sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Méee (4) Ecce Echelon

Houve Julian Assange, houve Edward Snowden... mas então, e Carlos Coelho?
Para quem não se lembra do eurodeputado do PSD, deixamos aqui a sua importante iniciativa de divulgar o 112 como número de emergência europeu:

Quem observar o vídeo, pode reparar no que é dito (no instante 1:09)
No anúncio, diz-se que ligar para o 112 "funciona sem rede".
Segundo Carlos Coelho, a existência de rede é apenas um detalhe sem importância, e quando se trata de "chamadas de emergência", podemos ficar descansados, que estamos sempre ligados! Mais um pouco, e Carlos Coelho diria que nem era preciso bateria ou até telemóvel.
Qualquer desmistificador de serviço (dos muitos comentadores empregados pelas televisões, ou seja, um moço de recados para acalmar o povo), diria que se trata de um lapsus linguae, e o que se deverá entender é que o sistema de emergência funciona usando outras redes... mas não é isso que é dito! 

Porém, Carlos Coelho vai mais longe nesta questão do 112... lembrando que a 11 de Fevereiro (ou seja, 11/2) se celebra o "Dia Europeu do 112":

Quererá pois Carlos Coelho sugerir que a 11 de Setembro se comemora o "Dia Americano do 911?"
Não parecerá "politicamente incorrecto" usar a figuração do 11/2 na Europa, quando nos EUA o número de emergência 911 se liga directamente ao atentado de 11 de Setembro de 2001?

A coisa poderia ficar por aqui, e seria fácil criticar Carlos Coelho pela falta de bom senso político.
Só que Carlos Coelho não está propriamente desligado deste assunto...

Foi ele que chefiou a equipa da Comissão Europeia que investigou o programa ECHELON, onde os serviços secretos de Sua Majestade (UK, Canada, Australia, Nova Zelândia), se coordenavam com os serviços secretos da pródiga ex-colónia (EUA), para controlar todas as comunicações internacionais. 

Hoje em dia já poucos se lembram do ECHELON, e fez-se de conta que Assange ou Snowden vieram depois dar novidades... que praticamente estavam já todas escarrapachadas no relatório da Comissão chefiada por Carlos Coelho.

O relatório sobre o ECHELON é aprovado no Parlamento Europeu quando?   
- No dia 5 de Setembro de 2001, ou seja, menos de uma semana antes do 9/11.

Conforme Carlos Coelho se lamenta (texto citado em baixo), se tudo estava pronto a 5 de Setembro de 2001 para divulgar publicamente o relatório - que culpabilizaria o ECHELON de ser um efectivo esquema dos EUA espiarem o mundo inteiro, inclusive os aliados europeus. Porém, a burocracia do Parlamento Europeu achou que seria altamente desapropriado levantar essa acusação na semana seguinte, dado o clima de terror instalado a 11 de Setembro.

Portanto, o relatório sobre o ECHELON realizado pela comissão de Carlos Coelho parece que só voltou a ser mencionado em 2014, conforme se pode ver no texto assinado pelo próprio... mesmo assim um texto que passou completamente submerso e fora de qualquer menção em noticiários, principais ou secundários.
Conforme salienta Carlos Coelho, se em 2001 o controlo "já estava como estava", passados 15 anos só é de esperar que esteja muito "pior", dados os avanços tecnológicos.
Portanto, podemos ter todas as comentadeiras televisivas a fazer o "méee..." habitual, acreditando que os botões dos aparelhos (de que não entendem patavina) só fazem aquilo que mandamos fazer.
Saberão agora que o FireChat permite o envio de mensagens, mesmo quando são desligados os servidores de internet, algo que estariam antes prontos a classificar como impossível. Da mesma forma dirão que o telemóvel emitir sem rede é coisa de lunáticos de "teorias de conspiração", e enquanto moços de recados, estão assim prontos a aviar os fregueses, orgulhosos do seu papel ridículo no sistema, só por estarem dentro do balcão.

Porém, convém não esquecer que é ditado antigo dizer-se que "as paredes têm ouvidos", e nada há de novo nesta vontade de espiolhar, e na capacidade de o fazer, acima do que a população tem conhecimento. Só que uma coisa é ter ouvidos, outra coisa é ter cabeça para distinguir o ruído da melodia, e isso não se aprende mais pela evolução da tecnologia.

Segue o discurso de Carlos Coelho, publicado a 5 de Novembro de 2014:

_______________________________________________________________________
The Echelon Affair: A History of the Investigation and its significance today

I would like to Congratulate and thank the European Parliament Research Service for organising this event and for allowing me to be surrounded at this table with good friends.
There are times when the European Parliament is able to be strong enough and united enough to stand up for european values and to be ahead and not behind.
We asked ourselves a lot of questions:
  • 1- After the falling down of the Berlin wall and the end of the cold war, could the USA switch the use of IT Intelligence Network from military targets to economy spying?
  • 2- Could our allies be spying on us, undermining fair trade and honest competition and collecting a huge amount of data targeting innocent citizens, despising all the core values on Privacy and Human Rights? 
  • 3- Could a member of EU (UK) be an active part on a spy network against other European countries?
And the answer to all these question was yes.

The temporary committee worked hard and well.
We had a good team of members, a very good rapporteur - Gerhard Schmid, who was a Vice-President of the EP at the time, an experient staff led by David Lowe and the cooperation of all EP services such as STOA, that provided an excellent Study, in which we can corroborate the expertise and knowledge of Mr Duncan Cambel.

The Study in questioned has showed us that the Echelon Network (USA, UK, Canada, Australia, New Zealand) were intercepting:
  • - Telephone calls (including mobiles)
  • - fax communications
  • - e-mail messages
  • - radio communications
  • - satellite communications
  • - submarine cables
  • - optic fibre cables
According to William Sandeman (former Director of NSA and former Deputy-Director of CIA) we know that, in 1992, 22 years ago, Echelon services were able to intercept 1 million of communications each 30 minutes, that means 48 million each day!

With the evolution of technology we can imagine how many communications they can intercept nowadays.

What is happening now it is not different from what we discovered at the time. What has changed is no such more that the advance of technology, the scale of interception and the huge amount of data collected ....

Let me share 3 short stories about our temporary committee on Echelon:

1- Not all americans tried to deny what was happening:

James Woolsey, former Director of CIA, whom we met in Washington, wrote in The Wall Street Journal on 17 March 2000, and I quote "Yes, my continental European friends, we have spied on you. And it's true that we use computers to sort through data by using keywords".
And when we met him personally, he confirmed everything he had written before.

2- USA at the last time decided not to speak /receive the ECHELON European Parliament Delegation.

On the exactly same day we were departing Brussels on our way to the United States, we received the information that all the scheduled meetings had been cancelled:
  • - CIA Director
  • - NSA Director
  • - State Department
  • - Senate Select Committee on Intelligence
  • - Department of Justice
  • - Fort Meade
  • - National Intelligence Council Department of Defence
  • - Secretary for Trade Development
  • - Advocacy Centre
Meetings scheduled by the Clinton Administration were suddenly cancelled by the new Bush Administration. 
It was impossible not to conclude that they had a lot to hide...
On such a short notice, already in the States, one of the few meetings we could arrange was in Congress, at the House Permanent Select Committee on Intelligence, with Porter Goss. He was the Chairman of the special Committee assuring the control and overview of Intelligence Services. Curiously some years later the same Porter Goss would be CIA Director.

3-  Echelon Report was never published by EP

Neither the 44 Recommendation approved by the plenary. All the information is available somewhere inside the EP archives and websites. But the EP's Bureau 5 to 5 votes did not allow the publication on the Report, as it was regularly the procedure at the time.
One single and weak explanation: Our report was approved in Strasbourg 5th September 2001 one week before the terrorist attack.

EP Bureau, which took its decision after 9/11 probably decided not to hurt our american friends and ironically the first time EP gives publicity for our work is now with this initiative from the EP that I welcome and thank specially to Iolanda Mombelli and Franco Piodi.

