As pessoas que procuram ter uma visão global do contexto têm sempre razões de preocupação.
No tempo da Guerra Fria isso era claramente simbolizado pela "bomba", ou seja, o arsenal de bombas nucleares ao dispor no clique de um botão nas duas potências mundiais.
De forma algo simplista, todos os problemas pareciam reduzir-se à dualidade entre Leste e Oeste, e era muito frequente pensar-se que faltava apenas um entendimento ao nível dessas potências para resolver os problemas mundiais. Assim, em 1989, com a queda do Muro de Berlim, argumentava-se um "fim da História", segundo o publicitado Francis Fukuyama.
A questão do conflito nuclear era adquirida desde a infância, e filmes como Day After (1983) ajudavam a manter o medo sobre os efeitos de um inverno nuclear.
Um episódio pouco conhecido no Ocidente é revelador do acentuar do problema com a sucessão de Leonid Brezhnev. Andropov tinha sido particularmente duro na revolta húngara, e com o cowboy Ronald Reagan do outro lado, não se esperavam boas notícias.
No espírito da época, uma criança, Samantha Smith, escreve a seguinte carta a Andropov em 1982:
Depois, é sabido que a saúde de Andropov pouco durou, Chernenko idem (tomara posse já internado), e o poder soviético só estabilizou com a confirmação de Gorbashev, em 1985, claramente empenhado em mudar o sistema comunista e na aproximação ao ocidente.
Como os aviões têm conhecida tendência a despenhar-se, a incómoda criança americana que visitara os russos irá perecer também em 1985 - Samantha tinha 13 anos.
As manifestações e medo pela ameaça mundial soviética tiveram as suas épocas. O problema começara com o rápido desenvolvimento russo. Em 1949 detonavam a primeira bomba nuclear, e depois, durante a liderança de Nikita Kruschev, suplantariam os americanos em todo o projecto espacial.
O sucesso espacial russo está intimamente ligado ao nome de Nikita... começou e terminou consigo. A sua deposição e danação de memória, a partir de 1965, apresentou o declínio soviético com Brezhnev. A propalada vitória americana na simulada "Guerra das Estrelas" de Reagan, é mais um dos mitos ocidentais... Andropov, logo em 1983, teria anunciado o fim do programa soviético de armas espaciais!
Talvez tenha havido um curto tempo em que dois líderes quiseram ter efectivo poder sobre as potências que comandavam - foi o tempo de Kennedy e Kruschev... foi o tempo da crise dos mísseis em Cuba. Kennedy desapareceu em 1963 e Kruschev foi afastado em 1965. Os poderes de bastidores prepararam uma ascensão diferente, menos incómoda às suas manipulações. O "reinado" de Brezhnev mergulhou a Rússia numa progressiva corrupção passiva, e só a sua sucessão preocupava o lado ocidental. Acabadas as dilacerantes guerras da Coreia e do Vietname, a transição dos anos 70 para os anos 80, trazia esse espectro de uma Rússia ameaçadora, com Andropov.
Parece então que o efeito da dissuasão nuclear ganhou outra seriedade. Nas décadas anteriores havia a possibilidade de conflito, mas não era encarado como um conflito de proporções catastróficas mundiais. A acumulação de armamento nuclear tornara entretanto a ameaça como apocalíptica.
"The Wall", foi o album dos Pink Floyd lançado em Novembro de 1979, e serviu de símbolo para a queda do Muro de Berlim, em Novembro de 1989. Foram 10 anos certinhos que marcaram a década.
Mas o período mais quente terá ocorrido até 1983, até ao momento em que Andropov foi afastado.
Entre 1980 e 1983 o mundo precipitava-se nas sombras, antevendo um 1984 Orwelliano...
Exemplo desse espectro catastrofista é o tema "Let's all make a bomb" dos Heaven 17.
a que se deve adicionar o tema "We don't need no fascist groove thang"
Os anos 80 iriam contar com um alinhamento de Thatcher e Reagan na política internacional, permitindo libertar as correntes legislativas que prendiam os monstros financeiros.
