quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Cá tá a Luna

Os resultados contados às 21:00 (hora Barcelona) segundo o Diário de Girona:
... previam uma maior vitória dos independentistas, que ainda assim conseguiram uma maioria de 70 lugares contra 65, apesar de terem menos votos expressos: 

Resultados finais (1h08 de Barcelona).

Os independentistas venceram de novo, apesar do partido mais votado ser o Ciudadanos, liderado por uma andaluza residente há 10 anos em Barcelona, o que torna mais caricato o resultado eleitoral. 
O PP terá perdido 8 deputados para o Ciudadanos, e sem 6 desses deputados o Ciudadanos teria ficado em 3º lugar, o que torna a sua vitória uma mera contagem, sem significado real. O mesmo não se poderá dizer do número de votantes - os independentistas conseguiram 47.5% não chegando a metade dos votos, numa participação eleitoral que teve mais de 80% dos votantes.

Numa situação, algo similar, ainda hoje quase metade dos habitantes de Riga, capital da Letónia, é de origem russa, e caso semelhante acontece em Talin, na Estónia. Isto, porque a Rússia quando anexou os estados bálticos, achou boa ideia "colonizar" o território com população de origem russa.
Uma forma do "país invasor" condicionar a expressão da vontade independentista local, é fomentar a deslocação de populações. Por isso numa Convenção de Genebra ficou escrito que:
"A potência ocupante não poderá deportar ou transferir parte 
da sua população para o território que ocupa."
A situação não é bem a mesma. Aqui, mais por razões económicas, uma parte considerável da população residente em Barcelona tem origem noutros territórios espanhóis, nomeadamente da Andaluzia. Mas para evitar o problema com os russos residentes nos estados bálticos, não foi concedida nacionalidade a uma grande parte destes... com muito mais do que 10 anos de residência aí - afinal, um pequeno detalhe que não preocupa a UE.

Ainda assim, com um parlamento de novo dominado pelos independentistas, conforme seria expectável, se Madrid não exagerasse na trafulhice... parecem ter-se acabado ao governo espanhol os argumentos legais para resolver o problema catalão. No máximo poderá continuar a convocar eleições, até que o resultado mude, ou então poderá tentar a última manobra - efectuar um referendo para a independência, segundo os seus moldes. Esta última hipótese será ainda tentadora, porque em número de votos, não houve vitória independentista clara... 

Agora, a Espanha fica com o mesmo "pequeno" problema político e jurídico por resolver...  pelo lado jurídico, os vencedores independentistas estão presos ou exilados, com ordem de prisão; pelo lado político, a Espanha esgotou os elementos jurídicos, isto se quiser respeitar o resultado democrático eleitoral.
O solstício de inverno apareceu hoje depois da Lua nova.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Eutanásia

Apareceram de novo discussões públicas sobre a eutanásia, que poderá ser alvo de referendo ou legislação próxima
A palavra tem raízes gregas de eu+thanatos, ou seja boa+morte. É curioso que o elemento "nato", referente ao nascimento, apareça na palavra morte "thanato", tal como é entender "eu" como "bom".

O que se entende por "boa morte", tem muito a ver com os entendimentos pessoal e comunitário.
Aparentemente ninguém pede para nascer, mas há quem peça para morrer.

Se o próprio tem a faculdade de escolher, o pedido pode parecer não fazer sentido, mas certamente faz em casos extremos. O problema tem abordagens simplistas, que consistem essencialmente em atender a súplicas desesperadas, ou então na recusa peremptória em decidir pela morte doutrem.

Deixo aqui o meu entendimento pessoal.
Para se falar de morte, convém entender a oposição, a vida.
A vida é uma experiência comunitária, começando pela sua origem, que resulta normalmente do entendimento entre duas pessoas de sexos opostos. Logo aqui entra a diferença entre o plano natural, e o plano humano, que o tende a distorcer. Mas não vou dissertar agora sobre isso, até porque a criação do ovo resulta de três intervenientes - os elementos masculino e feminino, e o "acaso".

Interessa que a criação de vida humana não é uma decisão unilateral, não é autogénese, pressupõe a existência de entendimento a dois, e mais que isso, pressupõe entendimento numa comunidade funcional onde o nascituro se irá desenvolver. 
A simples conclusão que quero sublinhar é que o indivíduo não nasce sem alguma comunidade funcional que o envolva. Por muito atroz que seja essa comunidade, o indivíduo só nasce se há alguém que tolere a vida nela. 
Por exemplo, os filhos de escravos nasciam, não apenas porque alguns dos escravos toleravam a condição, mas também porque os seus "senhores" toleravam (e fomentavam) essa forma de vida em comunidade. A comunidade era até certo ponto funcional, e soube pelo menos evoluir da condição de escravidão a uma condição de dependência financeira, razoavelmente mais pacífica.

Um principal objectivo do indivíduo é avaliar o mundo em que nasceu.
Se todos os humanos concluíssem que a vida neste mundo não valia a pena, pois a sua melhor decisão seria, pelo menos, não trazer novos filhos ao mundo. Um suicídio colectivo, ou um absoluto desinteresse na paternidade, corresponderia de igual modo ao fim da humanidade.