We should not deny the facts and hide our work on behalf of our transatlantic friendship.
And the facts prove that our silence did not help to make things better.
The reality we are facing now is much worse the one we faced 14 years ago.

Thank you very much!



sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A cerca de Mesquinhos e Sacanas (2) Doce lar anjinhas

A propósito do comentário de João Ribeiro no texto anterior sobre "Mesquinhos e Sacanas", que trata da polémica sobre a origem das laranjas em Portugal, fui encontrar um esclarecimento dado por José Tavares de Macedo, em 1855. Ao bom jeito sacaninha do mesquinho, vemos que a questão passou até por distinguir laranjas "doces", de laranjas "amargas"... 
Mesmo assim, José Tavares de Macedo encontra documentação da Idade Média (1330) que mostraria o conhecimento de laranjas doces, então descritas como "limões doces como açúcar"... e se questionarmos como era conhecido o açúcar, pois isso é ainda outra história amarga, que mostra que não houve limites à imposição de restrições à humanidade, por parte de sacanas mesquinhos. 
Em particular, cita o Roteiro de Vasco da Gama, dizendo que chegados a Mombaça em 1498 teriam sido presenteados com duas almadias... "que trouxeram muitas laranjas, muito boas, melhores que as de Portugal".

Algo que parece razoavelmente inacreditável seria fazer crer nos Séculos XVIII e XIX que não haveria laranjeiras em Portugal, e que só começariam a ser cultivadas no início do Séc. XVII, havendo-as antes desde o tempo dos árabes... pelo menos!

Donde surge então esta "confusão"?
Na referida obra, publicada pela Academia de Ciências em 1885:


(pag. 123)

onde se diz a certa altura:
Foi algum tempo opinião geral, e ainda hoje é crença vulgar entre nós, que pela primeira vez veio a larangeira à Europa trazida pelos Portuguezes da China a Portugal. Confirmava-se esta crença com um passo, mal entendido, das obras ineditas de Duarte Ribeiro de Macedo [1], Acha-se hoje demonstrado o erro desta persuasão. Entre os Auctores que tem tractado desta materia é Galesio, o que, quanto nos consta, mais cabalmente, e com maior exactidão a tratou [2].
Onde o comentário [1] diz o seguinte
As palavras de Duarte Ribeiro de Macedo, a que nos referimos, são as seguintes: «D. Francisco Mascarenhas trouxe a Lisboa do anno de 1635 uma larangeira que mandou vir da China a Goa, e d'ahi para o seu jardim de Xabregas, onde a plantou. Se então soubera a producção dcsta nobre planta, e a riqueza que nella franzia á sua patria, tivera razão de cuidar que fazia um grande serviço ao Reino, talvez mais util, que o que lhe fizerão os primeiros descobridores e conquistadores do Oriente.» Obras Ineditas de D. R. de M. Lisboa 1817. p. 118-119.

Estas palavras que parecem confirmar a crença vulgar, illudirão de tal forma o estimavel Auctor da Memoria sobre a Agricultura Portugueza, impressa no vol. V. das Economicas da Academia R. das Sciencias, que "escrevendo da época decorrida desde o reinado de D. Manoel até ao do Senhor D. José" julgou poder affirmar que "as laranjas.. . começarão entre nós a cultivar-te no curso desta época. D. Francisco Mascarenhas (continua o mesmo escritor) em 1635 mandou vir da China a Goa, e daqui ao seu jardim de Xabregas as primeiras arvores de espinho que entrarão na Europa".
e onde a citação [2] é apenas a referência ao "Traité du Citrus" (Georges Galesio. Paris 1829).

José Tavares de Macedo invoca mesmo escritores árabes, para mostrar que, segundo Abu Zacaria, a laranja se cultivava em território nacional no Séc. XII, concedendo apenas que nessa altura se trataria de laranja não doce.
Acresce ainda uma referência do navegador Cadamosto (explorador associado à descoberta de Cabo Verde), que escreve uma anedota sobre a abundância de laranjas mesmo na Ilha da Madeira... tendo sido assim levadas logo no tempo da colonização.

Ora apesar deste esclarecimento ter sido dado, e bem explicado há mais de 150 anos, sem grandes margens para dúvidas, vemos que a versão que permanece ou volta a aparecer, sempre, é a mesma que existira antes - ou seja, de que as laranjas teriam vindo da China com os portugueses. 
Os sacanas são teimosos.

Nota: Tudo isto faz-me lembrar uma citação que é a atribuída a Goebbels sobre os ingleses, ou sobre a vantagem de manter uma grande mentira:

The English follow the principle that when one lies, 
it should be a big lie, and one should stick to it. 
They keep up their lies, even at the risk of looking ridiculous.

Ora, conforme temos visto desde o 11 de Setembro de 2001, quanto maior é a dimensão de uma mentira, mais dificilmente as pessoas acreditam que pode haver uma conspiração tão grande que sustenha tais mentiras, e portanto, por uma simples questão de facilidade de vivência, é mais cómodo assumir que se trata de verdade.
Em 2003 acreditavam de igual modo nas versões oficiais do 9/11, e no pretexto da Invasão do Iraque, pelas armas de destruição massiva. Passados 13 anos, aceitam as dúvidas sobre as armas iraquianas, até porque o assunto chegou a inquérito condenatório, e a conspiração ficou oficial, mas nem se admite qualquer teoria de conspiração sobre o 9/11, porque não é oficial.
Ou seja, não se aprende nada! Os mesmos continuam a acreditar apenas no que é oficial, seja num sentido de conspiração ou num sentido oposto. 
Há muitíssimo mais provas de que a versão oficial do 9/11 é um total embuste, muito mais contundentes e claras quando comparadas com as armas iraquianas... mas quando se alinha pelo coro noticioso das "telenovelas das 20h00", a que chamam "telejornais", apenas interessa o coiro oficializado. 

sábado, 13 de agosto de 2016

Língua d'Ó (A2)

Letra A (continuação)

