sábado, 28 de dezembro de 2013

Patas

Pelo meio da evolução, interessa perceber o que pode ter levado a umas soluções e não a outras.
Por estranho que possa parecer, há evidência biológica para respostas geométricas. Um caso típico é a divisão que levou aos Tetrapodes, ou seja, 4 patas, que junta todos os vertebrados terrestres e aves (incluem-se aí as asas, que saem de patas).
Os insectos, aranhas, escorpiões e crustáceos, com múltiplas patas, caem noutra parte do reino animal - os Artrópodes - a solução com número maior de patas trouxe uma curiosidade - nenhuns são vertebrados.

Talvez mais engraçada é uma grande divisão animal que separa os "Protostomas" dos "Deuterostomas"... já que há uma escolha embrionária primitiva, relativamente ao tubo digestivo:
Protostomas - Abrir primeiro a boca (artrópodes, moluscos);
Deuterostomas - Abrir primeiro o ânus (vertebrados, estrelas do mar).

O ovo fecundado começa a subdividir-se, e de alguma forma replicando a geração universal, a sucessão 1, 2, 4, 8... duplicará células aparentemente semelhantes, mas que irão ter funções muito diferentes.
Uma primeira fase do processo consiste na definição da "parede" que separa o interior do exterior... essa "parede" é a pele, representada na blástula do embrião.
No caso dos animais, devido à necessidade de alimentação, define-se logo o tubo digestivo, pela gástrula, que unirá "furos" na blástula... por um lado a boca, por outro lado o ânus.
Onde abre primeiro? - uma grande separação entre os animais é feita nesta opção. Em todos os vertebrados, o tubo digestivo abre primeiro pelo ânus... algo que é bastante diferente dos insectos, moluscos, etc... onde o tubo digestivo abre primeiro pela boca.

Esta divisão inicial centrada no tubo digestivo, mostra bem a importância vital da alimentação na constituição dos organismos primitivos. A alimentação revelará a essência atómica da vida. Comer podia ser um processo mecânico, mas vai ao fundamento químico atómico. Ou seja, a ingestão de outros organismos poderia simplesmente consistir num aproveitamento das suas células, para benefício do organismo que ingere. Qual a necessidade de destruir por completo as células da presa, se grande parte desse processo remete à construção de novas células no predador? Em certas tribos havia até a ideia de ligar a ingestão de órgãos para benefício dos mesmos órgãos... porém, como sabemos, o processo é bem mais radical e os nutrientes aproveitados estão ao nível molecular básico, até atómico. Ao predador interessam as moléculas, os átomos, ou a energia, e estruturas mais complexas da presa são completamente destruídas no fluxo pelo tubo digestivo.
Se o processo parece brutal pela redução da presa a simples nutrientes, não deixa de ser revelador de que a vida animal é independente da destruição doutras formas de vida, apenas recolhe os nutrientes dessa forma.
Uns seres vivos tornaram-se em autênticas fábricas de nutrientes para outros, sendo o caso mais paradigmático o das plantas. Mas este tipo de estrutura é suficientemente abstracta, e espelha-se até socialmente. Uma grande população serve como fábrica de nutrientes para uma elite predadora. É claro que a classificação predador e presa no processo humano remete a conceitos muito mais sofisticados do que a simples sobrevivência, ou a mera competição num determinado objectivo.

Voltando à questão embrionária.
Definido um corpo central, percebemos que há basicamente duas possibilidades - a radial e a não radial.
A opção radial não privilegia nenhuma direcção. 
Assumindo uma direcção preferencial, começaram a definir-se os corpos bilaterais, que seguiam a direcção do tubo digestivo - da boca à cauda. Portanto, foi a questão do tubo digestivo, a questão da comida que definiu essa orientação preferencial, e vemos que nos vertebrados a coluna segue exactamente essa direcção, que é também a direcção de locomoção.
Uma ameba pode ser vista como um corpo radial, onde nem sequer estão definidos membros... o número de extremidades é flexível e variável. O movimento do corpo amorfo é possível em todas as direcções, mas isso implica uma grande complexidade a programar a estrutura... só para controlar o movimento!
Assim, a complexidade do DNA nas amebas pode estar ligada justamente a uma complexidade estrutural que permite definir movimentos e formas arbitrárias. Isso deixa de acontecer quando a estrutura fica rígida, e ao indivíduo são permitidas poucas hipóteses de movimento. Por exemplo, os vertebrados tetrapodes ficaram reduzidos a deslocamentos fixos, com apenas quatro "patas".

Portanto, solução simples na codificação do movimento no DNA seria definir um número fixo de direcções. 
A solução pôde ser radial, mas com um número limitado de raios, de patas, que saem do corpo central, no caso dos artrópodes. 
No caso dos moluscos, as extremidades servem apenas a locomoção, e são o mais próximo do radial, tudo o resto fica preso ao corpo central (p.ex. tubo digestivo e olhos - que no caso de bivalves distribuem-se pela várias direcções). Dentro dos artrópodes, as aranhas têm uma solução parecida. Já os insectos desenvolveram uma solução diferente onde, das oito ramificações saídas do corpo central, uma das extremidades definiu a cabeça para onde migram os olhos e cérebro, e a outra extremidade tomou funções digestivas e reprodutivas, ficando as restantes 6 para as patas. Mais do que as aranhas que têm até 8 olhos, os insectos adquiriram uma direcção preferencial, com dois olhos, e estabeleceu-se uma bilateralidade não vertebrada. 

Os vertebrados começaram por definir o tubo digestivo como direcção, como no caso dos peixes, onde o número de membros não estaria completamente definido, e de soluções com múltiplas barbatanas, chegámos aos peixes pulmonados, tetrapodes, de onde se pensa terem surgido os vertebrados terrestres.
Esses vertebrados terrestres definiram 6 componentes onde, para além das quatro patas, uma das componentes definiria uma "pouco útil" cauda, e uma essencial cabeça.
Hominídeos e humanos dispensaram o prolongamento na cauda, o cócix limita o "six", reduzindo a 5 as componentes que também são replicadas nos dígitos (5 dedos). Ainda assim, do ponto de vista geométrico, o "macaco que perde a cauda" é um passo menos surpreendente do que o das cobras... que dispensaram as 4 patas, aparecendo como uma variante de tetrapode com uma única direcção preferencial, enquanto as aves evoluíram duas das suas patas em asas. 
O caso das aves é especialmente paradigmático porque apesar da significativa redução de direcções, a sofisticação do controlo das asas permite complexos movimentos de voo. Seria já a nível de um cérebro evoluído que se processaria o controlo de movimentos, não passando pela codificação directa no DNA. Por muito rápido e inerente que seja o processo, pode fazer sentido dizer que as aves aprendem a voar, e que alguns mamíferos aprendem a andar... algo que não se verifica com répteis.

Este ponto final é especialmente importante... a reprodução diversificada pela combinação de genes atingiria um certo limite crítico ao remeter codificações ao cérebro. A sofisticação do cérebro avançaria mais rapidamente do que a codificação genética. O contexto na formação do cérebro do indivíduo iria ultrapassar a vantagem da codificação genética incorporada pelo parentesco biológico.
Chegados esse ponto, a menos de transformação genética "mágica", o cérebro de indivíduos semelhantes passa a ser muito mais funcional pelo contexto educacional do que por resultado do património genético. As variações genéticas só a curso de inúmeras gerações poderiam ser eficazes, enquanto um cérebro flexível rapidamente se adaptaria a novos contextos... foi esse o caso humano.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Planeamentos a milhões de anos

A precipitação da vida moderna levou-nos a um planeamento cada vez mais precipitado relativamente ao previsível futuro. O resultado prático é uma atabalhoada vivência num mundo caótico de referências cada vez mais efémeras. Gera-se um infindável novelo de informações que demorariam séculos a analisar, mas como servem apenas um ou dois objectivos conhecidos, ligados a valores triviais, são malha de arrasto na busca de um certo pescado, vitimando milhões de peixes só pela brutalidade do processo. Qual é o pescado procurado? Pois, esse é o maior drama... os armadores da rede nem sequer sabem o que procuram. Procuram, porque nunca souberam fazer outra coisa, e como subproduto de peixaria, vendem o que apanham. 

