segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Arde Portugal

15/16 de Outubro de 2017 - vaga de incêndios nacional ( com pelo menos 6 mortos, 36 mortos)

Há um poder em Portugal que usa o fogo como meio de combate... muito provavelmente em ambos os sentidos - tanto promove o seu combate como provoca o seu início.
Quer queiramos, quer não, essa é a explicação evidente de como surgem mais de 500 ignições num dia, em quase todo o país a norte do Tejo, num dia de Outubro, quente, mas nem por isso mais quente que tantos outros dias nos meses anteriores. 
Que a investigação policial e judicial continue a tudo remeter para calendas gregas, e não procure uma causa única para uma coordenação de tantos focos de incêndio isolados, indicia que esse poder submerso tem muito mais poder do que aparenta.
Que o assunto tenha chegado a este ponto de desespero, pode mostrar que esse poder, está a ser acossado mais do que nunca tinha sido antes... A partir deste ponto não é só a "protecção civil" que se revela como uma subestrutura partidária sem qualquer nexo, são as próprias organizações de bombeiros que falham persistentemente. 
No ponto actual, não é difícil concluir que a única estrutura social que funciona contra os incêndios, é a solidariedade das populações, e a ajuda de bombeiros, guardas, etc, parece essencialmente pontual, e mais eficaz quando actuam fora da cadeia de comando.


Adenda (um dia depois) 17/10/2017, 3h00 :
Este texto é escrito na madrugada seguinte, com mais 30 vítimas contabilizadas, e cuja totalidade irá provavelmente passar as 40 vítimas, dado o número de feridos graves e sobretudo os 7 desaparecidos, podendo aproximar-se de 45.
Alguma chuva terá entretanto caído, e os incêndios terão tendência a terminar. No dia de ontem, quando escrevi este texto, eram 6 as vítimas mortais, mas tudo indicava que a contagem seria semelhante, ou pior... à de Pedrogão, porque o problema estava espalhado por vários distritos - Leiria, Aveiro, Coimbra, Viseu, Guarda, Braga, etc. Pior, com tal dispersão, as populações ficaram praticamente sozinhas a combater os incêndios nas suas aldeias. Pior, já não eram apenas aldeias - em Tondela, Gouveia, Oliveira do Hospital, etc. o fogo tinha tocado os limites das vilas, e cercava diversas auto-estradas, nomeadamente a A17 e A25, com relatos assustadores.
O ponto principal do governo era já a protecção da "protecção civil", e nada augurava nada de bom, conforme se viu.

Tão estranho quanto é estranho, não vermos os bascos acompanharem a luta dos catalães, vemos os galegos na rua a protestarem contra a inoperância do governo galego num incêndio que tomou 4 vítimas, e os portugueses silenciosos perante dois incêndios que, na totalidade, já tomaram mais de 100 vítimas mortais. A protecção governamental está assegurada, e quem pense que estas manifestações surgem do nada... ainda acredita na geração espontânea, e também na geração espontânea de incêndios!

sábado, 14 de outubro de 2017

2049, Los Angeles, duplicado

Fui ver a nova versão do Blade Runner, colocada em 2049, em Los Angeles.

Acontece que o número 2049 em Los Angeles está associado a um grande empreendimento feito em 1975, as Century Plaza Towers com os números 2029 e 2049 do Century Park...
São uma cópia menor das torres gémeas do World Trade Center, de Nova Iorque, inauguradas dois anos depois, em Los Angeles, pelo mesmo arquitecto - M. Yamasaki, mas com menos de metade da altura das irmãs nova-iorquinas, feitas em 1973.
2049 Century Plaza Towers, Los Angeles

Como a moda de erguer duas torres iguais foi tão repetida, ao ponto de se tornar maçadora, sinalizo apenas que os filmes Blade Runner são da Warner Bros e não da 20th Century Fox, dona dos terrenos da Century City, onde se encontra empreendimento (que agora é 21st Century Fox, com sede em Manhattan, também numas torres gémeas...)