01. aparecer ... a parecer (ver parecer: para ser) [parece que aparece, só para contar]
02. aparentar ... a parente (ver parente: par entes) [par de seres]
03. apartar ... a partir (ver partir) [separar em partes] apartes: à partes
04. apertar ... aperto: a perto (ver perto) [ficar demasiado perto]
05. apenas ... apenas ser: a pé nascer (mínimo)
06. apesar ... a pesar (ver pesar) [pesando com isso]
07. aplicar ... aplica: a pelica (usar uma pele) (ver duplica) [usar duas peles]
08. apoiar ... apoio: a poio (ver pôr) [há a poia, mas também há o poio]
09. apontar ... aponta: a ponta (ver ponta) [no sentido da ponta]
10. apostar ... aposta: a posta (ver pôr) [a parte posta... como aposta]
11. apreciar ... a pré cear (ver cear) [antes de comer a ceia]
12. aprender ... a prender (ver prender) [prender a atenção]
13. apresentar ... apresente: a presente (ver presente: pré sente) [a presentear]
14. apressar ... apressa: a pressa (ver pressa)
15. apurar ... apuro: a puro (ver puro) [ficar puro] (apuros: entre puros)
16. aquecer ... a que ser [no gelo, aquecer para ser, para não morrer]
17. aqui ... a qui (cá), aquilo [aqui-lo: trazer-lo aqui]
18. aquém ... a quem? (ver quem) [pergunta retórica, no sentido da resposta: ninguém]
19. arranjar ... a ranger (ver ranger) [mudar com algum ranger de dentes]
20. arrasar ... arraso: a raso (ver raso) deixo no solo (rás) [notando que sol é Rá]
21. arrastar ... arrasto: a rasto (ver rasto) pelo solo (rás) deixa rasto
22. arre ... a ré (ver rasto) exclamação "para trás" [arre burro de Mação... carregado de feijão]
23. arredar ... a ré dar : dar lugar atrás (ré) [fui arredado: fui à ré dado]
24. arrumar ... a rumar (ver rumar) [dar rumo às coisas]
25. assar ... assara: a sara (ver sarar) [com sentido de saber (ou sabor)]
26. assim ... a sim (ver sim) [com sentido de sim]
27. assentar ... a sentar (ver sentar
28. assustar ... assusto: a susto (ver suster
29. atacar ... ataco: a taco (dar com taco)... amassar (usar a maça, para fazer massa)
30. atentar ... atento: a tento (ver tentar)... atenção (a tensão)
31. atender ... a tender (ver tender) [que pode tender para um pedido]
32. aterrar ... aterra: a terra (ver terra) ... aterrador: a terra dor [dor de enterrar]
33. atingir ... atinge: a tinge (ver tingir) tinta ou sangue que tinge
34. atirar ... a tira (ver tirar, retirar) visando tirar ou retirar
35. atrair ... a trair (ver trair: com outra ir)
36. atrás ... a trás (ver trás) na traseira, com parte moral: a traz : traz quem fica atrás
37. atravessar ... através (ver trave, entrave) passar uma trave que barra o caminho
38. aura ... ao Rá (Sol), aurora : aura hora (ora ao Sol)
39. autor ... ao Tor (Touro, Thor)
40. autorizar ... autorizo - pelo autor do equilíbrio (iso) [em oposto: avacalhar]
41. auxiliar ... ao si liar (ligar) [auxilia, ligando a si]
42. avaliar ... avalia: a valia (ver valer) mais valia - mais que vá ligar (ver ligar)
43. avançar ... avancei: a vã sei; avanço: a vã sou [?? no sentido... vã glória: vangloriar]
44. avariar ... a variar (ver vários) [?? problemas com o que varia do normal]
45. ave ... a vê (ver ver)
46. avisar ... a visar (ver visar) ... avisei:  a vi, sei!
47. avós ... a voz (ver vós, voz) ... a vós, a voz dos avós.
48. avivar ... aviva: a viva (ver viver
49. azeite ... a sei te [??o azeite fica por cima, ou unção?]
50. azul ... a sul [sul meridional é sol ao meio-dia; e à noite, pelo azul se pode saber o sul]

Bom, a tarefa continua... haveria muitos outros óbvios, e facilmente se percebe uma separação "a-qualquer-coisa", ainda que possam funcionar apenas nalgumas conjugações verbais (uma formatação gramatical deverá ter sido posterior). 
Os menos óbvios têm as dúvidas e especulações inerentes. 
Por exemplo, já falei bastante sobre Anas e Anos, aqui deixaria apenas isto:

51. ana, anais ... a nas(cer), renascer, periódico (anas = luas) (ver nascer)
52. ano, anus ... a no(vo), a nós (ver ), a nus (ver )
      [ano solar, Ianus, por contraposição a ana, lunar, Diana, o período de 28 dias]
      [tempo solar, Dia, Rá(budo) por contraposição a Ré(gras) lunar]

Havendo muito mais, perder-se-ia mais tempo só a falar de anos e anas. 
Interessa que palavras com "nas" (cuidado ao ler rapidamente) estão ligadas ao nascimento, pelo menos todas as que usam "nas" como prefixo.
Continuo razoavelmente convicto que a língua é um produto feminino, feito por alguma genial matrona, ou bela donzela, de uma sociedade matriarcal. Afinal, não seria o cuidado materno a definir de início a linguagem da sua prole?
Essa sociedade matriarcal seria essencialmente tribal, e terá perdido, ou cedido voluntariamente, o seu poder aos homens, aquando da "revolução neolítica", pela sedentarização agrícola.
O nome que nos ficou: Amazonas... ora, aí estavam as mázonas
A mázona principal, talvez Semiramis, terá cedido o poder a Ninus, a meninos, provavelmente filhos, e não ao pretenso marido... de uma amazona. A última zona má, ou a má zona, amazona, teria sido a Cítia (parte da Rússia actual), que terá permanecido em "estado cítio", pois Tomiris ainda fez Ciro perder a cabeça.

Passando a sociedades agrícolas, patriarcais, o tempo passou a ser marcado não pela Ana (lunar), mas sim pelo Ano (solar). Os sumérios usavam Anu como deus celestial ou solar, enquanto os egípcios chamaram Rá. Os romanos teriam Jupiter (Ju-pater) ou Jove (chove), e os gregos Dia ou Zeus (céus), como divindade principal.
Na nossa língua parecem ter ficado registadas as variantes, já mencionadas. Este pequeno discurso para salientar uma observação constante. Se temos o "Sol" no céu, temos também o "solo" na terra. Se entendermos "hora" ou "ora" como "o Rá", o Sol egípcio, podemos entender "raso" (ou "rasto") como Rá só por terra. Ou ainda um Anu solar, com um anular: A nú.
Onde uma coisa liga a outra? - Na seca, num deserto, onde o sol queima o solo, arrasa colheitas, deixando a terra a nú.

É claro que, encontrando na língua portuguesa significado para sílabas básicas, o resto poderiam ser concatenações naturais e outras meras coincidências forçadas. 
No entanto, as concatenações naturais não me parecem ter origem latina, embora bebam algumas vezes da mesma fonte (na minha opinião, mais em sentido inverso), e as outras incidências são demasiadas para serem só coincidências. Mas haverá certamente coincidências, desfeitas no passado, para se reunirem no futuro.
Apenas para terminar, completando 60 palavras (120 na letra A), ficam oito bem mais dúbias:

53. analisar ... anal (periódica) iso (igualdade, una pela semelhança)
54. antre ... forma antiga de "entre" (em três) - realçando "an" como "em"
55. antro ... an (em) tro (outro), em outros (ver outro) [entre outros]
56. anel ... em elo (ver elo)
57. ar ... fonema base, vago como o ar (simples movimento ou existência)
58. arder ... ardeu: ar deu, soprou para fazer fogo [ardeu: ar que se lhe deu]
59. arte ... ar te : algo para ti, como em artigo: ar tigo (que te tem como foco).
60. árvore ... arvorar : ar vorar (alimentar de ar)


sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Língua d'Ó (A1)

Letra A
(a: prefixo com o mesmo sentido da preposição a)

01. abaixar ... a baixar (ver baixam: vai chão)
02. abordar ... a bordar (ver borda, bordo)
03. acabar ... a cabo (ver cabo, cavo)
04. aceder ... a ceder (ver ceder: se der)
05. aceitar ... a ceita (ver seita)
06. acidente ... a cedente (ver ceder: se der)
06. acima ... a cima (ver cima)
07. aconselhar ... a conselho (ver conselho: com selho, com selo)
08. acontecer ... a com tecer (ver tecer: te ser)
09. acorda ... a corda  (ver corda)
10. acreditar ... a creditar (ver creditar: crê ditar, cré ditar)
11. acrescer ... a crescer (ver crescer: crês ser)
12. adequar ... ad equar, há-de ecoar (ver ecoar: eco - o mesmo)
13. adorar ... ad orar, há de orar (ver orar, horar)
14. adormecer ... a dorme ser (ver dormir)
15. afazer ... a fazer (ver fazer)
16. afectar ... a fé estar, a fé tocar
17. afiar ... a fiar (ver fiar)
18. afinar ... a fino (ver fino)
19. afirmar ... a firmar (ver firmar, firme)
20. agarrar ... a garra (ver garra)
21. agora ... a-ora, à hora
22. agradar ... a gradar, (bom grado, ver graça)
23. aguardar ... a guardar (ver guardar)
24. ali ... a li, a vi
25. aliar ... a ligar (ver ligar)
26. alinhar ... a linha (ver linha)
27. amanhã ... a manhã (ver manhã)
28. amanhar ... a manha (ver manha)
29. amigo ... a-migo, migo: foca em mim.
30. amostra ... a mostra (ver mostra)