Para a maioria das pessoas fazer planos para a semana seguinte começa a ser complicado, e já se vê como perspectiva lírica fazer planos a vários anos. Pela análise objectiva da sua esperança de vida, o maior planeamento que se faz diz respeito à velhice. E portanto, pela condição mortal, uma idealização termina no máximo em planeamento a décadas de distância. 
No entanto, por estranho que pareça, uma significativa parte da população, sendo religiosa, aceita uma eternidade... Bom, e então quais são os planos para esse gozo de eternidade? Silêncio completo...
Decorre da mesma deriva religiosa que haverá tutores para lidar com esse fado interminável. Como qualquer conto infantil, parece ainda terminar com a frase "e viveram felizes para sempre"!
Na perspectiva bíblica, falando de um universo reduzido a menos de 6000 anos, parece haver uma experiência que atingiu apogeus "humanos" em idades pré-diluvianas que chegariam quase 1000 anos, como foi o caso de Adão. Mesmo assim, planeamentos a milhares ou milhões de anos, são basicamente coisa de crianças, quando se trata de pensar numa eternidade.
Ora, para além da evolução tecnológica, a vivência humana parece tornar-se algo repetitiva ao fim de algumas décadas. Há sempre um conjunto de idiotas que faz as mesmas idiotices, parecendo eternas crianças traquinas, entretidas em formatos diferentes das mesmas brincadeiras infantis.
Essas brincadeiras são as mesmas há milhares de anos, e muitas vezes resumem-se à insegurança e vontade de protagonismo da criança embutida no corpo adulto. Uma criança que quer ser centro de atenções, mas que ao mesmo tempo vive apavorada pelo isolamento e por monstros imaginários. 
O eventual papão debaixo da cama passa depois a ser um eventual terrorista na vizinhança. As ameaças nunca acabam, porque é óbvio que o principal monstro que enfrenta é uma espiral de medos embutida na sua cabecinha. 
O principal inimigo é o próprio, na incompreensão que tem de si mesmo. Até que aprenda a viver consigo, nunca conseguirá viver com outros. Se for um crápula, concebe implicitamente que possa trocar de papéis, e teme ser vítima do despotismo que impõe aos outros. Se não for ele que controla, questionará o controlo por outrém, a bem da equidade. A equidade só lhe interessa quando é descriminado, e normalmente é remetida contra quem tem mais e não a favor de quem tem menos. Os refúgios habituais da criança são o clube de amigos, ou a figura de pai compreensivo. O pai compreensivo, ou a mãe protectora, passam à figuração divina, ou ainda à simples figura do apadrinhanço profissional. Tendo segurança e equidade, questionará a liberdade, que afinal o condiciona a respeitar segurança e equidade. Até que cresça para entender a contradição que encerra na cabeça, será um elefante numa loja de porcelana.
Portanto, a esmagadora maioria dos adultos são efectivas crianças que nunca reflectiram, que procuram uma realização condicionando os outros aos seus medos e desejos, evitando o confronto com o outro "eu", que sempre os condicionará pelo outro lado do espelho.
Bom, e o que faz um adulto num mundo de crianças? Espera que cresçam, com a paciência de quem sabe que o tempo não se acaba amanhã, nem daqui a um milhão de anos.
Talking Heads - Heaven.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Alfaborboleto

Sei que algumas das coisas que aqui escrevo parecem estranhas, julgadas mais fabulosas do que ligadas à realidade desvendada pelos olhos... e por isso é também aconselhado ver o que as borboletas nos trazem aos olhos, sem ser figurativamente. 
Neste caso um alfabeto borboleta!

Kjell Bloch Sandved, um fotógrafo de borboletas compilou padrões nas asas de borboletas, que se parecem bastante com números e letras do nosso alfabeto:
Padrões alfanuméricos em asas de borboletas (imagem em io9.com)

É claro que haverá quem diga que se trata de coincidência, de pareidolia, como quando uma mancha ou uma nuvem nos lembra uma cara, uma região... mas não vale a pena discutir sobre isso.
As imagens estão aí, e há muitas outras que Sandved recolheu desde 1960, publicou na revista do Smithsonian, e apresenta no seu site:


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Nebulosidades auditivas (6)

Normalmente tendemos a ver as coisas de forma linear, ou na forma de um plano traçado. Quando os homens partiram rumo ao horizonte, precisaram que a terra se vergasse sob forma circular para perceberem que tinham chegado ao mesmo ponto de onde tinham partido. Mas nem todos encontram essa memória, porque houve uma cedência na nossa natureza... dispomos de dois olhos para encarar o futuro conjugando perspectivas diferentes, e não de um olho para a frente e outro para trás! O que deixámos para trás vemos através de um olhar numa memória difusa. Um olhar unidireccional, algo desaconselhável numa perspectiva de competição animal, porque desprotegia a retaguarda, era compensado com alguma segurança da memória do caminho. 
Quando vogamos num mar circular, é difícil estabelecer uma ordem absoluta. As posições são relativas, e se há quem se julgue à frente, é porque pode nem dar conta das voltas que tem de atraso. E a paisagem até pode ser semelhante, e quem vê para trás e para a frente, iludido pela curvatura, não vê ninguém à sua frente, e vai debitando marcas deixadas para reavivar um mapa inscrito na memória colectiva perdida. E podemos ir por esse trilho, já calcorreado, guiados por alguma ideia do que já fomos, mas saberemos que o nosso olhar não é o mesmo. E essa é uma grande diferença... se tivermos perdido a memória, será novo, e pouco interessa que nos digam que não é. O dejá vu é uma ideia de quem está a ver de novo, e ainda que já tenha visto... não é nenhuma repetição - serve a uma nova compreensão. Se a repetição não é notada é indiferente para si, e se é notada não é nenhuma repetição total, é apenas parcial (já que pelo menos a ideia de repetição será nova ao próprio).

A nossa razão assenta sobre raízes que estabelecem um nexo causal, que do passado projecta um futuro, como uma árvore que encontra na terra a sua sustentação, mas emerge num futuro procurando uma fonte de luz. Sem sustentação sólida vogaria num vento de caos, onde seria tão provável uma realidade ou outra qualquer, por isso são as raízes comuns que nos prendem à mesma terra. Acabamos por estar entrelaçados numa malha complexa em que a fonte de luz é a própria estrutura que nos sustenta a existência diversificada... mais uma vez num misto de linearidade e circularidade, mas circularidade em espiral crescente, juntando sempre novas manifestações do já existente.