Os perigos dos monstros financeiros eram bem conhecidos - tinham estado na origem de duas guerras mundiais e a sua libertação foi uma jogada arriscada. Era essa a paranóia anunciada, contava-se com uma não resposta do outro lado, lançando o medo generalizado.
Contava-se que a libertação de regulação ao poder económico permitisse criar monstros privados que se encarregariam da destruição dos estados. O objectivo previsto seria a aniquilação económica dos estados soviéticos, mas uma vez o monstro libertado sem regulação, nenhum poder estatal estaria a salvo desse poder libertado.
Criou-se assim rapidamente o tempo dos yuppies, numa conversão de hippies em agentes financeiros pouco escrupulosos. A única ligação terá sido a sua dependência a drogas, as mortalhas de erva dariam lugar às linhas de coca. O mundo aceleraria a um ritmo sem paralelo, puxado pelo monstro da competição interminável. A música foi bem reflexo disso - os artistas apareciam e desapareciam a um ritmo de um consumo incessante. Ainda hoje servem os nossos ouvidos as novidades que no início dos anos 80 ficavam velhas ao fim de poucas semanas.
Se alguém pensou em prender o monstro capitalista no final da Guerra Fria, iria verificar que era tarde demais. O monstro capitalista que puxara o desenvolvimento industrial inglês e americano no Séc. XIX, estava de novo desregulado, pronto a consumir todos os poderes para se poder alimentar, libertando-se dos travões morais sobre a exploração do trabalho, até sucumbir na sua própria lógica insana.
No tempo da Guerra Fria isso era claramente simbolizado pela "bomba", ou seja, o arsenal de bombas nucleares ao dispor no clique de um botão nas duas potências mundiais.
De forma algo simplista, todos os problemas pareciam reduzir-se à dualidade entre Leste e Oeste, e era muito frequente pensar-se que faltava apenas um entendimento ao nível dessas potências para resolver os problemas mundiais. Assim, em 1989, com a queda do Muro de Berlim, argumentava-se um "fim da História", segundo o publicitado Francis Fukuyama.
A questão do conflito nuclear era adquirida desde a infância, e filmes como Day After (1983) ajudavam a manter o medo sobre os efeitos de um inverno nuclear.
Um episódio pouco conhecido no Ocidente é revelador do acentuar do problema com a sucessão de Leonid Brezhnev. Andropov tinha sido particularmente duro na revolta húngara, e com o cowboy Ronald Reagan do outro lado, não se esperavam boas notícias.
No espírito da época, uma criança, Samantha Smith, escreve a seguinte carta a Andropov em 1982:
Dear Mr. Andropov,Alinhando pela oportunidade publicitária, Andropov responde, e convida Samantha Smith a visitar a URSS, o que ocorre com grande sucesso para a publicidade soviética em 1983.
My name is Samantha Smith. I am ten years old. Congratulations on your new job. I have been worrying about Russia and the United States getting into a nuclear war. Are you going to vote to have a war or not? If you aren't please tell me how you are going to help to not have a war. This question you do not have to answer, but I would like to know why you want to conquer the world or at least our country. God made the world for us to live together in peace and not to fight.
Sincerely,
Samantha Smith
Depois, é sabido que a saúde de Andropov pouco durou, Chernenko idem (tomara posse já internado), e o poder soviético só estabilizou com a confirmação de Gorbashev, em 1985, claramente empenhado em mudar o sistema comunista e na aproximação ao ocidente.
Como os aviões têm conhecida tendência a despenhar-se, a incómoda criança americana que visitara os russos irá perecer também em 1985 - Samantha tinha 13 anos.
As manifestações e medo pela ameaça mundial soviética tiveram as suas épocas. O problema começara com o rápido desenvolvimento russo. Em 1949 detonavam a primeira bomba nuclear, e depois, durante a liderança de Nikita Kruschev, suplantariam os americanos em todo o projecto espacial.