Incluo aqui apenas 30 exemplos que vão do "AB" ao "AM", podendo dar algumas explicações adicionais:
  • Abaixam é claro, e "baixam" parece ser um "vai chão", onde o chão condiz com ir baixo. 
  • Abordar, é pelo bordo, pelas bordas. Abordar alguém não é impetuoso. Uma abordagem naval é também por uma das bordas, dos lados, do navio.
  • Acabar é o mesmo que "levar a cabo", terminar. Numa tarefa rural pode ser entendido "acabei" reduzindo "a cavei".
  • Aceder, para ver se cede. Ceder no sentido "se der", ou seja, se algo "se der" de si, então vai "ceder".
  • Aceitar, no sentido de ceder à "ceita". É um aceitar forçado por uma "ceita".
  • Acidente, pelo latim "ad cadere", um certo há-de cair, ou há-de ceder.
  • Acima, em cima, sendo "cima" mais complicado...
  • Aconselhar, onde o conselho pode ser visto "com selho". Este "selho" ou "senho" liga-se a "sé", ao centro, ou ainda à "senha" ou "selo", à chancela.
  • Acontecer, onde o "com tecer" resulta de "tecer" algo. Acontecido será algo tecido, urdido, e não teria o significado casual, mas sim de um complot.
  • Acordar, ou concordar, vêm de uma união como numa corda. (ver acordar)
  • Acreditar, onde crédito é dito pela cré (pelo giz, escrito), ou pelo crê (pela fé, pelo fiar).
  • Acrescer, onde foneticamente o crescer é um "crês ser", no sentido de que crês ou queres que será. A criança "crê ser" homem.
  • Adequar, no sentido de ficar igual, ecoar como num eco. O prefixo "equo" resultará deste "eco".
  • Adorar, onde o prefixo latim "ad" (em direcção) é um "há-de", neste caso "orar", relacionado com oração religiosa, às Hora, ao Dia (Zeus, Jove, Rá).
  • Adormecer, no sentido dormir, "a dor me ir", ou "a dor me ser", como maneira dormente de evitar a dor.
  • Afazer, onde "a fazer" se liga "a faz ser" (transforma em existir).
  • Afectar, o "c" pode mudar o sentido de a-fé-tar, para a-fé-tocar. O que "afecta" será o que "a fé toca". 
  • Afiar ou Afinar, no sentido de fazer uma ponta fina como um fio.
  • Afirmar, tornando firme, como fala de um falo que é firme antes de (v)irme.
  • Agarra, como a garra, uma garra que prende.
  • Agora, em castelhano ahora, como em a-hora, a-ora, à hora (tempo, o-Rá: o Sol).
  • Agradar, a "gradar", como em "bom grado".
  • Aguardar, a "guardar", ou "aguar-dar", guardando água ou gado.
  • Ali, no sentido de "a li", a um sítio que li, onde entendi o que vi.
  • Aliar, ter como "aliado", onde "liado" é redução de ligado.
  • Alinhar, na "linha", onde li a linha, que vi como vinha.
  • Amanhã, pois a manhã define o próximo início de dia.
  • Amanhar, usar uma manha, uma técnica.
  • Amostra, objecto que mostra.
Outros exemplos... mais dúbios, e não derivando apenas da preposição "a":

31. abrir ... aferir ... a ferir (ferir é abrir)
32. aberto ... a ver tu (tudo)
33. abrigar ... a briga (ver briga, citânia) abrigo na citânia
34. abundar ... a bom dar
35. aço ... asso - (aço é cozinhado no forno, tal como o assado) asso temperado / aço temperado
36. acção ... há que são: existem os que são, os que agem
37. acham ... a chão (ver chão) encontrar o que está no chão
38. adição ... há-de içam - juntar para içar algo
39. advertir ... há-de verter (ver verter: ver ter)
40. agir ... a gir(ar), giro, que roda sobre mesmo
41. agudo, agulha ... a "gu" (ver quo, gume, cume
42. ainda ... a ida (algo na ida)
43. ajudar ... a Ju dar (Ju - chu, chuva; Ju: Jupiter - Ju pater) dar a Jupiter.
44. ala ... a lá (alar significa também içar, ter asas, alado)
45. alcançar ... ale cansar (ver cansar) ale (ir) até cansar
46. alegria ... ale cria (ver crer) (?)
47. além ... al-em : a lá (após) em (aqui).
48. algo ... ale "gu" (ver gume) alego algo
49. alguém ... al-quem (ver quem) a lá de quem.
50. alimenta ... ali me entra (?)
51. alterar ... al-tirar (tirar algo, ver tirar)
52. alto ... além (al) de ti (tu).
53. amor ... a mor (a maior)
54. amo, ama ... ama (a má), amo (a mó, que moi) (?)
55. amarelo ... amar elo (ver elo)
56. amarrar ... a marrar, a me agarrar (ver garra)
57. ambiente ... ambi-ente, ambos (em bi) entes (ver ente: em ti)
58. ambíguo ... ambi-quo, ambos (em bi) "gu" (ver quo, cume, gume)
59. ambos ... em vós
60. ameaçar ... a me assar (ameaça de assar alguém)

Como é facilmente observável, esta tarefa é "enorme", prontamente criticável, e dificilmente justificável... mas pessoalmente muito interessante. Estão aqui alguns exemplos que encontrei, usando uma lista de palavras, obviamente muito incompleta... nem me interessa que seja completamente exaustiva, sob pena de perder qualquer ideia de a completar. 
Quem quiser experimentar, contribuir, ou criticar, esteja à vontade!

Etimologias vindas do latim ou do grego... todos podemos consultar etimologias online
Dou um exemplo com ameaçar, que supostamente virá do latim minacia (ameaça). E daí? 
Não será mais interessante ler "ameaçar" como "a me assar"?
Afinal no tempo de gregos e romanos, poderia não haver perigo canibalesco... mas e antes?
Ok. Depois pode ser criticado ler "ameaça" como "a me assa", mas "a ti assa" não ter ligação... só que não é bem assim, temos "atiçar" como redução de "a ti assar".
Isto já entra na filosofia... se for para me assar é "ameaçar", se for para te assar é só "atiçar"!
Que tal?
Em resumo, para malta "séria" que não "se ria", nunca seria nada. 
Por isso, este Língua d'Ó, conforme falado nesse "estado da arte" é um certo linguado, que não é nenhum "french kiss", e tendo aroma, ou a Roma, do passado, usará mais aromas do futuro, que não saem de nenhuma etimologia... são apenas "espíritos santos de orelha", que não habitam em livros.
Livra... não prendem um livre em livro!

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A cerca de Mesquinhos e Sacanas

Indo directamente ao assunto, diz-nos Pinho Leal, acerca da freguesia de Mesquinhata (Baião):
O nome d'esta freguesia provém de "mesquinhade" - significa - povoação dos servos adstritos a certa propriedade (meskinos) que eram com razão, considerados infelizes pela sua triste posição na sociedade, que pouco se distinguia dos escravos. 
É a palavra árabe masquinat, que significa, lugar da pobreza. Deriva-se do verbo sácana, que na oitava conjugação, significa - ser pobre, indigente, necessitado, etc. 
O senhor da mesquinhata, quando a vendia, ou trocava, passava-a ao novo possuidor com os seus meskinos, ou servos de gleba. Ainda havia outra barbaridade na legislação gothica - a condição de meskino era hereditária! O filho do meskino, também o era, e todos os seus descendentes. 
Na Europa setentrional ainda há d'estes servos de gleba; mas o actual imperador da Rússia, areou contra os senhores, e tem quasi aniquilado esta bárbara e anacrónica instituição. 
Notemos porém que os nossos primeiros reis, e particularmente D. Afonso I, D. Sancho I, D. Afonso III, e mais do que nenhum, o grande rei D. Diniz, trataram de quebrar os grilhões dos meskinos, e quarctar a prepotência e extorsões dos grandes. 
Depois de D. Diniz, D. Pedro I, acabou com quasi todas as mesquinhatas, e D. João II as aboliu, de facto e direito, por uma vez.

citando o 5º Volume do Portugal Antigo e Moderno (edição de 1874, pág. 199).
Aliás esclarece mesmo com a definição:
MESKINO: portuguez antigo - o servo que trabalhava nas herdades do senhor donatário. Era synonimo de infeliz. Hoje diz-se mesquinho. É a palavra árabe masquino - pobre, mísero, indigente, etc. Deriva-se do verbo sácana — ser pobre, indigente, etc. 
Portanto, mesquinhos e sacanas eram afinal vítimas de proprietários, esses sim, claramente sacanas e mesquinhos... pelo menos até D. João II ter acabado com essa legalidade mesquinha e sacana
Interessante, a evolução de significado aplicar-se apropriadamente agora aos infelizes de alma que fazem uso da exploração humana.

