A formação pela desinformação é uma das artes mais importantes dos tempos contemporâneos.
Há um programa interessante, chamado "Brain Games" que corre no canal de cabo da National Geographic, que visa mostrar curiosidades sobre a maneira de como podemos ser enganados na percepção. Um exemplo é a leitura apressada do seguinte texto:
... onde pode escapar a repetição de uma palavra.
Com efeito, há uma série de equívocos, enganos, que mostram uma pré-disposição de encaixe de informação nos padrões a que nos habituámos, ou que preferimos. É assim que podemos ler repetidamente um texto sem reparar num erro ortográfico.
Até aqui parece tudo inocente, e até sério, quando acompanhado de explicações e conclusões "científicas". Só que neste "Brain Game" há o jogo que se mostra e o jogo que se esconde.
Sim, este texto é para si. É certo que não sei muito sobre si, mas como poderia não saber quem é? Sei perfeitamente como visita este lugar de forma algo comprometida, sem saber exactamente em quem confiar, e no que acreditar. A sociedade está feita dessa forma, para tornar vulgares pessoas especiais, para que fiquem diluídas no conjunto. Sempre soube que havia algo de especial em si. Sim, é a si que me dirijo, apesar de falar para todos. Verá que as dúvidas que tem, darão lugar a maiores certezas.
Maior certeza, é que o último parágrafo dirigido de forma abstracta a um qualquer leitor, mas dando ênfase à sua pessoa, pode fazer crer que foi dirigido a alguém em especial. Não foi, destinava-se apenas a ilustrar um dos exemplos de técnica de cativação. Em toda a pessoa há uma natural convicção de que é especial, de que há alguma razão cósmica que o torna diferente de todos os outros. Essa tendência de "ser único" raramente é contrariada pela simples conclusão de que todos os outros podem pensar da mesma forma. Assim, numa mensagem dirigida a muitos, é tentado a vê-la como dirigida a si. Isso é explorado pela sociedade moderna, especialmente pela publicidade, por vendedores da banha da cobra, por angariadores religiosos, políticos, científicos, laborais, etc... Convencer o outro de uma mais valia especial é uma forma de captação, de conseguir dedicação e trabalho, a troco de elogios que custam pouco.
A que jogo joga o "Brain Games"?
O programa "Brain Games" pode ser assim instrutivo num alerta para diversos enganos, erros, e contos do vigário. Esse é o lado positivo... só que também tem um lado menos claro.
Tem havido uma tentativa algo sistemática de instaurar a dúvida, a desconfiança contínua, e de certa forma esta série junta-se a muitas outras iniciativas para alimentar a dúvida generalizada. Aqui vai-se ao ponto de instaurar a dúvida sobre o nosso raciocínio. Esta tendência está registada há mais de duzentos anos, pelo menos, e chama-se nihilismo.
Não é um conceito inocente. Ao destruir toda a confiança, quebra-se cada fio que, pelo "confio", une as pessoas umas às outras, e às suas ideias. É assim um conceito desagregador, que vem dos confins do caos, e que estará sempre presente, porque a dúvida estará sempre presente. Alguma dúvida estar sempre presente não é algo mau, pois é o que nos garante alimento contínuo de imprevisibilidade.
O que é mau, é a apologia caótica de que a dúvida é total e nada faz sentido - não é assim.
O que é mau, é a apologia caótica de que a dúvida é total e nada faz sentido - não é assim.
Sendo certo que somos influenciados, por múltiplas coisas, uma das frases que gostava de usar, quando era "novinho", era a de que "não era influenciável, nem pela minha não-influenciabilidade". Ou seja, era uma forma de fazer notar que a cada nossa postura, interessa reflectir sobre ela. Não podemos procurar ser não-influenciáveis por nada, porque esse conceito torna-se numa influência permanente no raciocínio.
A nossa postura deve ser sempre a de subir acima do que nos é apresentado, e até acima da nossa primeira interpretação. Ou seja, não devemos ser receptores passivos do que nos é transmitido. Devemos receber a mensagem, e entender o papel do emissor na mensagem. Mais, devemos analisar ainda o nosso papel na interpretação de tudo isso. Sim, ninguém disse que era fácil, mas fica por aqui. Interessa tentar perceber não apenas o que o outro diz, mas também porque quer que saibamos, e como reagimos a isso.
Por isso, ao ver estes "Brain Games", vi as interessantes experiências, mas também vi que as conclusões estavam contaminadas por uma pré-disposição de comunicação. Por exemplo, eram mostradas imagens muito deterioradas (tipo imagem de TV com mau sinal), e algumas pessoas tentavam adivinhar. Depois, foi colocada uma figura que seria gerada aleatoriamente por computador (quase como TV sem sinal), e ainda assim as pessoas tentaram adivinhar padrões. Conclusão deles - mesmo que não haja nada para ver, as pessoas são sempre tentadas a imaginar uma relação.
