A precipitação da vida moderna levou-nos a um planeamento cada vez mais precipitado relativamente ao previsível futuro. O resultado prático é uma atabalhoada vivência num mundo caótico de referências cada vez mais efémeras. Gera-se um infindável novelo de informações que demorariam séculos a analisar, mas como servem apenas um ou dois objectivos conhecidos, ligados a valores triviais, são malha de arrasto na busca de um certo pescado, vitimando milhões de peixes só pela brutalidade do processo. Qual é o pescado procurado? Pois, esse é o maior drama... os armadores da rede nem sequer sabem o que procuram. Procuram, porque nunca souberam fazer outra coisa, e como subproduto de peixaria, vendem o que apanham.
Para a maioria das pessoas fazer planos para a semana seguinte começa a ser complicado, e já se vê como perspectiva lírica fazer planos a vários anos. Pela análise objectiva da sua esperança de vida, o maior planeamento que se faz diz respeito à velhice. E portanto, pela condição mortal, uma idealização termina no máximo em planeamento a décadas de distância.
No entanto, por estranho que pareça, uma significativa parte da população, sendo religiosa, aceita uma eternidade... Bom, e então quais são os planos para esse gozo de eternidade? Silêncio completo...
Decorre da mesma deriva religiosa que haverá tutores para lidar com esse fado interminável. Como qualquer conto infantil, parece ainda terminar com a frase "e viveram felizes para sempre"!
Na perspectiva bíblica, falando de um universo reduzido a menos de 6000 anos, parece haver uma experiência que atingiu apogeus "humanos" em idades pré-diluvianas que chegariam quase 1000 anos, como foi o caso de Adão. Mesmo assim, planeamentos a milhares ou milhões de anos, são basicamente coisa de crianças, quando se trata de pensar numa eternidade.
Ora, para além da evolução tecnológica, a vivência humana parece tornar-se algo repetitiva ao fim de algumas décadas. Há sempre um conjunto de idiotas que faz as mesmas idiotices, parecendo eternas crianças traquinas, entretidas em formatos diferentes das mesmas brincadeiras infantis.
Essas brincadeiras são as mesmas há milhares de anos, e muitas vezes resumem-se à insegurança e vontade de protagonismo da criança embutida no corpo adulto. Uma criança que quer ser centro de atenções, mas que ao mesmo tempo vive apavorada pelo isolamento e por monstros imaginários.
O eventual papão debaixo da cama passa depois a ser um eventual terrorista na vizinhança. As ameaças nunca acabam, porque é óbvio que o principal monstro que enfrenta é uma espiral de medos embutida na sua cabecinha.
O principal inimigo é o próprio, na incompreensão que tem de si mesmo. Até que aprenda a viver consigo, nunca conseguirá viver com outros. Se for um crápula, concebe implicitamente que possa trocar de papéis, e teme ser vítima do despotismo que impõe aos outros. Se não for ele que controla, questionará o controlo por outrém, a bem da equidade. A equidade só lhe interessa quando é descriminado, e normalmente é remetida contra quem tem mais e não a favor de quem tem menos. Os refúgios habituais da criança são o clube de amigos, ou a figura de pai compreensivo. O pai compreensivo, ou a mãe protectora, passam à figuração divina, ou ainda à simples figura do apadrinhanço profissional. Tendo segurança e equidade, questionará a liberdade, que afinal o condiciona a respeitar segurança e equidade. Até que cresça para entender a contradição que encerra na cabeça, será um elefante numa loja de porcelana.
Portanto, a esmagadora maioria dos adultos são efectivas crianças que nunca reflectiram, que procuram uma realização condicionando os outros aos seus medos e desejos, evitando o confronto com o outro "eu", que sempre os condicionará pelo outro lado do espelho.
Bom, e o que faz um adulto num mundo de crianças? Espera que cresçam, com a paciência de quem sabe que o tempo não se acaba amanhã, nem daqui a um milhão de anos.
Talking Heads - Heaven.
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