descoberto.
Dizer que não é, é apenas uma crença inverificável até ser registada.
O universo sem observadores seria vazio de existência.
Por isso, o universo em que estamos não se desliga de quem o vê. Foi feito para ser visto.

Agora, há muitas maneiras de ser visto... mas só uma que nos inclui.
Por isso, cada decisão que tomamos é a decisão certa neste universo, ainda que a nossa compreensão para tal seja sempre insuficiente... porque a compreensão de tal só se faz pelo futuro inacessível.

Não poderíamos ficar num universo bem ordenado, onde o Caos não tivesse lugar... o caos tem que aparecer, todos os filhos de Gaia têm que ser vistos, a seu tempo.
Esse era o problema de Gaia - a ordem que Úrano trazia apenas iluminaria uma parte do Caos, deixaria nas trevas todos os filhos que fugiam a essa ordem.
O corte temporal de Cronos castrou a reprodução de universos. Cada universo é uno na sua sequência temporal... e o problema de Raia é que tal cisão engoliria o passado. Com Zeus, a imprevisibilidade temporal, o caos do tempo atmosférico, permitiria vislumbrar que o caos reemergiria pela ordem. Ou seja, a imprevisibilidade permite considerar que não é nula a possibilidade de revisitarmos um contexto passado.

E é esse o ponto principal... nada é fisicamente impossível, desde que o Caos possa entrar.
Porém, não pode entrar de qualquer forma - se não há regras locais, há regras globais de equilíbrio.

Nicky Romero - Toulouse.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Corte do Tajo

Tajo é o nome do rio Tejo em Espanha.

O Tejo faz o corte fluvial mais significativo na península ibérica.

Canhão do Alto Tejo - Parque Natural del Alto Tajo
(onde são ainda mais profundos os canhões do afluente Gallo).


Tajo, em espanhol, significa corte profundo, feito com um instrumento afiado.

Museu de Belas Artes, Buenos Aires

Denotando o carácter de corte profundo, o impressionante desfiladeiro de Ronda é também chamado "El Tajo". Toponimicamente podemos ligar assim o nome Tajo a uma menção a grandes desfiladeiros, gargantas profundas.
Porém, isto não parece ser propriamente característica comum do Tejo no seu curso actual, a menos que sejamos remetidos à sua origem no Alto Tejo espanhol. No entanto, os desfiladeiros no curso inicial dos rios não são incomuns, e o Tejo não parece ser nada significativo nesse aspecto. 
Digamos que Tajo seria uma designação apropriada para o Rio Colorado, com o seu corte distinto celebrado nos profundos canhões, até que desagua no Golfo da Califórnia (que foi chamado Mar Vermelho).
Por outro lado, pensar que o Tejo chegou a ser parecido com o Colorado, remeter-nos-ia para tempos demasiado remotos, onde dificilmente encontraríamos presença humana, quanto mais língua espanhola!

Em português, o nome Tejo não tem nenhum substantivo associado. Uma derivação habitual é considerar a passagem do "j" espanhol a "ch", levando de Tajo a Tacho... Porém perderia largamente o significado original, mesmo que os melhores tachos se encontrem em Lisboa, ou ainda que houvesse taxas à entrada do rio. Por outro lado, ao colocarmos algo no prego, mesmo que invoquemos as tachas por semelhança às taxas, uma tacha dificilmente fará um corte profundo - isso será mais coisa de cravo (... e quem crava não paga taxa).

Raia
Bom, mas interessa o corte.
O corte no feminino levou à corte pelo masculino.
Desde o cortejar cortesão na corte, à simples corte no cortejo.

Quando Cronos usou a foice adamantina, foi-se a genitália de Urano, e deu-se o corte cronológico.
Abriu-se uma fissura entre passado e futuro, e como o tempo abre esse caminho, é um corte que abre e não sara. Sarando, seria o deserto estéril do fim temporal. Somos escravos de achar o futuro.

Cronos foi traído por Raia, talvez por engolir os filhos no passado. 
Ao tempo de Cronos, sucedeu o tempo de Zeus.
Cada um a seu Tempo, o tempo cronológico a Cronos, o tempo atmosférico a Zeus.
Da mãe Raia, Zeus herdou os Raios e as Rajadas. O outro tempo ficou nas Eras de Hera.
Se Cronos fizera o corte temporal, Raia definia o corte espacial, na fronteira raiana pelo corte geográfico, na linha do raio que cruza os céus, na direcção de rajada de vento, ou no abrir de rachas em rochas.
Se o corte temporal avança a passo ordenado, o corte espacial pode ser caótico, imprevisível.

A Raia colocam-se vários cenários temporais, que questionam a sua unidade.

(i) No primeiro cenário, o corte estava contido em si. A abertura caótica no mundo ordenado seria limitada a manifestações de leis físicas internas.
(ii) No segundo cenário, a evolução animal permitiu chegar aos limites do mundo ordenado, previsível, abrindo uma brecha que ia além do limitado. Com o Homem, as noções externas, abstractas, vindas do caos infinito, não presentes na natureza, podiam entrar e manifestar-se na ordem interna.
(iii) Essa abertura alargou, e o artificial humano passou de corte a cortina, ameaçando uma invasão externa do mundo interno. O homem na sua acção de erguer, erigir, deixa entrar o caos e ameaça o natural. 

Na sua escolha de cenários, Raia procura preservar-se.
A contenção do caos levaria a um mundo congelado na previsibilidade.
A abertura ao caos levaria a uma desordem completa, congelado por uma ausência de nexo.

A medida é o rio, de rir. É o caos, o absurdo, que alimenta a água desse rio, desse rir, mas deve estar contido nas margens. Porque, doutra forma, a abertura do estuário teme a entrada de um mar de caos.

Assim, Raia vê os diversos mundos, os diversos cortes do rio, e pode ser dominante nos mundos onde procura cortar o corte prepucial... mas esses são mundo congelados pela sua previsibilidade, onde o rio do caos secou, e já não há riso. Nos mundos onde o rio corre, onde deixa entrar o caos, vê-se como uma criança insegura, com medo da subida das águas.
Enquanto for Raia, pode ver todos os mundos possíveis, todos os cortes, todos os rios, até ter que embarcar num deles. Só aí será Maia. De entre todos os cortes, tem que escolher um, um rio que se mantenha rio, que não transborde, nem seque. Tem que se fiar que a garganta cavada por um fio de água sabe o caminho para o mar.

Povo que lavas no Rio. António Variações.