Normalmente tendemos a ver as coisas de forma linear, ou na forma de um plano traçado. Quando os homens partiram rumo ao horizonte, precisaram que a terra se vergasse sob forma circular para perceberem que tinham chegado ao mesmo ponto de onde tinham partido. Mas nem todos encontram essa memória, porque houve uma cedência na nossa natureza... dispomos de dois olhos para encarar o futuro conjugando perspectivas diferentes, e não de um olho para a frente e outro para trás! O que deixámos para trás vemos através de um olhar numa memória difusa. Um olhar unidireccional, algo desaconselhável numa perspectiva de competição animal, porque desprotegia a retaguarda, era compensado com alguma segurança da memória do caminho.
Quando vogamos num mar circular, é difícil estabelecer uma ordem absoluta. As posições são relativas, e se há quem se julgue à frente, é porque pode nem dar conta das voltas que tem de atraso. E a paisagem até pode ser semelhante, e quem vê para trás e para a frente, iludido pela curvatura, não vê ninguém à sua frente, e vai debitando marcas deixadas para reavivar um mapa inscrito na memória colectiva perdida. E podemos ir por esse trilho, já calcorreado, guiados por alguma ideia do que já fomos, mas saberemos que o nosso olhar não é o mesmo. E essa é uma grande diferença... se tivermos perdido a memória, será novo, e pouco interessa que nos digam que não é. O dejá vu é uma ideia de quem está a ver de novo, e ainda que já tenha visto... não é nenhuma repetição - serve a uma nova compreensão. Se a repetição não é notada é indiferente para si, e se é notada não é nenhuma repetição total, é apenas parcial (já que pelo menos a ideia de repetição será nova ao próprio).
A nossa razão assenta sobre raízes que estabelecem um nexo causal, que do passado projecta um futuro, como uma árvore que encontra na terra a sua sustentação, mas emerge num futuro procurando uma fonte de luz. Sem sustentação sólida vogaria num vento de caos, onde seria tão provável uma realidade ou outra qualquer, por isso são as raízes comuns que nos prendem à mesma terra. Acabamos por estar entrelaçados numa malha complexa em que a fonte de luz é a própria estrutura que nos sustenta a existência diversificada... mais uma vez num misto de linearidade e circularidade, mas circularidade em espiral crescente, juntando sempre novas manifestações do já existente.
O caminho nesta estrutura não deixa de ser frágil, parecendo o voo errante de uma borboleta, sujeita a ser esmagada pelas rodas do tempo, de um passado e de um futuro que se unem no presente. Entram aqui dois aspectos, por um lado a estrutura física que se quer com raízes sólidas, e por outro lado a estrutura mental que se quer livre no voo.
Já referimos a citação de Alexander Pope sobre Sporus, "a butterfly on a wheel", mas também é de referir a menção a Santa Catarina de Alexandria, como "butterfly on a will", e é nesse quadro que trazemos duas canções separadas por algumas décadas, mas que parecem remeter para uma mesma mensagem.
The Mission - Butterfly on a Wheel
Katy Perry - Wide Awake
A bicicleta final de Katherine parece uma forma harmoniosa de conjugar rodas que antes serviram para esmagar borboletas.
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