O caminho nesta estrutura não deixa de ser frágil, parecendo o voo errante de uma borboleta, sujeita a ser esmagada pelas rodas do tempo, de um passado e de um futuro que se unem no presente. Entram aqui dois aspectos, por um lado a estrutura física que se quer com raízes sólidas, e por outro lado a estrutura mental que se quer livre no voo. 
Já referimos a citação de Alexander Pope sobre Sporus, "a butterfly on a wheel", mas também é de referir a menção a Santa Catarina de Alexandria, como "butterfly on a will", e é nesse quadro que trazemos duas canções separadas por algumas décadas, mas que parecem remeter para uma mesma mensagem.
The Mission - Butterfly on a Wheel

Katy Perry - Wide Awake

A bicicleta final de Katherine parece uma forma harmoniosa de conjugar rodas que antes serviram para esmagar borboletas.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Hélgia (6)

- As associações podem ser interpretadas de múltiplas formas. Afinal o que dá mais consistência a umas coisas que a outras? Associações básicas, como o número, são como rocha. Cria-se uma estrutura perene onde assentam outras estruturas... por exemplo, as relações entre os números, por exemplo, simbolizadas pelas operações aritméticas, como soma, multiplicação, etc.
- Sim, há uma grande diferença entre um simples ver, um estabelecer de relação básica entre o observador e o observado. Sem um nexo consistente, as ideias são líquidas, não precisam de obedecer a nenhuma estrutura ou nexo sólido. Um observador estruturado encara as palavras com uma determinada ordem entre as letras... não é a mesma coisa escrever "neo", "noe", "eno", "one", apesar de serem apenas 3 letras. No entanto para um observador mais "líquido", a ordem interessa menos. Há ali 3 letras, e podem aparecer da forma que se quiser, que tudo parece a mesma coisa. É com uma troca de letras que se fazem muitos códigos entre crianças.
- No mundo de crianças há muitas ideias formadas, que são meras observações, mas que por simples relações lógicas, induzem em contraponto a um ideal positivo, um outro ideal negativo. Quando tudo é permitido podemos moldar barro da forma que quisermos, mas isso induz imediatamente a ideia do que resta...
- Exacto, e é esse problema, que se acumula com o tempo... os restos!
- Ao formarmos uma ideia estruturada, ela começa a ganhar a consistência de uma espinha, de coluna solidificada, a que se agregam as diversas ideias "líquidas" que polvilham o nosso imaginário. Se essas ideias são comuns a diferentes observadores, então estabelece-se uma ponte, um acordo entre esses observadores, que lhe dá consistência de "terra comum".
- No entanto, há uma parte criativa que produz ideias pessoais, que não têm assento nessa "terra comum", nesse acordo... onde ficam então essas ideias? Num "céu de ideias"... eh eh?
- Bom, essas estruturas mentais não deixaram de existir, nem deixaram de estar presentes nas mentes, ainda que temporariamente, talvez guardadas nalguma memória... em fantasias comuns de histórias relatadas numa comunidade em tempos remotos. Simplesmente, a realidade aparece como aquilo que não podemos deixar de ver, enquanto que os sonhos são aquilo que vemos numa interpretação dos nossos pensamentos.
- Uma criança pode fazer um boneco, um amigo imaginário, um reflexo de si mesma... desenvolvendo estruturas semelhantes de pensamento, mas que não interagem no mesmo universo. Quando as comunidades são similares, até mesmo os amigos imaginários podem ter analogias entre as diversas crianças. Porém, enquanto os adultos são confrontados com a interacção directa com a realidade, os outros processos aparecem como velhos sonhos de criança, que ganharam caminho próprio, e só incomodam o desenrolar livre dos sonhos quando a realidade se intromete no caminho. 
- A realidade é o acordo mínimo entre os diversos sonhos dos indivíduos, e em último caso pode remeter-se à lógica mais básica. O indivíduo objectivo recusa essa dupla personalidade, que lhe apresenta um sonho sem nexo. O resto, a realidade, alicerçou-se em ideias estruturadas, onde tudo tem uma razão, um caminho, que foi o que ficou depois de todos os sonhos impossíveis.
- De alguma forma, foi como uma espinha matemática, reflectida em nexos físicos consistentes, que ganharam espaço de realidade, depois de esgotada toda a matéria ilusória dos sonhos. Terminados os medos dos sonhos, pela sua falta de substância de realidades, falta-lhes espaço de impor a sua existência, excepto como uma parte integrante da mesma realidade. E é claro que a falta de nexo lógico, de estrutura razoável subjacente aos sonhos individuais, só os torna admissíveis num espaço de realidade comum com uma fragilidade própria da inconsistência ocasional.
- Num mundo idealizado por sonhos caóticos, tudo é vago, pouco perene, e fica implícita uma divisão para o que não interessa... há um mundo mitológico, algo infantil, por um lado, e uma estrutura que se solidificou, que sobreviveu pela lógica da existência do resto.
- Tal como os números primos são o resto das construções básicas da aritmética?
- Exacto, uma coisa é pensar que todos os números estão pelo menos agrupados com 2 elementos numa multiplicação, outra coisa é deixá-los de lado... no entanto, eles não desaparecem. 
- Sim, não são multiplicação reprodutiva de dois anteriores, existem como resto desse processo... mas têm direito a essa existência, por exclusão lógica do processo multiplicativo. Não são vistos como ordem, são desconsiderados até que seja inevitável a sua emergência... e o necessário estudo, por força da sua existência como realidade que se impõe.
- Depois, como é óbvio há sempre várias camadas entrelaçadas, no reflexo sobre si mesmo. Qualquer ideia gerada, é vista num nível acima como ideia do olho, em vez de ser ideia do cérebro. Por sua vez, em camada ainda superior, isso é entendido, de novo colocado para visão, num processo que não tem fim... e que é de alguma maneira bem retratado na mitologia nórdica pela figura de Loki.
- Porém uma coisa completamente diferente é o processo algo maquinal de apresentar ideias de forma fotográfica... algo típico da função de memorização, que é de certa forma independente da função de compreensão, destinada a estabelecer uma árvore de ideias com raízes sólidas.
- Sim, há uma clara distinção entre um simples saber, que pode ser visto como folhas, mas que não é árvore sem os ramos que a estruturam.
- A relação entre as ideias são o tronco, que é visível, gerando novas folhas, num outro nível, e a comunicação que se estabeleceu numa realidade entre os diversos outros, mas que fazem parte da mesma estrutura acaba por estar algo bloqueada, por diversos processos comunicacionais, entre os quais pela memória. No entanto essas ideias mais leves, de que se fazem os sonhos, sobem e podem ser partilhadas por conexões no mesmo imaginário, levando a eventuais alucinações se não houver recusa da sua plausibilidade pela comunidade "acordada".
- A estrutura lógica, matemática, acaba por ser a última rocha, o tronco onde assenta a estrutura.
- Não só matemática, mas também filosófica, que entronca na noção de existência ter observadores que recusam a anulação... em última análise, ainda que se forçasse um colapso da memória, seria apenas uma desestruturação, um cair de folhas, mas o tronco da estrutura estaria pronto para o inverno, pronto a renascer com novas folhas, com base na matemática já desenvolvida.
- A lógica acaba assim por ser o último reduto da existência?
- Sim, e também da não existência... por complementaridade.
- Mas isso não é algo contraditório?
- Não, a realidade é a fronteira que determina o contacto entre os dois universos.
- A realidade avança na direcção do imaginário, com base nas realidades passadas. Se ignorarmos as realidades passadas, a memória, então poderíamos entrar num caos, e perder a base da estrutura que nos definiu.
- Mas não perderíamos a estrutura... porque existiu sem contradição.
- Sim, mas pelo outro lado, onde a contradição é possível, não há propriamente restrições... e o vento de ideias acaba por permitir a imaginação, que pode encontrar novo espaço para se solidificar como novas raízes, desde que se estabeleçam as relações para isso.
- Bom, e sejam consistentes... ou senão serão "arte".
- O processo matemático assemelha-se a uma máquina, e pode usar-se essa figuração, levando a crer que há alguma "máquina com controlo a governar", a ponto do visualizar de novas estruturas, uma alteração do inicial, remeter para uma ideia de tempo pela modificação inerente e inevitável. Um simples "passeio" pelas alterações da estrutura remete a essa ilusão, tal como podemos ver um mundo 3D como tendo camadas de observação 2D sobrepostas
- Aliás, as nossas letras acabam por ter curiosamente uma estrutura que pode revelar observações superiores, com significados desse tipo:
- Revela-se uma cisão que não é equivalente, partindo de O inicial.
Por um lado há uma parte que se fecha num D, e uma estrutura que fica aberta num C, que receberá tudo o que fica de fora. Equivalentemente podemos ver uma estrutura superior, um céu sobre uma terra plana, que tende a ficar piramidal no A, mais uma vez deixando um universo U de fora. Numa fase seguinte, temos a perspectiva de junção de D que leva a um B, ou alternativamente os dois C levam a um E, enquanto estrutura aberta, e por simetria a um 3, que podem unir num 8. Ortogonalmente, temos uma sobreposição W e M que corresponde ao símbolo típico de infinito (ou da banda de möbius).
- Não se vê nada de AAA nem de BBB... talvez os correctores financeiros se refiram mais à música dos ABBA, ou devessem rever as notações mais para 888, havendo a hipótese WWW com XXX... eh eh! Então e a seguir?
- A seguir podemos ver como estas coisas se unem entrelaçadas, como no DNA, ou ainda nos cromossomas. O Y é tipicamente masculino e representa uma bifurcação, unida por um passado comum, ou alternativamente haverá um X (ou H) de corte de Cronos, mas que têm que pelo menos unir-se num ponto comum. Caso contrário seriam disjuntos como dois II que nunca influenciariam um e o outro. Esta união também poderia ser vista como um duplo S, um SS, ou S2, no sentido de formar um 8, ao estilo fecho Zip... seria um ZZ visto como Z5, dois caminhos seguindo entrelaçados em atacadores.
- Vocês só podem estar a gozar falando disso!...
- Claro que sim. Mas as relações não deixam de estar lá, se as quisermos ver... e há sempre quem atribua importância a estas coisas, talvez por receberem informações privilegiadas!
- Mas qual é a ideia afinal?
- A ideia é que o universo se constrói em cima de si próprio, e inevitavelmente houve um passado que  influenciará o futuro, mas também o nosso futuro determina a capacidade de investigar e recuperar esse passado. Mas tudo isto é muito mais de simples folclore individual, porque ao existir cada um condiciona-se a si próprio e aos outros.
- Bom, tudo isso me parece embrulhado num ovo caótico serpenteante.
- Mas não somos feitos da consolidação de um caldo cultural caótico?