Quanto ao filme, e não querendo fazer aqui nenhum spoiler, é bastante mais enfadonho que o primeiro da série, chegando a parecer um filme intelectual francês ou russo, com quase 3 horas.
Denis Villeneuve, canadiano, tinha realizado já o "Homem Duplicado" (uma adaptação do romance de Saramago), ou o "Primeiro Encontro" (ou "A Chegada", The Arrival), ambos bastante mais conseguidos, na minha opinião.
Aqui o ponto centra-se na validade das memórias dos replicantes, mas o assunto é mal explorado, talvez por falta de um bom argumento, como era o de Philip K. Dick.
O ponto é que a validade das memórias é remetida para a memória dos outros, sobrepondo-se à memória do próprio, apenas porque sim!
No caso do filme original, o ponto fulcral do argumento era a memória do próprio ser questionada por ser conhecida dos outros, da corporação Tyrell, mas também Philip K. Dick não entrou no assunto desse conhecimento poder resultar doutra forma. Numa sociedade cada vez mais vigilante, onde todo o percurso e conversas são registadas, não será difícil saber quais são as memórias mais significativas de cada um (em vários casos, basta ler o seu facebook), e argumentar que tais memórias são implantadas, fazendo o próprio duvidar do que experienciou.
Tal como no assunto do Homem Duplicado, quem expor demasiado a sua vida, ao ponto de tornar o seu interior como exterior público, no limite corre o risco de ser questionado ou duplicado. Afinal, quando os pensamentos mais íntimos, são partilhados com amigos ou psicólogos, deixam de ser íntimos, e passam a ser propriedade "pública". Num outro sentido, que Saramago não explorou, acontece o mesmo, ainda mais facilmente, sobre a pessoa que se fecha em demasia... porque conhecendo-se pouco, sem dificuldade a sua escassa parte pública poderá ser duplicada por qualquer outro replicante. À parte a questão das memórias, o filme pisa praticamente os mesmos passos do anterior, faltando-lhe muito de original.


sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Nebulosidades auditivas (51)

The missing boy... Ainda antes de 1992, para os Jogos Olímpicos que iriam decorrer em Barcelona, juntaram-se Freddie Mercury e Montserrat Caballé, num par improvável que juntava um dos mais famosos cantores pop, vocalista dos Queen, e a reconhecida soprano de ópera - foi há 30 anos, em Outubro de 1987.
Como Freddie Mercury morreu em Novembro de 1991, não foi possível a performance do duo na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos, passando apenas o vídeo. O som mantém-se impressionante, e este vídeo mostra bem as chamadas Torres "gémeas" venezianas, de que já falámos.


As montanhas de Montserrat... O nome "Montserrat" é tipicamente catalão, devido a uma formação montanhosa com o aspecto de dentes de uma serra, o que impressiona um visitante que chega de carro, vindo de Andorra, como foi o meu caso em 1993.

As montanhas de Montserrat, perto de Barcelona.

O nome é popular também pelo Mosteiro de Santa Maria de Montserrat, sendo associado à lenda arturiana do Santo Graal, e contendo uma imagem icónica de Virgem negra, cuja história é muito semelhante à história que também encontramos no Círio da Nazaré - uma escultura que teria chegado à Hispânia vinda de Jerusalém, e que foi escondida em Montserrat em 718, aquando da invasão muçulmana. Em 11 de Setembro de 1881, por via desta imagem, o papa consagrou Santa Maria de Montserrat como padroeira da Catalunha, tendo por isso ficado Maria de Montserrat um nome comum entre as mulheres. catalãs. Reporta-se que já em tempos romanos, seria um local dedicado ao culto de Vénus.

Em 1493, num ano em que Fernando de Aragão e Isabel de Castela formalizavam a união entre os dois reinos ibéricos, Colombo na sua segunda viagem caribenha encontrou uma ilha que designou justamente Montserrat, em homenagem à Virgem Maria de Montserrat.

O Mercúrio de Almadén... pelo lado de Mercury, neste dueto comercial, surge uma das minas mais antigas do mundo, e o maior jazigo mundial para a extracção de mercúrio, que se situa em Castela, na cidade de Almadén, e é um dos patrimónios UNESCO.

domingo, 1 de outubro de 2017

Votos para a Catalunha

Uma coisa é um tribunal espanhol declarar ilegal o referendo que pergunta:
- Quer que a Catalunha seja um estado independente na forma de uma república?
... outra coisa completamente diferente é o estado espanhol proceder, num desenquadramento total da democracia, inclusivé com repressão policial, ao tentar evitar que as pessoas se dirijam a escolas, e outros locais, simplesmente para colocar um papel numa urna.

Os primeiros confrontos da manhã, já são fotografias partilhadas na comunicação social:
Confrontos da polícia com votantes, na manhã de 1 de Outubro, Barcelona (imagens)

Há formas mais e menos inteligentes de actuar...
De uma forma ou de outra, este referendo na Catalunha tomou os noticiários como primeira página internacional, e já se tinham realizado outros referendos com propósito análogo (em 2014), que tinham passado completamente despercebidos. Assim, o governo catalão terá conseguido um eco ímpar para o seu propósito - marcar a independência catalã como um dos temas correntes mais importantes da política internacional.

Os votos não precisam de ser contados para sabermos o resultado - o voto na independência será esmagador, até porque quem não quer a independência provavelmente nem sequer irá votar, porque não dá significado, nem concorda com o referendo. 
Também não é díficil saber quem está a favor (ou seja, mais as famílias de origem catalã), e quem está contra (ou seja, mais as famílias com origem noutras regiões de Espanha)... o que irá dividir ainda mais a sociedade na Catalunha. 
Resta apenas saber se o nível de participação será suficiente para se poderem tirar conclusões... ou seja, se o número de votos "sim" se aproximará da metade da população votante da Catalunha. É neste campo que Madrid tentou fechar, e condicionar a votação, o que dará armas retóricas aos independentistas, mesmo se tal não acontecer.