A comunidade humana teve assim motivos para criar uma sociedade onde viver fosse um prazer, e não apenas um sacrifício persistente. A natureza foi-se encarregando de criar algumas das situações mais atrozes para a sobrevivência humana, algo a que comunidade humana conseguiu responder com sucesso, em muitos casos. Mas, por seu lado, a sociedade juntou ainda mais situações atrozes, mais dificuldades para a vivência. No computo geral, podemos dizer que atingimos uma qualidade de vida razoável, ou mesmo boa, para a maioria da população. Praticamente a natureza foi controlada, ao ponto de se garantir subsistência, e alguma qualidade de vida material, para a esmagadora maioria da população.  A maior parte dos problemas reside essencialmente num despique constante, que tende a infernizar uma vivência, sobretudo devido às orientações enganosas, que tendem a privilegiar uma competição, na maioria das vezes inútil, face às possibilidades de colaboração.

A natureza continuará implacável nas limitações que pode impor como simples doenças ou acidentes, e é nesse ponto que surge a maioria das situações de "eutanásia". 
A medicina parece não ter problemas morais em receitar tratamentos que podem ser autênticas torturas, ou até situações de humilhação. O "paciente", e o nome é bem escolhido, tem que aceitar ser cortado, lançado, amputado, violado na sua intimidade, etc... porque tudo isso é para o seu bem, o que (em última análise) os médicos encaram como "sobrevivência", ou regresso ao "estado anterior". Houve reticências em apoiar cirurgias plásticas, se não visassem um regresso ao "estado anterior", quando visavam uma mudança, uma opção pessoal. 

Portanto, a prática médica convive bem com situações que se assemelham a tortura ou até a prisão perpétua, mas tem dificuldade em atender à vontade do paciente - seja ela qual for, e não apenas nos casos em que solicita o término da tortura. Isso é perfeitamente compreensível, porque se a medicina continuar a visar o regresso ao estado anterior, é claro que a sobrevivência é mais próxima do que a morte... e o paciente é apenas isso - um paciente, que se deve sujeitar às capacidades e técnicas médicas existentes (podendo até ser convencido a servir de cobaia). 
Convém notar que a prática médica segue mais um código de aceitação interna, e o envolvimento emocional com o estado do paciente é desaconselhado. Por isso, ou a medicina muda a sua filosofia interna, ou não é uma questão médica que se coloca no "problema da eutanásia". Enquanto a medicina continuar com uma filosofia de "mecânicos do corpo humano", procuro sempre manter uma distância de segurança do bisturi e do talhante.

Passamos ao problema jurídico, começando por notar que o suicídio já foi proibido, ainda que essa legislação fosse algo ridícula pela sua inaplicabilidade em caso de sucesso. De alguma forma, à sociedade não convém aceitar o seu falhanço... porque a desistência deste mundo, significa que não se dá valor ao mundo a que sociedade dá valor. É uma avaliação negativa da qual a sociedade não pode recorrer.
Nesse sentido, desde religiões a práticas morais, o suicídio sempre foi colocado como um egoísmo, um desrespeito pelos seus entes queridos, etc. Algo especialmente caricato, como se esses não estivessem a ser egoístas, menosprezando o sofrimento alheio.
Mais do que isso, a religião chegou a valorizar o sofrimento, prometendo depois recompensas na "vida eterna"! É claro que esta filosofia do sofrimento, de "o que arde cura", era especialmente indicada para que os "pacientes" aceitassem todo o despotismo sem sequer esboçar um protesto...

Ora, a avaliação que cada indivíduo faz do mundo que o envolve, só piorará se nem sequer desse mundo se poder libertar. Uma coisa é entrar numa câmara de horrores, algo muito diferente é nem sequer poder sair dela. Por isso, a sociedade só piora a sua avaliação, condenando a uma tortura de sobrevivência, quem prefere libertar-se dela. Nem é só uma questão de egocentrismo social, é uma questão de completo autismo, uma prática de tortura medieval, baseada em preconceitos religiosos.

Dito isto, nem médicos, nem ninguém, deve ser obrigado a provocar a morte alheia. Esse passo deve ser tomado pelo próprio, mas com acesso a todos os meios que o permitam fazer sem sofrimento. Quando isso não é possível pelo próprio, simplesmente os médicos, ou outros, devem afastar-se de manter uma vida que não pediu para ser mantida. Vendo-se incapazes de contrariar os acontecimentos, devem deixar correr o processo natural, assegurando apenas o mínimo de dor possível.

Finalmente, do ponto de vista religioso, é absolutamente contraditório que uma divindade boa preconize o mal, mesmo que o sofrimento alheio seja temporário. 
Há sim um ponto importante a ter em conta "quando se vai desta para melhor"... é que nada garante que se vá para "algo melhor", e por isso parece ser boa recomendação que se tolere algum sofrimento. É que a este mundo não estaremos presos para sempre, mas nada garante que tenhamos a faculdade de desaparecer do próximo... e a vida eterna só me parece ser um paraíso para quem se libertou dos infernos que se criam em si mesmo.