Panjabi MC - Mundian To Bach Ke

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Cores (4)

Depois do mundo a preto e branco, onde imperava um nevoeiro cinzento, apareceu a roda das cores

imagem de amopintar.com

Percebo pouco da lógica social que se foi estabelecendo associada às cores, não havendo muito acordo sobre isso. No entanto, são fundamentais o RGB, com o vermelho, que para mim representa a igualdade, o verde que representa a esperança, e o azul que representa a liberdade. Há um compromisso entre a liberdade e a igualdade, e no meio é que reside a esperança, o caminho. Tudo o resto parecem-me ser escolhas possíveis dentro da harmonia no acordo.


domingo, 1 de dezembro de 2013

Nebulosidades auditivas (5)

Em português fado é destino. Destino é para onde vamos.
Sempre achei que ao fado faltava alguma melodia e ritmo, um bater, um bateria que não bate em ninguém.
Essa bateria está bem presente no tema Gaivota, dos Amália Hoje, projecto de Nuno Gonçalves, dos "the Gift". E há coincidências que parecem presentes, neste caso de Alcobaça... e não de Tróia!
Cada qual pinta o mundo com as suas cores, com as suas dores. Porém há também as dores alheias, e se conto um conto de uma forma, mais objectiva, posso contá-lo também de forma mais pessoal. Cada pessoa tem uma mensagem, e a partilha não é posse, é dar... para receber, quem quiser.
Podemos entender ofertas que façam sentido.

Gaia vota.
Chegados ao fundo de nós, até onde mais não conseguimos ir, depois de olhar para dentro, olhemos para fora, e vejamos tudo o que ficou de fora do conjunto de nós, da corda. Onde uns vêm dragões, monstros, máquinas, vejamos o coração que bate. Avancemos para o desconhecido com a confiança dos navegadores que ousaram conhecer para além de si, e assim nos ajudaram na navegação para o interior de nós. É esse o nosso fado, e confiemos o nosso coração, um bater que nunca foi nosso... e nem vale a pena rebater.
Não é ser nacionalista dizer "Por ti Gaia", pois também foi-se bastião de "por ti cale", de um calar encoberto, em nome de uma gaivota que nos guardou as memórias. Por isso, Gaia vota, e Gaia volta e revolta, mas num sentido de novas voltas, do bater do tempo que é o bater do nosso coração, é a corda do acordo, onde os nós somos nós.
E eu não me canso de ouvir a canção... cada qual tem as suas canções e os seus cansões.

Mais do que uma pátria, que se quis formada do nada, há toda uma história mátria que não é para o oculto, nem para o culto privado, porque só esconde o passado quem teme o futuro. E os medos não devem privar-nos do futuro, remetidos a um passado de ilusão... que poderia até ter o acordo de todos nós, mas não há nós sem corda... uma corda que os liga, um "acorda" que a nós liga. A corda para a vida!

Seria de dizer - à mátria, Gaia, aMai-a hoje.
Ao jeito de pronúncia japonesa em Amália, também podemos ver Amaria, tudo depende do rosto que nos for oferecido ver, sem nunca negar os nossos dois olhos. Tudo o resto são intérpretes das interpretações, que se alimentam de egos e cegos medos inibidores.
É um concordo, com coração, corda maior que o fio do confio.
Amália Hoje - A Gaivota.

sábado, 30 de novembro de 2013

Hélgia (5)

- Como pode estar o universo congelado, se presenciamos o tempo a passar?
- Porque entrou em ciclo.
- Sim, ou seja, repete-se indefinidamente, automaticamente, pela inevitável geração diferenciada. De certa forma, foi estabelecendo processos automáticos, invariantes em diversas dimensões, e depois em todas as dimensões.
- Há um processo inicial em que a máquina se forma, digamos um tempo zero, porque aí não haveria tempo como o concebemos. Uma vez formado...
- Acorda!
- ... isso, a máquina acorda. "Acorda no seu funcionamento", é uma boa expressão, e a corda do relógio começou a trabalhar.
- Aquilo que vemos é então apenas uma dessas repetições?
- É uma das múltiplas possibilidades, mas as outras são disjuntas desta. Ou seja, dividiu-se pela lógica, não poderia existir ao mesmo tempo, em simultâneo dois universos diferentes, por isso o tempo acaba por ser a separação lógica que permite a unicidade.
- Mas há intersecções, ou completa disjunção?
- Estamos na intersecção de tudo, o universo é tudo, mas ao mesmo tempo é individualidade. Para o indivíduo manifesta-se em tempos diferentes, que acabam por ser as repetições... digamos, primeiro forma-se um contínuo "espacial" (e coloco entre aspas, porque é um espaço de instantes, que transcende o espaço físico, será mais um espaço de ideias), e estando congelado esse espaço, começa a repetir-se.
- Mas por que estamos nesta repetição?
- Cada um tem a sua... se fossemos todos completamente iguais éramos apenas um.
- E somos... sim, juntos todos os eus. Só que isso é acima de todos os tempos, e por isso o invariante está estabelecido nos tempos.
- Parece uma corda vibrante, que definiu as frequências em que dá música. Como se cada um de nós fosse uma melodia tocada para a eternidade. A corda... eh eh!
- Mas é uma melodia tocada em todas as línguas, é uma questão de ser descoberta por cada um, por cada comunidade, em conjunto... porque a intersecção é o acordo, a realidade, a orquestra. Mesmo que queiramos perceber a melodia que nos calhou, não devemos ignorar que todas as melodias se intersectam... e o confronto foi mais um desacerto inicial antes de todos começarem a tocar em conjunto.
- Com essa visão global, não sentes que isso deixa pouco para saber?
- Isso é ter uma visão muito limitada do universo... eh eh!
- Isto é apenas uma perspectiva, que tem lugar pela consistência. Haverá outras perspectivas, e outras consistências. Num mundo perfeito todos têm razão, e só não lhes damos razão porque ainda não percebemos como encaixa o seu ponto de vista. E é isso mesmo, cada um tem um ponto de vista do universo, e podemos partilhar esse ponto de vista com linguagens. A linguagem, no seu abstracto, foi o que restou da intersecção de todos os universos.
- Mas já há várias coisas a encaixar... eu acho que sim.
- Temos muito tempo!
- Pois... e eu não tenho pressa de saber tudo. Falta é mais harmonia na orquestra, porque cada um tem pressa de pôr o seu instrumento a funcionar.
- Tem uma certa ironia, porque por um lado é como se o universo, Deus, tivesse desaparecido... o que daria razão aos que negam, mas por outro lado é como se tivesse reencarnado em cada um de nós obrigando-nos a ver a sua obra, e ao fazer isso obriga-nos a reencontrá-lo em cada instante. E será na nossa harmonia que se reencontrará por completo. Como se tivesse perdido a memória, mas essa memória está à nossa frente para ser relembrada. Por isso caminho de encontro ao conhecimento universal, pode também ser visto como um caminho infinito de reencontro com Deus, com todos, com tudo o que é, sem deixar nada para trás.
- É um reencontro com nós próprios, com o nosso sentido, porque no fundo, cada um é uma parte do todo.
- Exacto, e por isso o caminho de encontro a si próprio é importante, mas não é apenas para olhar para si... senão afunda, fecha-se em si mesmo, é um caminho para o interior mas a olhar para o exterior, para o outro, que é apenas uma outra manifestação de nós próprios.
- Há uma igualdade, mas é mais que uma mera igualdade, não é apenas "iso", é paraíso. É isso?
- Devemos evitar ver tudo como igual, porque uma pedra não é igual a uma planta. Cada ser ajusta a sua existência ao que é, e não vale a pena estar a projectar-nos em tudo, porque isso é querer igualar o que é diferente. Devemos procurar semelhanças, no sentido da abstracção equalitária, mas não deixar de aceitar diferenças que são naturais.
- Sim, por exemplo, um dos problemas de consciência seria a questão de entrarmos em ciclo de repetição infinita. Só que quem se apercebe disso é o observador externo, não é o próprio. O próprio entrou num universo consistente à sua maneira. Por isso seria algo estranho procurar despertar uma pedra para uma consciência que não pode ter. A nossa projecção nos outros tem limites, sob pena de nos querermos reduzir à sua dimensão.
- Mais alguma pergunta?
- Mas afinal quem é que estava aqui?
- Não interessa... interessa que as palavras estão, para quem as entender.

Amor Electro - A máquina acordou.

domingo, 24 de novembro de 2013

Nebulosidades auditivas (4)

Um dos primeiros discos que comprei...

Living by numbers, New Musik (1980), From A to B

Living by numbers
Adding to history
And living by numbers
I guess was always meant to be
Living by numbers
Living by numbers now
We've been living a long time
Counted out in the rows of files
Such a digital lifetime
It's been by numbers all the while
Living by numbers
Living by numbers now
You count the days but does it
All add up to you
Does it all add up to you why we're
Living by numbers now
So you're living by numbers
And numbers you answer to
You can count all the nubmers
You bet that someone's counting you
Living by numbers
Living by numbers now
Living by numbers
Living by numbers now

They don't want your name
They don't want your name
They don't want your name
They don't want your name
Just your number

Does it all add up to you? Não, o nosso número não é 1, nem 3. 
You bet that someone's couting you... e isso aplica-se ao "someone" também. 
Just your number... e o número da nossa geometria é π = 3.1415926535... 
É quanto liga um diâmetro unitário ao perímetro de um círculo perfeito. 
É engraçado que a letra grega pi, π faz lembrar uma construção de anta ou dólmen.
A transcendência de π foi provada, e há recordes para determinar o maior número de dígitos, em ordens que pouco mais são que deixar máquinas a correr, pois é-nos impossível olhar para a lista de números. Servem para estatísticas, e uma das estatísticas tem revelado que esses dígitos aparecem como aleatórios, apesar de serem bem determináveis. São poucos os resultados qualitativos que podemos tirar, e tudo o resto é mera observação passageira, muito limitada, porque face ao infinito qualquer finito é igualmente distante. E ainda que houvesse quem todos os dígitos visse, não veria a infinidade de associações qualitativas, e se ainda assim tudo visse... então nada mais tinha para ver, e reduzia-se a um todo fechado. Esse todo fechado é unitário, é 1, o ciclo fecha-se, e tudo começa de novo.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Chorar ao "Rir a bandeiras despregadas"

"Rir a bandeiras despregadas"... é daquelas expressões algo estranhas, mas que se implantou na língua portuguesa. Se olharmos por exemplo para a explicação constante de ciberduvidas:

«É fácil compreender que as bandeiras podem estar atadas antes dos dias festivos para não se rasgarem. Chegado o dia marcado para a festa, as bandeiras são desatadas para serem agitadas pelo vento.»

Acresce noutros casos a referência de que as tropas vitoriosas regressavam de combate com as bandeiras despregadas.

Será isto?
Pois, parece bem que não. Não tem a ver com algo tão literal.
Na página 304 do Volume 8 do "Instituto", de 1860, no meio de um apontamento sobre galicismos, podemos ler:
______________________________
A BANDEIRAS DESPREGADASbonieres deployées). E phrase que não temos, e que nunca será usada por homem instruído na lingua portugueza.
Rir a bandeiras despregadas; rir muito, perdidamente, loucamente, as gargalhadas. ______________________________

Bom, o que se passa então?
Do que se entende, e li algo adicional sobre isto, mas não encontro a referência, o uso da expressão francesa no início do Séc. XIX provavelmente caiu no ridículo cortesão...

Porquê? Porque aparentemente as tropas portuguesas nunca despregavam as bandeiras (ou nunca se consideravam vencedoras), como faziam os outros, e daí ser dito que ninguém instruído deveria referir-se "a bandeiras despregadas".
A corte lisboeta deveria entreter-se e delirar com os mínimos deslizes de ignorância da plebe mais atrevida, porém ignorante dos códigos e diabruras infantis dos cortesãos. 
Assim, parece ter sido instituído o rir à expressão "a bandeiras despregadas"... e o riso pelos vistos foi tanto, que dá para ver o nível de maturidade mental subjacente.
Terá mudado alguma coisa?... Duvido!
Na literatura do Séc. XIX a expressão remeteria muitas vezes a um riso trocista sobre alguma ignorância alheia. Porém, depois, ao entrar na gíria popular ficou apenas como alusão a riso incontrolado.

Seria até natural que este texto desse para rir a bandeiras despregadas, pois sem referencial digno, tudo passa por atestado engano, e assim se engana quem quer ser enganado.  
Porém, dado o contexto, é mais natural chorar ao "rir a bandeiras despregadas", e percebe-se porque às vezes chorar de tanto rir é um claro sinal de que se ri demais, e foram dados claros sinais para chorar. 

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Ver estrelas

"Ver estrelas ao meio-dia" era uma expressão antiga, que encontramos em textos do Séc. XIX, e que hoje abreviamos para "ver estrelas", mantendo o sentido associado a uma pancada ou dor forte. Era especialmente popular nos desenhos animados dos anos 60 e 70.

Não há estrelas no céu a dourar o caminho da NASA.
O filme "Gravity" que agora estreou, lembra as "caminhadas espaciais", mas vem também lembrar as muitas imagens de astronautas perdidos num "espaço negro":
Bruce McCandless na sua "grande caminhada" fora da nave, em 1984.