O que poderia ter feito Madrid? 
- Haveria múltiplas possibilidades, uma das quais, a mais simples de todas - realizar um referendo a nível nacional ao mesmo tempo! 
Ao invés de serem apenas os catalães chamados a decidir sobre a sua independência, todos os espanhóis teriam oportunidade de o fazer. Os espanhóis, em vez de ficarem em casa impotentes a assistir às imagens conturbadas do referendo catalão, teriam oportunidade de se pronunciar contra a independência catalã, dando força à decisão de Madrid, e diminuindo a importância do resultado exclusivo da Catalunha. Seria uma arma política que Madrid poderia usar... assim, o governo madrileno ficará sozinho nas suas decisões.

Convirá notar que nada parece preparado para um esboço de independência catalã - começando logo pelo simples facto da polícia local catalã - os "Moços de Esquadra", ficar ameaçada judicialmente de desobediência ao estado espanhol, por não reprimir o acto eleitoral, como o fez a polícia nacional.
Como a Catalunha não possui uma constituição ou tribunais independentes do centralismo espanhol, vê-se dependente dessa legislação, e da imposição dela, feita pela polícia nacional... que até outra notícia, tem liberdade de acção na Catalunha. Isto para não falar no exército... já que o único existe é o exército espanhol.
Numa situação destas, o estado espanhol procurará cada vez mais evitar protagonismo de catalães, bascos ou mesmo galegos, na hierarquia do funcionalismo público, e tentará fechar-se cada vez mais num protagonismo castelhano. Por outro lado, na Catalunha, todos os lugares públicos terão a mesma tendência, de protagonismo externo, por influência de Madrid, e de protagonismo interno, por influência de Barcelona. A sociedade espanhola tenderá a dividir-se e a desconfiar mais de si mesma.

Por isso, seria pouco mais do que retórica, se fosse feita uma declaração de independência unilateral, quando no território catalão o único poder de força física e legal é controlado por Madrid... e os responsáveis catalães tendem a ficar a falar sózinhos, se não seguirem por uma via mais radical, ou serão decepcionantes e irão passar por fracos, ou até traidores, mesmo que consigam algum acordo vantajoso negociado com Madrid.

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Resultados: (3h00, 2/10/2017)
Os resultados foram conhecidos já no início do dia seguinte, mostrando que os votantes não atingiram a metade dos eleitores catalães: 2,020 milhões de votos "sim" num total de 2,242 milhões de votantes... o que deu uma esperada maioria esmagadora de 90%, mas sendo apenas 42% dos 5,343 milhões votantes potenciais, levará a que o resultado não seja considerado suficientemente vinculativo - por quem quiser alinhar por esse argumento.
Como bastaria juntar a este valor meio milhão de votantes "não" para manter uma esmagadora maioria, e assim obter o quórum para metade dos votos do colégio eleitoral, o governo catalão poderá argumentar que estes votos são suficientes para concluir... e tudo se resume a um agremiar de vontades dentro da sociedade catalã, para efectivar passos seguintes, sendo claro que já ninguém na Catalunha duvida da vontade clara de independência... seja essa vontade mostrada com um cravo vermelho ou não.
Os argumentos de "legalidade" invocados por Espanha, e pela maioria dos estados europeus, que procuram lavar as mãos do problema, rondam a imbecilidade política. A legalidade resulta de leis, aprovadas por políticos, e só são consideradas leis universais as resultantes da "declaração dos direitos do homem" - e se houve alguma violação desses direitos fundamentais foi feita por um impedimento policial de cariz violento, com quase 900 feridos, visando impedir uma votação.
O resultado poderia ser ilegal à luz castelhana, mas isso deveria apenas significar a inutilidade da votação, e nunca o impedimento da sua realização. O governo de Madrid misturou tudo na sua imbecilidade.
A constituição espanhola... é, como o nome indica, "espanhola"! Pouco importa que também tenha sido aprovada na Catalunha, porque nunca foi opção referendada ficar ou sair de Espanha.
O problema é a simples não identificação dos catalães com o estado espanhol, castelhano, algo que tem o sentido mais profundo enraízado numa cultura e língua diferentes, algo que os portugueses melhor que ninguém deveriam entender.
Neste momento a Catalunha pode ser considerada violentada pelos castelhanos de Madrid. Continuará a ser indiferente aos espanhóis dizerem que os catalães puseram os pés fora da legalidade espanhola, porque os catalães já há muito que estão com a cabeça fora de Espanha.

A Espanha continuará a insistir na indissolução de um casamento medieval de 1493, argumentando que o divórcio é proibido pela constituição, mas já há muito que perdeu o amor da Catalunha, e não é certamente com vergastadas policiais que o conseguirá, e também duvido muito que neste momento "presentes caros" resolvam o problema... até porque tem outras consortes (País Basco, Galiza e Andaluzia), que aguardam o desfecho deste episódio do mau humor do violento esposo castelhano.