Mesquinhata
Interessou-me o brasão da freguesia de Mesquinhata...
Freguesia de Mesquinhata - que, devido à mesquinhez de diversos sacanas,
foi integrada na aberração que definiu o agrupamento de antigas freguesias. 
Pinho Leal nada diz sobre o brasão de Mesquinhata, mas refere:
A João Paes, deu D. Afonso V, brazão d'armas, em 20 de abril de 1476 —  são — em campo azul, 9 laranjas, veiradas e coutra-veiradas de púrpura e ouro, em 3 palas  — elmo de aço aberto, e timbre, um pavão da sua côr. 
Laranjas
Ora, o acima escrito deixei com rascunho em 13 de Março de 2016... ou seja, há alguns meses atrás.
Não completei, muito provavelmente por falta de tempo.
Agora, fui olhar para os diversos rascunhos, e ficou-me a pergunta, por que razão interessava aquele brasão?
Já nem me lembrava, mas afinal era simples.
Era o velho problema das laranjas.
Afinal, se é suposto "as laranjas terem chegado à Europa no Séc. XVI, depois dos portugueses as terem ido buscar à China", conforme se pretende fazer passar, e ensinar; como é que D. Afonso V dá um brasão com 9 "laranjas", em 1476, no Séc. XV, quarenta anos antes da suposta chegada à China?

Conforme acabei também por fazer um postal sobre o Milho, ainda indaguei topónimos antigos com referências a "laranjas", mas sem grande sucesso.
De qualquer forma, e sem outra maior relevância, fica aqui o apontamento.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Nebulosidades auditivas (42)

Num postal antigo - Mayday, já tinha sugerido um tema dos Dead can Dance, o grupo australiano de Lisa Gerrard. Volta à baila o álbum de 1988 com o título "o ovo da serpente" (também título de um filme de Ingmar Bergman).

Dead Can Dance (album: The Serpent's Egg)

In the Kingdom of the Blind the One-Eyed are Kings.
(No reino dos cegos, quem tem olho é rei...
... ainda que só dois olhos permitam a perspectiva)


Se estivesse, se estivesse em nosso poder,
Além do alcance do nosso orgulho escravo,
Não mais acolher descontentamentos,
Atrás da máscara, e da face oportunista.

Poderíamos receber a Responsabilidade,
Como recebemos um amigo perdido,
E reestabeleceríamos o Riso
De novo, nesta casa de bonecas.

Porque o tempo aprisionou-nos,
Na ordem dos nossos anos,
Na disciplina dos nosso modos,
E na passagem da inércia momentânea.

Podemos ver o nosso caos em movimento,
O nosso caos em movimento,
Podemos ver o nosso caos em movimento,
Vejam o nosso caos em movimento...

(... e a subsequente colisão de idiotas, 
bem versados na subtil arte da escravatura)

Dead Can Dance - The Carnival is over

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Nebulosidades auditivas (41)

Em 12 de Setembro de 1980, o General Kenan Evran liderou um golpe de estado na Turquia, e foi depois eleito presidente do país, em 1982, onde se manteve no poder até 1989. Este foi o último assinalável golpe de estado na Turquia, até estes acontecimentos da noite de 15 de Julho de 2016.

Curiosamente, passado um ano, em Outubro de 1981, Rod Stewart (o cantor que gostaria de ter sido futebolista) lançava um dos seus maiores sucessos "Young Turks".
Young Turks - Rod Stewart (1981)

"Jovens turcos" foi uma designação muito particular na história da Turquia, que teve a ver com o movimento político no início do Séc. XX, que transformou o decadente Império Otomano num estado com uma Constituição, procurando copiar os restantes modelos europeus, e de certa forma ainda os ideais da revolução francesa.
O termo ganhou conotação com uma rebeldia impetuosa, e por vezes desmedida... afinal, é durante o governo dos "jovens turcos", que se dará o genocídio na Arménia, em 1915, para além da aliança estratégica com a Alemanha, ter levado à dissolução do império otomano após a derrota na 1ª Guerra Mundial.

É no sentido de rebeldia juvenil que a canção de Rod Stewart irá buscar o título da canção, em nada se referindo à Turquia, que estava então sob controlo dos militares, com a constituição suspensa.

De entre os diversos países de orientação muçulmana, a Turquia foi sendo vista como uma certa excepção, onde o factor religioso não influenciava muito o funcionamento laico do estado, e de certa forma isso foi sendo tomado como missão dos próprios militares, desde Ataturk.
A subida ao poder de Erdogan veio mudar essa tendência laica, passando a figurar uma tendência de regresso aos velhos valores morais religiosos. A influência dos militares foi sucessivamente questionada, pelo novo poder islâmico, a ponto do velho General Kenan Evran ter sido julgado e condenado a prisão perpétua em 2014, quando já contava 96 anos.

Tal como no Egipto ou na Argélia, é o poder ditatorial dos militares que tem evitado que estes estados de confissão islâmica tenham degenerado em repúblicas religiosas, como aconteceu no caso do Irão.
Quanto ao golpe ocorrido, ao mesmo tempo que se reuniam os representantes dos negócios estrangeiros dos EUA e Rússia (Kerry e Lavrov), levantou algumas suspeitas de anuência, para regresso a um estado laico. Após o falhanço da insurreição, coloca-se a questão de ter sido o próprio Erdogan a orquestrar um golpe fictício, com o objectivo de aumentar os seus poderes e fazer agora uma purga na administração mais laica - militares e juízes, que caíram no erro de apoiar o golpe e assim explicitarem a sua oposição. Só que as coisas nunca são simples, e a ausência de identificação clara da hierarquia que apoiou o golpe pode também indiciar que esta encenou um primeiro golpe para ver a resposta militar, aguardando para fazer um segundo golpe mais contundente... tudo dependendo da atitude que Erdogan irá adoptar. Afinal, convém não esquecer que antes do 25A também houve uma fidelíssima brigada do reumático, após o 16M.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

"2016 Nice Attack" na Wikipedia

Há certos cuidados que são de bom tom... na página da Wikipedia inglesa escreveu-se:

2016 Nice Attack

e apesar das milhares de visualizações, ninguém terá ainda reparado que a leitura "Nice Attack" é bastante sórdida, sendo claramente preferível mudar para "2016 Attack in Nice".

As informações, que neste tempo deveriam ser rápidas e fiáveis, permanecem numa quase completa nebulosidade. Inicialmente falava-se em 3 terroristas, num camião cheio de armas... Acabo de ouvir o procurador-geral e nesta altura reconhece-se que foi um único condutor, com uma pistola, sendo o restante duas ou três armas de brincar.

Depois é claro, há toda uma associação imediata ao terrorismo islâmico, feita pelo facto de se ter identificado o condutor como sendo residente em França, de origem tunisina.
Ora, o que disseram os vizinhos? (FranceInfo)
-"c'était un homme peu religieux, ne priant pas, n'allant pas à la mosquée, aimant la salsa et les gonzesses"
- "le mois dernier il avait commencé le ramadan mais ne l'avait pas terminé".
- "un homme seul et en rupture avec ses proches, notamment fâché avec sa famille en Tunisie où il n'était pas retourné depuis des années".
- "récemment divorcé ou en instance de divorce"
- "avait pris un appartement distinct de celui de sa compagne et de ses trois enfants"
- "Il joue de la salsa, fait de la musculation et fréquente des gonzesses… Pour moi, il a pété les plombs"
Portanto, um homem pouco religioso, que não ia à mesquita, e que só no último mês tinha iniciado o Ramadão... algo que não configura alguém cometido a fundo com uma organização fundamentalista islâmica. Estava sinalizado pela polícia, mas por desacatos vulgares.