A história da carochinha é sempre a mesma... o brilho da Terra/Sol ofuscaria o brilho das estrelas, para fotografia de exposição curta. As únicas estrelas no espaço são os astronautas, esses bem visíveis, pois visa-se um estrelato hollywoodesco. À caminhada só faltava a pegada, essa "deixaram-na na Lua".

Porém, noutras paragens, na URSS de 1965, a conversa era outra...
Vemos nas duas imagens seguintes, o primeiro cosmonauta, A. Leonov, rodeado de estrelas a dourar o espaço negro:
A. Leonov (primeiro cosmonauta no espaço, 1965)
As estrelas são perfeitamente visíveis, como seria de prever.
(imagens: em Claude Lafleur e na Time)

Portanto, o filme fotográfico que a URSS usava não era à prova de estrelas.

Quer isto dizer que os EUA não chegaram a enviar ninguém ao espaço, e que tudo não passam de encenações feitas em estúdios de cinema e fotografia? Uma coisa não implica a outra... podem perfeitamente ter ido, mas temos todas as razões para suspeitar dos seus filmes e encenações.

Um problema está abordado justamente no filme Gravity... mas num contexto de erro russo!
Não será à toa que nas imagens que vemos dos russos os cosmonautas não se desprendem muito da nave.
A Terra é bombardeada por milhões de pequenas partículas. Algumas, maiores, podemos vê-las no céu à noite - são as chamadas estrelas cadentes
Ao irromperem pela atmosfera a enormes velocidades os meteoros incendeiam-se provocando aquele espectáculo clássico. Há épocas em que atravessamos órbitas de destroços, e nos meses de Julho e Agosto são características as chuvas de meteoros, chamadas Perseidas.

No espaço, não havendo atmosfera protectora, mesmo as mais pequenas partículas actuam como autênticas balas... e, ou se arrisca a sorte, ou um cosmonauta poderia ser alvo de "um tiro". Isto não afectará os astronautas, porque presume-se que estejam em filmagens, e o maior medo será se a foto não o favorece muito.
Já os cosmonautas, esses não é muito crivel que se aventurassem para além do escudo protector que seria a própria nave espacial. Os próprios satélites artificiais incluem uma apólice de risco de serem albarroados por um pequeno meteoro, e não é demasiado grave o impacto de micro-meteoros porque o seu material será suficientemente resistente a esse impacto menor.

Há poucos dias, para promoção dos Jogos Olímpicos de Inverno, Sochi 2014, os russos levaram uma tocha olímpica para o espaço... e lá está a NASA associou-se, com imagens mais nítidas sem estrelas, ao passo que os russos davam as suas tímidas e mal definidas imagens:
Kotov exibe a tocha olímpica... num tímido passeio espacial

Não vemos aqui nada de especial, face a outras imagens... muito pelo contrário, Kotov nem sai da estação espacial, e a novidade de ter uma "tocha olímpica", seria proeza pequena quando vemos a primeira imagem de McCandless, ousadamente soltando-se pelo espaço negro.

Porém, é natural que os russos tenham um património de ver estrelas e não queiram abdicar completamente dele para o apagão americano.

domingo, 3 de novembro de 2013

Eclipse now... hoje 03-11-2013

Por volta do meio-dia de hoje, 3 de Novembro de 2013, está previsto um eclipse do sol híbrido

Curiosamente, conforme refere a wikipedia, irá ser visível em todos os países de língua oficial portuguesa (menos Timor)... É um eclipse que se inicia sobre o Atlântico, da costa leste da América do Norte à costa norte da América do Sul, e que depois cobre praticamente toda a África. Na Europa estará restrito praticamente a Portugal, Espanha, Itália e Grécia.

Eclíptica
Aproveito para uma daquelas observações simples, mas que podem ser instrutivas.
Se o céu estivesse "fixo"... a cada ponto da Terra corresponde exactamente um ponto do Céu.
Ou seja, fixado esse céu, pelo zénite, cada estrela teria uma posição exacta sobre a Terra, e vice-versa.


Uma indicação de que algo desse género poderá ter estado na demarcação das constelações tem a ver com alguns nomes e mitos. 
Por exemplo, Perseus, que pode ser ligado à Pérsia está acima de Touro, e Taurus era a cadeia montanhosa que definia a Turquia, com clara proximidade à Pérsia. Além disso, abaixo de Touro encontramos Oríon, que tem sido identificado ao Egipto. Há quem veja nas 3 pirâmides de Gizé uma associação às 3 estrelas do cinto de Orion (se bem que estas estrelas estão demasiado abaixo, cruzando a linha do Equador). Outras associações são mais difíceis, até porque não é claro se havia ou não redução ao espaço conhecido. 
Porém, Hércules poderia ser remetido facilmente às Colunas de Hércules, pois esse era um nome de referência na geografia antiga.

Bom, e praticamente ficamos por aqui, ainda que possamos estabelecer outro tipo de relações. 
Por exemplo, seguindo Hércules temos Lira e Cisne. São dois símbolos conhecidos. A lira está ligada a Apolo, mas também ao filho Orfeu - poeta e um dos Argonautas, ligados à viagem de Jasão. Por outro lado, o Cisne esteve ligado a mitos de passagem do Atlântico, por Lohengrin.
Seguindo por esta ordem, surgiria imediatamente Pégaso, Cefeu, Cassiopeia, o que se liga directamente a toda a história de Andrómeda e Perseu. 
Para se manter algum nexo, deveríamos considerar a visão antiga, de Colombo, que ligaria directamente o Atlântico à Índia e Etiópia. De facto, Cefeu surge como rei da Etiópia, e assim Andrómeda surgiria como associada a uma Índia presa. Andrómeda sofria punição de Neptuno, o que poderia referir-se à proibição de navegações, mas seria salva por Perseu. O corte da cabeça da Medusa, poderia ser um corte da liderança dos Medos, que colocou os Persas no comando.
Por outro lado, Cappela, a cabra, e Auriga, pela quadriga, ligariam à Grécia e/ou à Itália, ainda que esta relação seja menos clara, tal como a Ursa Maior poderia ligar à parte continental europeia, onde o urso era um símbolo (por exemplo, o "Ber" em Berna ou Berlim estão-lhe associados). Isto implicaria uma associação geográfica algo grosseira, mas que tem sentido nas representações antigas do mundo.

É claro que tudo isto são meras especulações, mas um maior estudo poderá permitir outras conexões. De qualquer forma, este tipo de ligação sempre me parece fazer mais sentido do que a simples ideia difundida de que a associação de constelações corresponderia a ver figuras desenhadas pelas estrelas... algo que só em raros casos tem algum sentido, mesmo com grande esforço de imaginação.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Canhão da Nazaré (3) - ondas à superfície

O canhão, nas profundezas, e as ondas, que se manifestam à superfície, sempre lá estiveram...


Nazaré Blow Up (Hélio Valentim).

... a novidade está na atenção que passaram a ter, por via do havaiano Garrett McNamara.

Desta vez, a atenção foi emprestada pelos brasileiros Carlos e Maya, e este vídeo de Hélio Valentim é notável.

Porém, não deixa de ser igualmente de lembrar o filme de 1929, de Leitão de Barros, "Nazaré, praia de pescadores".

Conheci suficientemente a praia da Nazaré para me recordar dos gritos das mulheres nas ruas, quando uma embarcação se perdeu, engolida pelo mesmo mar que antes era visto com temor e hoje é olhado como recreio, mas que não deixa de guardar os perigos da enorme potência que ali exibe.

Tem mil anos uma história de viver a navegar... há mil anos de memórias a contar:
Sete Mares, dos Sétima Legião (curiosamente do álbum "Mar d'Outubro"...), incorporava algumas imagens do filme de Leitão de Barros (o vídeo tem ainda imagens de um clássico de Serguei Eisenstein, "Alexander Nevsky", de 1938... ver neste link aos 28 minutos).