O sucesso espacial russo está intimamente ligado ao nome de Nikita... começou e terminou consigo. A sua deposição e danação de memória, a partir de 1965, apresentou o declínio soviético com Brezhnev. A propalada vitória americana na simulada "Guerra das Estrelas" de Reagan, é mais um dos mitos ocidentais... Andropov, logo em 1983, teria anunciado o fim do programa soviético de armas espaciais!
Talvez tenha havido um curto tempo em que dois líderes quiseram ter efectivo poder sobre as potências que comandavam - foi o tempo de Kennedy e Kruschev... foi o tempo da crise dos mísseis em Cuba. Kennedy desapareceu em 1963 e Kruschev foi afastado em 1965. Os poderes de bastidores prepararam uma ascensão diferente, menos incómoda às suas manipulações. O "reinado" de Brezhnev mergulhou a Rússia numa progressiva corrupção passiva, e só a sua sucessão preocupava o lado ocidental. Acabadas as dilacerantes guerras da Coreia e do Vietname, a transição dos anos 70 para os anos 80, trazia esse espectro de uma Rússia ameaçadora, com Andropov.
Parece então que o efeito da dissuasão nuclear ganhou outra seriedade. Nas décadas anteriores havia a possibilidade de conflito, mas não era encarado como um conflito de proporções catastróficas mundiais. A acumulação de armamento nuclear tornara entretanto a ameaça como apocalíptica.
"The Wall", foi o album dos Pink Floyd lançado em Novembro de 1979, e serviu de símbolo para a queda do Muro de Berlim, em Novembro de 1989. Foram 10 anos certinhos que marcaram a década.
Mas o período mais quente terá ocorrido até 1983, até ao momento em que Andropov foi afastado.
Entre 1980 e 1983 o mundo precipitava-se nas sombras, antevendo um 1984 Orwelliano...
Exemplo desse espectro catastrofista é o tema "Let's all make a bomb" dos Heaven 17.
Reagan's president elect
Fascist god in motion
Generals tell him what to do
Stop your good time dancing
Train their guns on me and you
Fascist thang advancing
Os anos 80 iriam contar com um alinhamento de Thatcher e Reagan na política internacional, permitindo libertar as correntes legislativas que prendiam os monstros financeiros.
Os perigos dos monstros financeiros eram bem conhecidos - tinham estado na origem de duas guerras mundiais e a sua libertação foi uma jogada arriscada. Era essa a paranóia anunciada, contava-se com uma não resposta do outro lado, lançando o medo generalizado.
Contava-se que a libertação de regulação ao poder económico permitisse criar monstros privados que se encarregariam da destruição dos estados. O objectivo previsto seria a aniquilação económica dos estados soviéticos, mas uma vez o monstro libertado sem regulação, nenhum poder estatal estaria a salvo desse poder libertado.
Criou-se assim rapidamente o tempo dos yuppies, numa conversão de hippies em agentes financeiros pouco escrupulosos. A única ligação terá sido a sua dependência a drogas, as mortalhas de erva dariam lugar às linhas de coca. O mundo aceleraria a um ritmo sem paralelo, puxado pelo monstro da competição interminável. A música foi bem reflexo disso - os artistas apareciam e desapareciam a um ritmo de um consumo incessante. Ainda hoje servem os nossos ouvidos as novidades que no início dos anos 80 ficavam velhas ao fim de poucas semanas.
Se alguém pensou em prender o monstro capitalista no final da Guerra Fria, iria verificar que era tarde demais. O monstro capitalista que puxara o desenvolvimento industrial inglês e americano no Séc. XIX, estava de novo desregulado, pronto a consumir todos os poderes para se poder alimentar, libertando-se dos travões morais sobre a exploração do trabalho, até sucumbir na sua própria lógica insana.