Configura-se poder ter razão o vizinho que dizia - "Para mim, fundiu os fusíveis".

No entanto, não foi esse o curso que a história tomou... e não é a primeira vez que vemos este filme, de ser conveniente alinhar num enredo diferente.

Em 11 de Março de 2004, logo após os atentados de Madrid, o primeiro ministro José Maria Aznar decidiu culpar imediatamente a ETA, para evitar ser ligado a uma consequência do seu apoio à Invasão do Iraque. Realizavam-se eleições no fim de semana, e não foi considerado conveniente admitir um ataque islâmico. Esta versão foi tentada ser mantida pelo governo, nos órgãos de comunicação, durante dois dias.

Talvez se venha a estabelecer a ligação terrorista, porque o homem visitou um ou dois sites na internet, ou porque "podem" aparecer emails "comprometedores". A partir desta fase, o que fica dentro do conhecimento restrito da polícia, pode prestar-se a todo o tipo de associações, dependendo da história que se quiser passar. 
O que é certo, depois das declarações do procurador, é que nenhuma organização terrorista reivindicou o atentado, e que o homem terá agido sozinho na execução do crime.

Poderia ser isto apenas um acto singular tresloucado, antecedendo uma vontade suicida?
Seria caso único? 
- Não!
- Nem sequer é preciso considerar o caso do norueguês Anders Breivik, que tomou em sua conta 77 vidas, também invocando o Islão, mas em sentido contrário... por islamofobia. A polícia norueguesa tomou o cuidado de o apanhar vivo e o condenar. Ao contrário, e de acordo com um relato de um português, testemunha ocular, foi só depois do camião parar que a polícia chegou, e o decidiu abater, alegando troca de tiros.  

- Um outro caso ocorreu, no ano passado, curiosamente também perto de Nice, nas montanhas.
O vôo 9525 da GermanWings vitimou os 150 passageiros e tripulação, alegadamente por decisão suicida do co-piloto Andreas Lubitz.

Se o co-piloto não fosse alemão, se fosse de origem turca, ou de outra nacionalidade islâmica, se se chamasse Mohamad, ou similar, não se teria aí também associado imediatamente uma conexão terrorista?

Ora, é nesta contradição que vive a Europa do "politicamente correcto".
A Europa "politicamente correcta" critica facilmente a xenofobia alheia, mas estala o seu verniz quando apenas com base na nacionalidade de um atacante faz todo o discurso recair numa condenação terrorista.
Foi terror, mas provavelmente foi um tresloucado acto individual, sem outra conotação.

____________________
Nota (17/07/2016)
Entretanto, o Estado Islâmico (Daesh) decidiu colar-se ao atentado, reivindicando que Mohamed Bouhel teria agido sob inspiração dos seus apelos. Porém, conforme logo foi notado (euroweeklynews)
 However there are doubts as to whether DAESH is really responsible as it had failed to prepare propaganda in advance of the attack as occurred on previous occasions.
... ou seja, ao contrário de casos anteriores, o Estado Islâmico apenas esboçou uma atitude reactiva, conveniente, não mostrando conhecer o que se iria passar.
As autoridades francesas, com a reputação de rastos, pela sua incapacidade de evitar a chacina, parecem também preferír atribuir mérito a um atentado do Estado Islâmico, do que reconhecer a sua incapacidade de travar as intenções suicidas de um louco num camião.
Mesmo que Bouhel tenha alinhado à última hora no apelo do Estado Islâmico, nada muda que o atentado poderia ter sido simplesmente realizado por um louco isolado, fosse por que motivação fosse. Ter inimigos de acordo sobre uma versão da realidade, conveniente para ambos, não significa minimamente que esta esteja mais próxima da verdade.
Afinal, se um condutor inglês atropelasse um indiscriminado número de transeuntes no "Promenade des Anglais", no dia seguinte ao novo governo britânico tomar posse, isso ligar-se-ia ao Brexit?
Que ao Daesh interesse a ligação ao incidente, ainda se entende, agora que o governo francês alinhe nisso, será miopia, pois a longo prazo irá apenas favorecer expectativas terroristas, de dar sentido a vontades suicidas.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Nebulosidades auditivas (40)



Massive Attack - Butterfly caught (100th Window, 2003)


Acherontia atropos 
(no filme Silêncio dos Inocentes, ver ainda foto Halsman)


segunda-feira, 11 de julho de 2016

Nebulosidades auditivas (39)


Paris, 10 de Julho de 2016
(Daily Mail @AFP Getty Images)

David Guetta & Sia - Titanium


terça-feira, 28 de junho de 2016

Do Grexit ao Brexit (2) - o filme

Num comentário ao postal anterior, João Ribeiro indicou um documentário da campanha do Brexit que penso ser muito instrutivo, apesar de poder ser encarado apenas como uma excelente propaganda que serviu para o voto de saída da União Europeia.
Para seleccionar a legendagem em Português clique na [roda dentada] (entre [CC] e [YouTube]).
Escolha "SubTitles" e depois "Auto-Translate", nessa lista escolha "Português". 
(É apenas uma tradução automática, mas funciona bem... ou quase sempre bem) 

Muitos de nós já viram documentários parecidos, mas isso não altera a pertinência do que é dito. Marinho e Pinto terá sido dos poucos entre nós que terá falado do escândalo do que se passava no Parlamento Europeu... mas para além de não ter prescindido das principescas regalias, no que foi duramente atacado pelos seus compagnons de route, não tornou explícita a completa inutilidade do Parlamento Europeu, que aqui é dita - ou seja, serve apenas para ratificar leis da Comissão Europeia. O parlamento não tem poder para revogar ou propor novas leis. Ou seja, é um completo teatro de fachada, destinado a subsidiar principescamente uma elite, que é mesmo financiada para nem sequer comparecer às sessões... 

O documentário é ainda ilustrativo para mostrar como o sector de pescas do UK sofreu praticamente o mesmo destino que o português - foi subsidiado o seu declínio. Mostra também como a verborreia legislativa da UE serve como forma de proteccionismo, destinada a impedir concorrência, já que novas empresas não conseguem cumprir exigências que requerem um arsenal de advogados. É dado como exemplo que há 1246 leis para o pão, e 12 653 leis para o leite... Montanhas de comida foi armazenada a apodrecer para criar a ideia de que havia falta de comida, permitindo assim aumentar o preço até 20%. Enfim, são múltiplos os exemplos, que ilustram como o Brexit foi uma decisão informada de muitos votantes conscientes, e não intoxicados com os meios de comunicação completamente controlados.

Porquê?
Essa pergunta não é respondida no filme, mas não é difícil de conjecturar.
Uma visão idealista do que seria um objectivo da elite que nos governa, é dado no filme Elysium, estreado em 2013 e que é suposto antever o futuro a 150 anos de distância... ou seja, a construção de uma Estação Espacial paradisíaca, que permite afastar a elite de toda a populaça terrestre. E se chegar à Lua coloca problemas, saindo do escudo protector da Cintura de Van Allen, a criação de uma estação espacial em órbita nem sequer se trata de ficção científica!
Elysium (2013)

O grande problema de uma elite é manter o seu estatuto, nada mais... para além de definir algumas regras inquebráveis para que a competição interna, dentro dessa elite, não a ameace. O resto é o medo da populaça - o demo.
Para esse efeito é necessário manter necessidades artificiais, crises, para manter a população entretida.
A população não pode ser eliminada, porque, por azar, precisará sempre de trabalho e especialmente de motivação para manter um arsenal de invenções e criações, que lhe garantam melhoria da qualidade de vida. Assim, apesar de haver condições para toda a humanidade poder viver já num paraíso terrestre, a competição é estimulada para os assuntos mais preocupantes... doenças, envelhecimento, longevidade, etc. Algumas das poucas coisas em que estamos sujeitos ao mesmo fado, independentemente do nascimento. Curiosamente, é praticamente certo que quanto mais isso for procurado ocorrer apenas como benefício de poucos, não ocorrerá como benefício de nenhuns... porque isso seria um passo irreversível condenatório.