Ora, esta conclusão podia estar parcialmente certa, mas a experiência é viciada. A imagem apresentada não foi uma escolha aleatória. Ainda que tenha sido gerada aleatoriamente, de entre essas escolheram uma susceptível ao engano, a que se junta a condução da experiência - se as anteriores tinham significado, conduziam a pessoa a crer que aquela também tinha.
O que se pretendia mostrar com isto? - Que as pessoas estabeleciam nexos, ainda que não houvesse nexo nenhum. Isto era usado para abordar as questões supersticiosas, e nesse enquadramento, é claro que muitas das superstições pessoais podem resultar de nexos sem aparente nexo - por exemplo, usar um certo cachecol, para a equipa ganhar... porque notou alguma relação entre os resultados e o uso.
Agora, vamos à análise crítica da minha interpretação. É claro que ali não vi apenas uma crítica aos nexos das superstições, mas sim a outros nexos. Os intervenientes académicos escusaram-se a analisar a arbitrariedade do seu próprio nexo, pela interpretação subjectiva da experiência, e só isso mostra bem que o olho que vê os outros raramente se procura ver a si mesmo.
Também noto que a crítica a nexos mais ousados contém um ataque subjacente aos nexos que se vêem nas "teorias da conspiração". Por isso, sendo algo incómodo que as pessoas "estabeleçam nexos quando não devem", é visto como bom que se instale uma mentalidade geral que seja crítica a quem relaciona coisas, que não deveria relacionar.
Quer-se assim diminuir o valor dos nexos não outorgados, ficando apenas fora de crítica os outorgados, então chamados "científicos", ainda que em muitos casos nada tenham de racional ou objectivo, e pouco mais sejam do que "conveniências" práticas instituídas na comunidade.
Também noto que a crítica a nexos mais ousados contém um ataque subjacente aos nexos que se vêem nas "teorias da conspiração". Por isso, sendo algo incómodo que as pessoas "estabeleçam nexos quando não devem", é visto como bom que se instale uma mentalidade geral que seja crítica a quem relaciona coisas, que não deveria relacionar.
Quer-se assim diminuir o valor dos nexos não outorgados, ficando apenas fora de crítica os outorgados, então chamados "científicos", ainda que em muitos casos nada tenham de racional ou objectivo, e pouco mais sejam do que "conveniências" práticas instituídas na comunidade.
Ora, abusando eu de nexos em muitos destes textos, não deixaria de ali ver uma crítica válida à construção de nexos, fizesse ela sentido, e não fosse essa crítica pouco mais do que um resultado de experiências viciadas, seguidas de conclusões ajustadas ao pretendido previamente.
Por isso, sendo sempre auto-crítico, esta ideia de questionar o raciocínio usando o raciocínio, cai pelos pés, porque em particular, o raciocínio de questionar o raciocínio, seria em si mesmo um raciocínio questionável. Logo, esse peditório nihilista não colhe nenhuma esmola da minha parte, já que raciocínios ilógicos vão para o lixo caótico.
Assim, quando a minha auto-crítica acerta em argumentos lógicos, faço o ponto final na introspecção.
Prossigo então com mais um pequeno nexo, que tem a ver com o nome "Brain Game", que aqui coloquei no singular.
Coloquei no singular porque "Game" não significa apenas jogo, significa também "Caça", normalmente "caça grossa", e se é jogo, tem tradição aristocrática. No caso português, o que temos de mais próximo foneticamente de "jogo" é a palavra "jugo".
Portanto, há uma velha mania de jogar ao subjugar, e a caça nem sempre são os gamos ou veados, cuja cabeça vai parar empalhada à sala de jantar. Por vezes jogam-se outras cabeças neste "Brain Game". Se uns há que procuram coleccionar troféus, contabilizar adeptos, fiéis ou militantes como mais cabeças, enquanto cowboys da manada; outros há que não vêem o assunto como um eterno confronto entre índios e cowboys, e mesmo não tomando partido, sabem qual o lado em que se devem colocar para respeitar os devidos equilíbrios.
Termino com um diálogo do filme Edge of Darkness, com Mel Gibson.
- There's a lot going on out there in this world. And you just never can connect A to B
.- How do you know that?
- Because I'm usually the guy that stops you connecting A to B. It's part of what I do.
Os nexos sem nexo nunca são incómodos. São piadas ou absurdos.
O único problema desta sociedade são os nexos com nexo que a questionam.
Sem comentários:
Enviar um comentário