Há mais do que mil anos de memórias a contar...

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Herança genética - o reino das amebas

Um dos mitos que deve ter caído da cadeira do preconceito genético terá sido saber-se que a maior sequência genética não está entre os seres humanos.

Se olharmos para a herança genética que passa de progenitores para descendentes, a actual liderança destacada vai para uma Ameba, com menos de meio milímetro, de nome Polychaos dubium:
A ameba Polychaos dubium tem a maior sequência genética (encyclopedia of life)

O genoma desta ameba é 200 vezes superior ao dos humanos, e apesar do seu tamanho insignificante, tem algumas particularidades notáveis. Entre essas particularidades estão cristais de forma bipiramidal que guarda em si, ou uma notável capacidade de alterar a sua forma, criando protuberâncias - chamadas pseudopodes ou pseudo-pés. Esta ameba pode ser encontrada na Europa ou América do Norte, em locais de água doce, alimentando-se de algas...

Vemos aqui um claro exemplo de como a complexidade pode ter outras formas. Se o genoma do homem (3.2 Gb) cabe bem numa pequena Pen de 4 Gb, o desta senhora ameba precisa de um disco com mais de 500 Gb, para armazenar 670 Gb.

Tratando-se de um ser unicelular, não indicia haver um processo de meta-conhecimento.
É uma alternativa evolutiva em que parece não haver colaboração com outras células.
Enquanto no caso de animais multicelulares cada célula individual é apenas uma contributo para uma forma de vida agregada, de onde resulta um conhecimento superior  (através da interacção, confiança na dependência, que coloca decisões nos múltiplos neurónios de um cérebro), neste caso a solução é individual. 

Seres multicelulares
Mesmo do ponto de vista de seres multicelulares, o genoma humano fica bastante atrás de dois casos conhecidos, que têm genomas pelo menos 40 vezes superiores.
No caso de plantas, o recorde de 150 Gb está actualmente numa espécie de lírio, denominada Paris Japonica, encontrada com outros lírios no Monte Haku:
Paris Japonica, lírio com o maior genoma entre os multicelulares

Outros lírios mais vulgares, como a fritillaria assyriaca ou uva vulpis, chegam a ter 130 Gb, rivalizando com o maior genoma encontrado num animal vertebrado:
- Trata-se do Peixe Pulmonado Protopterus aethiopicus, com também 130 Gb, e que pode ser encontrado no Rio Nilo:
O peixe pulmonado tem o maior genoma entre os animais multicelulares

Sobre o lírio não conheço nada em especial que justifique tão pesada herança - talvez um nariz mais apurado consiga perceber alguma subtileza no aroma produzido. 
Já o peixe pulmonado é notável por conseguir respirar ar, estando numa categoria particular dos Tetrapodes - ou seja, animais com quatro patas, levando-o ao antecessor vertebrado de onde terão partido a maioria dos animais terrestres - quando saíram da água (época Devoniana), por conseguirem respirar directamente ar, podendo gerar os anfíbios.

Cadeia informativa
O genoma, ainda mal compreendido, pode ter informação redundante. Em seres microscópicos parece haver uma relação mais clara entre a sua complexidade e o comprimento da cadeia genética, no caso de seres macroscópicos isso não é tão evidente... até porque haverá diversos níveis de redundância.

Os seres multicelulares começam por ter 100 Mb e como vemos podem ser até 1500 vezes mais longos, enquanto os mais pequenos animais unicelulares começam nos 20 Mb e podem ser até 33 000 vezes mais longos no seu genoma. Ou seja, a variação entre os seres unicelulares é bem maior, permitindo a existência de animais com complexidade mais pequena.

Se o vertebrado com o maior genoma encontrado é um peixe que respira ar, o mais pequeno é um peixe vulgar - uma espécie de peixe-balão de aquário, chamado Tetraodon nigroviridis, e com 385 Mb tem o seu genoma com apenas um tamanho 9 vezes inferior ao dos humanos. Algumas formigas têm mesmo um genoma superior ao deste peixe (formiga-de-fogo).
Estas contas simples colocam os humanos num patamar pequeno ao nível do tamanho do genoma... são apenas 9 vezes maiores que o peixe-balão, e 40 vezes menores que o peixe pulmonado.

Se outras contas fossem necessárias, parece claro que a novidade humana não se deu pelo tamanho da herança genética. Os factores externos pesaram de sobremaneira na definição dos animais superiores, e o registo de herança genética foi reduzido a um nível muito pequeno - ninguém nasce ensinado - se isso contar para alguma coisa é para uma ameba!

Estamos habituados a que o esquema de interdependência celular tenha levado aos maiores organismos, e que os organismos unicelulares pouco mais sirvam do que acessórios... contudo os próprios organismos unicelulares podem organizar-se em colónias - como é o caso das bactérias, dos fungos, etc.
Não é completamente claro que estes seres separados não deixem de actuar em conjunto. Ainda que não se perceba nenhuma comunicação detectável entre si, como entre formigas, ou entre abelhas numa colmeia, há alguns aspectos em que denotam mais do que uma coordenação acidental.
Quando começamos a ver as coisas numa perspectiva de organismos desconexos, mas em que o propósito pode ser conexo e desconhecido, então estes seres unicelulares, que optaram por não depender de outras células, têm uma dimensão planetária cuja massa total é gigantesca e por reciprocidade oposta faz o conjunto de todos os outros seres parecer uma ameba ao pé de si!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Verdade ou Consequência

O chamado "verdade ou consequência" era um dos jogos mais parvos que se jogava na infância/ adolescência. Não creio que se possa considerar um jogo popular... as suas origens parecem remontar ao princípio do Séc. XVIII, enquadrando-se bem num certo treino de mentalidade cortesã doentia, onde se exercitava o espírito de grupo, ou melhor, de matilha.
Afinal, procurava-se ou a exposição de uma verdade embaraçosa ou o embaraço de uma actividade compensatória, tomando-se como equivalentes. Servia como uma espécie de treino para um mundo perverso sem alternativas agradáveis... O eventual interesse só resultaria de grande cumplicidade entre os promotores, ou remetendo para alvo de ridículo os novos convidados, externos ao grupo de interesse. Todas estas características são típicas de uma corte mordaz, cujo objecto é a própria corte, o galanteio, a sedução com os mais diversos atractivos fugazes.
Picasso - bacanal... por estranho que pareça, os quadros ilustrativos de festas, 
remetem normalmente para os devaneios mitológicos de Baco.

A burguesia dos Séc. XIX e XX, sendo seduzida pelo fausto aristocrata faria facilmente o papel ridículo de novos convidados, acabando por transmitir cedo aos seus petizes as perversidades que iriam experimentar... por sua vez, estes petizes, por via destes jogos, acabaram por difundir o processo à restante população.
Bom, mas este texto não é sobre as frustrações duma burguesia que julgou poder ser feliz com devaneios hedonistas dependentes dum privar privado. Afinal, o seu maior fascínio - o isolamento parcial (o grupo privado, no sentido elitista), esbarraria com o maior temor - o isolamento total (a rejeição por esse grupo). Tal como no jogo dos petizes, as mecânicas de grupo decidiriam entre o gozar e o ser gozado.

Este texto é sobre a verdade que pode haver na "consequência".

O encadeamento de factos, no sentido causa-efeito, é uma visão do observador limitado, circunscrito pela dimensão temporal. É um problema de modelação animal, já que uma previsão adequada actua no sentido de salvaguarda da sobrevivência - o animal melhor capaz de antecipar acontecimentos, mais probabilidade terá de os aproveitar em seu favor. As frases normalmente terminam aqui. É suposto entender-se o que é "em seu favor"... porém, raramente o próprio questiona os seus interesses. Habituou-se a saber quais são, e não indaga a origem, porque são esses, ou se fazem sentido.
Se o sujeito considerar que são os seus ímpetos irracionais, nem adianta procurar a origem - voga simplesmente num caos que não quer compreender. Se considerar que são os seus desejos racionais, tem que lhes procurar origem e fundamento... algo a que não basta o diz-que-disse dos outros. Aí está sujeito ao mesmo fado que qualquer desgraçado isolado. Não se estando a bater contra ninguém, a posição alheia é praticamente irrelevante, e só é interessante quando concorre na resolução do problema.