A maior diferença da elite dos últimos séculos, face à aristocracia anterior, foi abrir a entrada do clube a novos membros, desde que aceitem as regras de desequilíbrio como inevitáveis. Assim, o que se pretende das políticas dos estados nada tem de racional. É uma pura questão de manter um enorme show em funcionamento, enganando 99.99% da população, que trabalhará afincadamente no meio de crises, para combater assimetrias e necessidades fabricadas.
Tudo o que vemos se destina a manter o ascendente das grandes empresas e empresários existentes, e combater energicamente a ascensão de uma nova burguesia ao topo do poder.
Essa prisão feita ao homem moderno, conforme é descrito no filme, é feita pela imposição de regras, regulamentos em cima de regulamentos, e pela criação de necessidades pelo efeito de crises artificiais. Assim, enquanto nos congratulamos com a boa decisão britânica, tal efeito irá provavelmente servir de enredo para mais uma crise financeira, que afectará mais uns tantos milhões...

domingo, 26 de junho de 2016

Nebulosidades auditivas (38)

Referi antes o vídeo Language is a Virus, de Laurie Anderson, que remete para uma frase do escritor americano William Burroughs - "A linguagem é um vírus, do espaço exterior", a que terá dado importância Philip K. Dick, conforme abordado neste link. Curiosamente, isto acaba por ser uma forma bastante diversa de chegar a conclusões sobre linguagem que fui aqui partilhando (por exemplo, associando a linguagem a um novo código genético que foi transmitido entre humanos). 
No entanto, a linguagem é muito mais que uma suspeita de invasão alienígena. A linguagem, não tem a ver com a língua em que se manifesta, mas sim com as noções comuns a todas as linguagens. Correligiona homens para o mundo de ideias abstractas, que não tendo outro espaço de disputa que não seja o espaço abstracto de ideias nas cabeças humanas, saem de um espaço abstracto para se manifestarem no nosso espaço físico. Mas não vou repetir algo que já escrevi de diversas formas - por exemplo aqui.

Sou um fã de Laurie Anderson, especialmente desde o álbum Mister Heartbreak, mas interessou-me trazer aqui alguns temas de um álbum posterior The ugly one with the jewels, que começa com esta história sobre a sua avó, uma baptista missionária que anunciava o "fim do mundo". Afinal, convém não esquecer que já sobrevivemos a dois "fins do mundo" (31/12/1999 e 21/12/2012), supostamente previstos há séculos ou milénios atrás.
Laurie Andersen - "The End of the World"
Ladies and gentlemen, please welcome back to London, Laurie Anderson.
Hi. This evening I'll be reading from a book I just finished and since a lot of it is about the future, I'm going to start more or less on the last page, and tell you about my grandmother. Now, she was a Southern Baptist Holy Ruler and she had a very clear idea about the future, and of how the world would end.

In fire. In fire. Like in Revelations. Like in Revelations.

And when I was ten, my grandmother told me the world would end in a year. So I spent the whole year praying and reading the Bible and alienating all my friends and relatives. And finally the big day came. And absolutely nothing happened. Just another day.
Ooooaaaah!
Now, my grandmother was a missionary and she had heard that the largest religion in the world was Buddhism. So she decided to go to Japan, to convert Buddhists.
And to inform them about the end of the world. And to inform them about the end of the world.
And she didn't speak Japanese. So she tried to convert them with a combination of hand gestures, sign language and hymns, in English.
Ooooaaaah!
The Japanese had absolutely no idea what she was trying to get at. And when she got back to the United States she was still talking about the end of the world. And I remember the day she died. She was very excited. She was like a small bird perched on the edge of her bed near the window in the hospital. Waiting to die. And she was wearing these pink nightgowns and combing her hair, so she'd look pretty for the big moment when Christ came to get her.
Ooooaaaah!
And she wasn't afraid but then, just at the very last minute something happened that changed everything. Because suddenly, at the very last minute she panicked. After a whole life of praying and predicting the end of the world, she panicked. And she panicked because she couldn't decide whether or not to wear a hat.
Ooooaaaah!
And so when she died she went into the future in a panic, with absolutely no idea of what would be next.
Interessou-me trazer esta história, porque revela bem o desconforto de uma pessoa segura nas suas ideias, no seu modelo idealizado, mas sem saber porquê, ou sequer atender à verificação de que as suas anteriores previsões falhavam. O pânico final da avó, no leito de morte, sem saber se haveria de receber Cristo com ou sem chapéu, é ilustrativo de uma crença arbitrária, baseada em pouco mais do que convicções comunitárias, resultantes de tradições. As tradições e convicções sociais podem oferecer um conforto numa comunidade, mas quando se embarca na última viagem solitária, a experiência é individual, e só ficam as certezas individuais, sem o conforto da chancela comunitária.

Laurie Andersen "recalls The End of the World" - entrevista NFFA
(música/relato - The Geographic North Pole)

Neste outro vídeo, numa entrevista a um movimento anti-nuclear, Laurie Anderson relata uma experiência que teve em 1974, quando decidiu ir à boleia até ao Pólo Norte... mas como isso é vedado ao cidadão normal, acabou por se contentar em deslocar-se apenas até ao Pólo Norte magnético.
Tendo sido surpreendida por uma Aurora Boreal, terá considerado a hipótese, então habitual em tempo de Guerra Fria, de ter ocorrido um holocausto nuclear, da qual seria a única sobrevivente. Concluindo, como só conclui quem pensa verdadeiramente no assunto, sobre o pânico que seria estar completamente sozinha. Porque, estar sozinho não é afastar-se dos outros... é procurar os outros ao ponto de perder a esperança de os encontrar. E só perante essa perspectiva é que se dá verdadeiro valor ao outro, e à forma de comunicação que podemos ter... a linguagem.
Laurie Andersen - "Same Time Tomorrow" - World Without End

Mas há algo pior... quando não nos apercebemos de que nos alimentamos do desconhecido, ou do nosso interesse por ele.
Na ânsia de tudo controlar, de tudo dominar, no fundo para terminar com o medo do desconhecido, não nos lembramos que chegados ao ponto de nada nos surpreender, perdemos esse alimento.
Com uma grande, enorme, incomensurável, diferença... se podemos combater a falta de conhecimento, conhecendo mais; não podemos combater o excesso de conhecimento, porque não conseguimos deixar de saber o que sabemos. E é quando sabemos demais, e percebemos que não queríamos saber tanto, ao ponto de perder o interesse por novo conhecimento, quando já não nos conseguimos alimentar da surpresa do desconhecido, só aí é que percebemos como é também importante o esquecimento.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Do Grexit ao Brexit, em um ano

