domingo, 10 de março de 2013

Análise, Reflexão e Síntese

Um apontamento na sequência de um texto anterior.
Podemos considerar três processos fundamentais na formação espontânea de conhecimento.
A análise, que representa um corte (se quisermos entender na forma mítica, o corte adamantino de Cronos a Urano). A reflexão, que basicamente significa que há uma simetria induzida na análise (podemos ver isto na moral cristã, da reciprocidade, de que o outro e o eu são uma mesma parte de algo que os une). A síntese, que após a análise e reflexão, agrupa as novas ideias, sendo nova forma de conhecimento. Todos estes processos se sucedem, e estão sujeitos a acções intercaladas de uns e outros.
O "conhece-te a ti mesmo" é uma análise em que o próprio "eu" está sob análise, colocando-se a um nível superior de entendimento. Por isso mesmo, pela reflexão, deve colocar-se no mesmo plano que os restantes. As conclusões que daí retira, são a síntese, que forma ideias sobre si e o que o envolve num plano superior, o que se pode entender num plano espiritual.
Seguindo um pequeno comentário, devemos entender que a destruição é apenas uma noção abstracta, de negação da construção. A construção é a síntese, feita a partir da análise, mas essa análise, quando feita no plano de ideias nada faz desaparecer. A destruição aparece apenas como uma negação da construção, enquanto operação lógica. 
A intensidade do que experimentamos neste processo de alternância destas três operações fundamentais, acaba por ser resultado do equilíbrio entre todas elas, sendo menos agressiva se optarmos pela chamada "via do meio", na concepção budista. É claro que se centrarmos tudo no "eu", podemos esperar uma ameaça da enorme montanha, que será o "não-eu", no sentido de Maomé, e por isso devemos defrontar os nossos medos, que não são mais do concepções abstractas, que resultam do desconhecimento dos outros, e respectiva falta de confiança.
A maior beleza no meio deste processo que nos aparecerá como trágico, mas também feliz, é que isto é apenas uma consequência abstracta fundamental... ou seja, só será bem entendido com conhecimento, reflexão e compreensão suficientes.

2 comentários:

  1. «Negar é ainda afirmar.»
    Machado de Assis
    in Delito de Opinião
    (26/02/2013)

    A frase tem muito sentido numa sociedade não afirmativa.
    Porém, numa sociedade afirmativa, ou seja, onde as afirmações são verdadeiras, as farsas ficam no teatro, e não fazendo da sociedade um teatro, aí, a negação não pode ser afirmação. Se fosse, seria só uma afirmação de falsidade do emissor.

    Como já disse num comentário atrás, a negação não precisa de ser personalizada... ainda que possa haver essa tentação simplista.
    Por exemplo, se existe o bem, concebemos que existe o oposto, o mal, mas ele existe por simples operação lógica, "de máquina", não necessita de ter um intérprete, que insista em assumir esse papel.

    A uma figuração construtiva coloca-se sempre a figuração destrutiva, por simples idealização. É claro que pode haver quem queira assumir o papel, para provar essa evidência... Um exemplo é ensinado aos monges budistas, que fazem belas figuras de areia, para depois serem destruídas por outro.
    No entanto, há outras coisas que mostram. Mostram que a ideia de construção que esteve presente é muito mais complexa que o simples "bit"/"beat" negativo, que a destrói. Mostram que essa ideia de construção, de beleza, emerge, apesar de ser confrontada com a sua iminente aniquilação.
    Pode não emergir exactamente da mesma forma, mas o mais importante é que há uma mensagem que quer aparecer, e encontra um ou outro intérprete.
    Por isso, ainda que se ocultem invenções, criações, há ideias recorrentes que, pela sua importância, irão aparecer com um ou outro mensageiro.

    Por exemplo, é um absurdo pensar que não existimos, porque o simples pensar é uma evidência cartesiana de que existimos. No entanto, a "máquina", a lógica, obriga-nos a considerar a sua negação. Por isso, o "não ser" aparece como um medo, neste caso como medo da morte. Só que esse "não ser" não apaga o ser, é apenas um apêndice ligado ao sujeito da frase. O "não" não vive sozinho... só conceptualmente.

    A negação tem um significado sintáctico, e pode fazer parte integrante de uma afirmação. No entanto, a afirmação e a sua negação não podem coexistir no plano da verdade. Só podem coexistir enquanto dúvida.
    Pode ser uma ou a outra, mas não ambas.
    Isto é visto como algo óbvio, mas não é.
    Algo e a sua negação só não existem simultaneamente pela percepção do universo no plano da realidade -temos a experiência de uma única ocorrência - foi ou não foi - e não de múltiplas, uma em que foi e outra em que não foi. Mas não é só da realidade física, bem definidos os conceitos mentais, sabemos que o simples raciocínio leva a contradições. Ou seja, há também uma realidade mental objectiva, única.
    É claro que podemos florear artisticamente, mas aí entramos nos modelos. Cada um tem o seu modelo, e se não houvesse um plano de realidade, onde todos devem entrar em sintonia, então cada um poderia fazer o seu. Cada um pode fazer o seu teatro, mas esse caminho tende a desligar-se da realidade comum, a ponto de não retorno, onde todos os referenciais caiem. Há muitas formas de ficar sozinho, e talvez a mais temível seria chegar ao idealizado ponto divino, em que tudo é conhecido, nada é surpresa, tudo foi feito e refeito, e não há nada para ser dito... a ninguém.

    A negação e a dúvida cumpriram e cumprem um papel na nossa sobrevivência, pelo confronto dos nossos modelos individuais com a realidade comum, mas não devem sobrepor-se à nossa vivência.
    Caso contrário, reduziríamos a nossa vivência à personificação de simples operadores lógicos... saídos da "máquina".

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    Respostas
    1. Eu sei que o texto ficou longo, mas achei que devia escrever isto... e só mais uma coisa.
      Há uma crença de conservação de massa, de energia, que obriga a que umas coisas desapareçam para aparecerem noutra forma. Se acreditarmos nessa "conservação materialista", convinha explicar em que parte do "caldo inicial" do big-bang é que estava já encriptada toda a literatura humana que se escreveu e se irá escrever. Já sei, era na partícula do Higgs...

      [transcrição completa do comentário que enviei a 26 de Fevereiro de 2013 para o blog Delito de Opinião

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