Os deuses eram crianças... A inimputabilidade de actos gera irresponsabilidade e inconsequência. Na mitologia greco-romana para evitar a constatação dessa acção inconsequente, mesmo Zeus sofria agruras em resultado das suas decisões. O Olimpo só não era uma brincadeira pouco digna de relevo, porque se introduziram limitações e imputabilidade aos deuses pelas suas acções. Sem essa penalização, a figura dos deuses pareceria a de crianças... e mesmo assim pouco se livravam duma imagem adolescente.

Sem a iminência de contrariedades, sem desconhecimento, o que nos motivaria à reflexão, ao pensamento profundo? O nosso carácter circunspecto, adulto, provém de um medo de consequências. A nossa responsabilidade resulta de uma associação entre as nossas acções e o seu eventual resultado. Essa responsabilidade será tanto maior quanto mais considerarmos que influenciamos o mundo que nos rodeia. Se a certa altura cada acto nosso pesasse de sobremaneira nesse contexto, tanto mais tomaríamos cuidado com todos os detalhes, tornando a vivência num fardo incomportável. Só a inimputabilidade compensa o acréscimo de responsabilidade... e por isso quanto maior é a potência responsável, mais tenta cuidar de ser inimputável. É nessa fase que começa a ser inconsequente, irresponsável, já que o resultado dos actos não parece pesar sobre si. Porém, uma coisa são as dimensões que antevemos, outras são as que nos escapam... e por isso a potência nunca parece ser suficientemente grande para garantir a inimputabilidade, bastando para isso haver o mais pequeno ser que escapa ao controlo total.

Todas estas noções caem na relação causa-efeito. Todas estas noções resultam de uma vivência do tempo como uma entidade ambígua, que permite previsibilidade nalguns actos, mas não deixa de trazer uma associada imprevisibilidade. A previsibilidade deu-nos um pensamento não caótico, e a imprevisibilidade deu-nos um pensamento interminável... a ausência de ambos os aspectos remeteria à loucura.

Qual foi a causa da fama de Hércules, senão o efeito que ela teve?
Perante trabalhos em que improvavelmente sobreviveria, a sua sobrevivência com sucesso ditou o registo.
Por isso, quando Héracles é elevado ao panteão de divindade, é pela improbabilidade do feito, como se o universo tivesse decidido o resultado antes dele acontecer. Isso só é atestado após os acontecimentos, é um privilégio decorativo dos poetas, pois os escritos não se sujeitam à ordem temporal.
O herói era antes de o ser, porque afinal era filho de Zeus... mas a paternidade divina só foi atestada após a vivência humana singular. Antes disso seria visto como um igual pelos outros.

Há associações entre acontecimentos que são convenientes, pois ao aproveitarem a ordem no mundo não-caótico servem a vivência futura pela previsão, e disso é feita a ciência. Bebendo no passado podemos prever uma parte do futuro... mas apenas uma parte dele. Sobre o imprevisível parece que nada se poderia dizer, mas não é assim - podemos compreender o imprevisível sem o prever. A previsão seria logicamente impossível, por definição, mas a compreensão não conhece limitação... e é pelo menos fácil compreender que o imprevisível nos é necessário.

A consequência vai mais além do que a ordem temporal vivenciada. Não é apenas um produto do passado, é um produto do conjunto - passado e futuro, que se revela no presente. Esse é um nexo que vai para além dos tempos, determina e revela a própria noção de tempo. Por isso, a verdade não é um assunto do passado, é também um assunto do futuro... e é essa verdade futura que faz surgir o passado como consequência. Do ponto de vista do pensador, há um tempo de raciocínio que é independente do tempo presenciado e a consequência é uma noção do passado para o futuro, na compreensão. Porém, libertando-se desse aspecto da compreensão do observador, a consequência não está presa a nenhuma ordem temporal. A existência de um passado que justifique o presente é um nexo necessário à própria existência, sob pena dela se manifestar como infundada pelo pensamento que a contempla. E é esse nexo de existência que remete o futuro como causa do passado. O passado não é suficiente para o nexo existencial, já que o passado poderia remeter para qualquer existência, ou até para a não-existência absoluta. Só depois de se cumprir no futuro completo é que a consciência despertou e renasceu para se contemplar, podendo então ver o futuro como um passado inconsciente. 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

U

Se tivéssemos apenas uma parede para pintar, deixando como legado a gerações a milénios de distância, como aconteceu com as pinturas rupestres... o que desenharíamos?


... e o resto são detalhes.

Wise Up (do filme Magnolia, Aimee Mann)

It's not
What they thought
When they first began it
They got
What they want
Now they can hardly stand it though,
By now they know
It's not going to stop
It's not going to stop
It's not going to stop
'Til they wise up

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Nebulosidades auditivas (3)

Acabado de sair há uma semana...
Reflektor, dos canadianos Arcade Fire (9 pm 9/9, Newfoundland, 2013)

Trapped in a prism, in a prism of light
Alone in the darkness, darkness of white
We fell in love, alone on a stage
In the reflective age

Entre la nuit, la nuit et l’aurore
Entre le royaume, des vivants et des morts
If this is heaven
I don't know what it’s for
If I can’t find you there
I don't care

I thought I found a way to enter
It’s just a Reflektor (It's just a Reflektor)
I thought I found the connector
It’s just a Reflektor (It's just a Reflektor)

Now, the signals we send, are deflected again
We're still connected, but are we even friends?
We fell in love when I was nineteen
And now we're staring at a screen

Entre la nuit, la nuit et l’aurore
Entre les voyants, les vivants et les morts
If this is heaven
I need something more
Just a place to be alone
Because you're my home

I thought I found a way to enter
It’s just a Reflektor (It's just a Reflektor)
I thought I found the connector
It’s just a Reflektor (It's just a Reflektor)

It’s just a reflection of a reflection
Of a reflection of a reflection
Will I see you on the other side?
We all got things to hide
It’s just a reflection of a reflection
Of a reflection of a reflection
Will I see you on the other side?
We all got things to hide

All right, let's go back
Our song escapes on little silver discs
Our love is plastic, we'll break it to bits
I want to break free, but will they break me?
Down, down, down
Don't mess around

I thought I found a way to enter
It’s just a Reflektor (It's just a Reflektor)
I thought I found the connector
It’s just a Reflektor (It's just a Reflektor)

Thought you were praying to the resurrector
Turns out it was just a Reflektor (It’s just a Reflektor)
Thought you were praying to the resurrector
Turns out it was just a Reflektor (It’s just a Reflektor)
Thought you were praying to the resurrector
Turns out it was just a Reflektor (It’s just a Reflektor)

It’s a Reflektor
It’s just a Reflektor
Just a Reflektor
Will I see you on the other side?
It’s just a Reflektor
Will I see you on the other side?
We all got things to hide
It’s just a Reflektor
Will I see you on the other side?


..... já agora, em 8 de Setembro, houve um eclipse de Vénus feito pela Lua. Não tenho fotografias, mas encontrei esta, tirada próximo do momento da ocultação, no Brasil:
Eclipse de Vénus pela Lua em 2013 (foto daqui)

... mas é mais interessante uma foto de telescópio, obtida em Maio de 2010:
Eclipse de Vénus pela Lua em 2010 (dailymail.co.uk)
onde, certamente por "defeito da câmara", ficou um pontinho vermelho no meio da Lua!