A forma como o poder instalado na UE tratou da questão grega, desconsiderando os resultados eleitorais na Grécia, ao ponto da completa redundância da votação, repetida de forma ainda mais grotesca no resultado do referendo efectuado no ano passado, terá pesado bastante nos votantes ingleses. 
Nesta altura, quando faltam menos de metade dos votos, a vantagem do Brexit é já razoável e considerável, com aproximadamente 3% de vantagem e sempre a aumentar...
BBC news 24/06/2016 circa 4h30
Ao contrário do que aconteceu com a Grécia, ou do que aconteceu com vários outros referendos feitos para validar a UE... que foram repetidos até a população votar conforme previsto (caso irlandês), o resultado do referendo britânico irá abalar a conjuntura mundial, de forma muito significativa.
A vitória do Brexit será um atestado de caducidade, e de óbito anunciado à UE.
É claro que inicialmente os mercados vão tentar penalizar o infractor, penalizando a libra, mas pela forma como está organizada a face visível do poder, será praticamente incontornável que a breve termo a situação se inverta por completo, e será o euro a perder sucessivamente para a libra. Porque a partir do momento em que a Inglaterra abandonar, só os mais teimosos e desesperados é que tentarão agarrar o barco da UE. Uma Europa continental, sem a Inglaterra, mas com o inglês como língua oficial, será uma aberração demasiado grande para durar muito tempo.
Não será pelas efectivas consequências económicas que se instalará a instabilidade financeira, será pela simples perspectiva de instabilidade que os mercados irão reagir.
Feitas as contas pelos votos partidários, de trabalhistas e conservadores, a vitória da permanência na UE seria absoluta e esmagadora... no entanto, ao contrário dos que acham que os votos do PSD e PS também servem cá de aprovação à UE, a população britânica decidiu surpreender. À excepção de Londres e da Escócia, houve uma clara maioria que votou pela saída da UE... como provavelmente também poderia ocorrer noutros países da UE, dada a sua política plutocrática mais recente.
Saindo a Inglaterra, a UE é um Titanic a afundar, mas enquanto isso, a orquestra dos governantes burocratas dependentes até à medula das benesses de Bruxelas, continuará a tocar alegremente.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Crateras (2) Xico

A Cidade do México é hoje das metrópoles mais populosas do mundo, e ergue-se praticamente em cima do assoreamento de um grande lago, o Texcoco. A capital Azteca era já uma grande metrópole, mesmo para os padrões europeus da época, e sua localização lacustre, com múltiplas pequenas ilhas, fariam dela uma espécie de Veneza americana.
Tenochtitlan - a cidade do México, ao tempo dos Aztecas, segundo um mural de Diego Rivera
Esquematicamente, na wikipedia encontramos a configuração do que seria a região dos lagos que rodeavam Tenochtitlan (a maior ilha interna, actualmente centro da Cidade do Mexico), onde se distinguiam duas partes - uma parte do lago seria de água doce, e outra de água salgada.

Um mapa de 1847 (ver ainda mapa de Rasmusio, Séc. XVI) permite observar como o lago foi progressivamente perdendo terreno, começando pela parte central de Tenochtitlan, então já completamente arrasada e assoreada, tendo dado lugar ao centro da Cidade do México.
Interessa-nos aqui focar o Lago de Chalco (canto inferior direito) de que resiste uma pequena parte, e notar especialmente a referência ao nome Xico.
Lago Chalco no Mapa de 1847 de Bruff-Distrunell 

Desse corpo de água resta muito pouco, já que a cidade foi avançando, ocupando praticamente todo o espaço disponível... os lagos foram assoreados, e apenas as montanhas, de origem vulcânica foram mantidas.
Ora, surpreendente é mesmo a Cratera Xico, com uma forma circular quase perfeita, conforme se pode ver no canto inferior direito do Google Maps, e especialmente na imagem aérea seguinte.

Google Maps - Cratera Xico (Parque Xicotencal)
Cratera Xico - na Cidade do México - vista aérea (imagem
Portanto, pela análise do mapa de 1847, podemos concluir que esta cratera estava completamente rodeada de água, pelo Lago Chalco, lago de água doce, de que resta agora apenas uma pequena parte.
Toda a região circundante está repleta de vestígios de vulcões extintos, mas este é o mais perfeito em forma circular, parecendo muito mais uma cratera de impacto, do que uma cratera vulcânica.
Por exemplo, mesmo ao lado, na denominada Serra de Santa Catarina, há igualmente outros restos de vulcões, mas cujo aspecto exterior é razoavelmente distinto:
Cidade do México - vulcão Yuhualixqui, Serra de Santa Catarina
Aliás, olhando esta última imagem, poderá conjecturar-se que estes vulcões extintos possam ter servido de modelo, ou inspiração, para as pirâmides que os povos mexicanos construíram.

Parece inquestionável que os Aztecas reservaram para si um pequeno paraíso lacustre, que foi depois brutalmente terraplanado por um punhado de conquistadores espanhóis liderados por Hernando Cortés. Os registos que nos chegaram dos Aztecas, e que foram notavelmente caracterizados por Mel Gibson, no filme Apocalypto, apenas indiciam que uma brutalidade foi depois terminada com outra ainda mais eficaz.
Para além da total submissão e destruição, registou-se uma quase completa perda cultural, mais acentuada recentemente. Mesmo assim, apesar de proibições no Séc. XVIII e XIX, a língua Náuatle ainda mantém cerca de um milhão de falantes, e não se terá perdido por completo.
Normalmente estas perdas não ocorrem por imposição à força, mas muito mais por imposição de vontades, através da moda, e aceitação social. O espanhol é simplesmente muito mais útil, tornando o náuatle uma excentricidade para as novas gerações. 

A questão mais complicada, dado o carácter de violência extrema que caracterizou os Aztecas, seria a de saber de que forma teriam estes realizado uma transição cultural para os tempos modernos... mas afinal, se os Aztecas realizavam sacrifícios humanos, por razões religiosas, os Espanhóis iriam trazer os autos-de-fé, em que substituíam o arrancar de corações, pelo brando lume das fogueiras inquisitórias.
Se houve uma constante nas civilizações humanas foi nunca conhecer limites para trazer formas de terror para a Terra, e por muito que se invocasse que haveria um Inferno que seria pior, essa vontade de fazer na Terra um Inferno para os seus inimigos, esteve presente em praticamente todas as elites reinantes. 
Esse culto do terror, agora deixado essencialmente nos écrãs de cinema, nunca foi combatido, e a sua divulgação sempre foi acarinhada, com monstruosidades que retiravam o sono às crianças. Nunca houve propriamente nenhuma figuração de terror que tivesse sido banida pela Igreja, sempre se procurou desenhar da forma mais brutal os diabretes, e se não conseguiam apresentar pior, não foi porque não o tivessem encomendado, aos mais inspirados artistas... Aliás, ainda hoje é caricato ver a perseguição que se faz a imagens de nus, quando se toleram imagens de pura violência.
Conforme era retratado no filme Apocalypto, por muita hegemonia que os Aztecas exercessem sobre as outras tribos, na forma de terror, tentando inibir a vivência pela glorificação do medo, tinham à espera uma outra civilização, os Europeus, capazes de elevar ainda o nível de terror e submissão, a novos patamares.

Dado o contexto de cidade lacustre de Tenochtitlan, não se pode dizer que os Aztecas fossem avessos à água, e quando os Espanhóis chegam, o seu domínio no México chegava já a uma boa parte da região costeira. Também o império Inca estava num certo apogeu, havendo registos de primeiras viagens marítimas feitas pelos incas. Em ambos os casos, é a chegada dos conquistadores espanhóis que terminará definitivamente essa ascensão... como se tivesse havido a coincidência de terem chegado a tempo de parar o progresso dessas civilizações. Afinal, tal como no caso chinês, poderia ter-se dado a situação inversa - os descobrimentos terem sido realizados no sentido oposto... e não seria muito agradável aos europeus ter navios Aztecas a desembarcarem nas suas costas!
Assim, pode ter sido o próprio progresso dos Aztecas e Incas (ou Chineses) que fez tocar as campainhas europeias para uma intervenção em larga escala no globo. Afinal, as grandes campanhas de descobertas europeias, poderiam ter ocorrido em qualquer altura, e será jovial pensar que na Europa não se conhecia o resto do globo, desde a Antiguidade. 
Dado o desnível tecnológico, Aztecas e Incas tiveram pouca ou nenhuma hipótese, seria o mesmo que tentarmos resistir a uma civilização alienígena com tecnologia capaz de colocar uma frota militar de naves espaciais em órbita terrestre... as hipóteses de sobrevivência seriam a sua condescendência.