No entanto, e como não quero acabar o texto com uma perspectiva assustadora, devo dizer que o propósito de divindades benévolas não é salvar os "bons", deixando os "maus" nos seus infernos... não há nenhumas "salvações" pela metade. As divindades benévolas, se necessário, e quando for tempo disso, descem ao ponto mais baixo dos infernos, e tentam até arrancar daí o belzebú mais retorcido. 
Infelizmente, a Terra teve a capacidade de criar em si demónios tão finórios, que conseguiram iludir a todos, passando afinal por deuses salvadores.

domingo, 3 de dezembro de 2017

Nebulosidades auditivas (52)

Ficaria melhor colocar o original dos Xutos e Pontapés com o Zé Pedro, mas prefiro esta versão, com a voz da Teresa Salgueiro, que foi presença habitual nas rádios em Março de 2013, até porque pensei colocá-la aqui nessa altura.

Homem do Leme - Xutos & Pontapés (Cerco, 1985) - versão com Tim e Teresa Salgueiro.
Sozinho na noite, um barco ruma, para onde vai? Uma luz no escuro, brilha a direito, ofusca as demais! E mais que uma onda, mais que uma maré... tentaram prendê-lo, impor-lhe uma fé. Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade, vai quem já nada teme, vai o homem do leme! «E uma vontade de rir, nasce do fundo do ser. E uma vontade de ir, correr o mundo e partir, a vida é sempre a perder» (...) No fundo do mar, jazem os outros, os que lá ficaram; em dias cinzentos, descanso eterno lá encontraram (...) No fundo horizonte, sopra o murmúrio, para onde vai? No fundo do tempo, foge o futuro, é tarde demais...
Esta canção tornou-se um símbolo da banda, um hino que certamente muitos associaram a uma determinação, ou obstinação, "contra tudo, e contra todos". Quando se perpetua som e palavras, a vida não foi "sempre a perder"... 

sábado, 2 de dezembro de 2017

O teatro de fantoches jornalístico

Por mero acaso, vi numa destas madrugadas um programa da série "Toda a verdade", sobre um massacre em Odessa (Ucrânia), há 3 anos, no dia 2 de Maio de 2014. Os vídeos eram bastante significativos e impressionantes. 
Após o incêndio da "Casa do Sindicato", por activistas pró-ucranianos, morreram 46 pró-russos que aí se tinham refugiado. Em resultado do incêndio, as pessoas morreram queimadas, sufocadas, ou atiraram-se do edifício em chamas... e padecendo de ferimentos graves, eram ainda espancadas no solo, por activistas do cerco.

O "jornalismo internacional", mais preocupado então com a passagem da Crimeia para controlo russo, ignorou este massacre... já que era "do lado errado" da estorieta anti-russa que queriam vender (e que incluiu depois o incidente do avião MAS 17).

Podemos ler esse outro lado da história, aqui:
  • Odessa, o massacre que a imprensa não viu: «Depois de enfrentamentos, iniciados após uma partida de futebol, grupos favoráveis ao governo golpista de Kiev cercaram dezenas de manifestantes contrários, que tinham se refugiado no prédio da Central Sindical, e provocaram um incêndio criminoso usando coquetéis molotov. Os extremistas impediram a saída das pessoas -espancando as que tentavam fugir- enquanto incendiavam as dependências do sindicato como pode ser visto nos videos divulgados na internet pelos próprios autores da chacina. O resultado foi de 46 pessoas assassinadas, muitas das quais morreram sufocadas pela fumaça, outras queimadas e ainda houve as que se atiraram ao vazio tentando fugir das chamas. Isto constitui, sem sombras de dúvidas, um massacre. No entanto a mídia ocidental, que atua como um mero canal de propaganda de EUA e da OTAN, sempre pronta para divulgar justificativas para guerras e intervenções “humanitárias”, não viu este massacre.» 
  • Odessa slaughter: How vicious mob burnt anti-govt activists alive: «Many of those who managed to escape the fire were then brutally beaten by armed men, believed to be from the ultra-nationalist Right Sector group, who had the building under siege.»
Após o alegado massacre de população judia, também chamado «Massacre de Odessa», que clamou milhares de vítimas em 1941, sob responsabilidade nazi, foi com símbolos nazis que estes nacionalistas ucranianos realizaram mais um massacre em Odessa... um porto no Mar Negro, que era crucial manter sob controlo ucraniano, apesar da população ser maioritariamente de origem russa.

Enquanto na Ucrânia, o interesse era manter a independência da região, que pertencera ao império soviético, pouco interessando a população do lado oriental (que era maioritariamente russa), agora no caso catalão, não interessa a independência, mas sim preservar a integridade espanhola... 

Quanto ao lado para onde pende a atenção jornalística, este cartoon será bastante significativo: