Há o que pretendemos fazer e há o que fazemos...
- Por vezes, tens que ouvir trocando bês por vês! Vês?
- Não, não bejo! Queres dizer que Beja é Veja?
- Talvez!
- Ou, tal vês?
- Por exemplo, o verbo "acabar", se leres como "acavar"... "a cavar", faz algum sentido.
- Que sentido?
- O sujeito que terminava de cavar uma seara, diria "Cavei-a!" ou "A cavei!"... "Acavei", "Acabei"!
- Isso não tem ponta por onde se lhe pegue!
- Ponta?... não. Cabo! Dizer "acabo", ou dizer levei "a cabo", tem o mesmo sentido.
- Então já não precisas aí dos vês pelos bês? Agora é quê? O "cabo" da enxada?
- Não dá para explicar apenas com um ou dois exemplos! Considera agora "aceitar".
- Considero "janela"... isso indica "já nela"?
- Se queres falar, eu escuto. Queres ouvir ou falar?
- Fala lá... que deves perceber "fá-la lá!"
Fez-se uma pequena pausa de silêncio, misturado com sorrisos, e continuou.
- Mencionei "aceitar", onde "aceita" pode ser visto como "a ceita"!
- Tens muitas dessas, e não levam a lado nenhum...
- "Aceite" liga com "Azeite". Unção com azeite é um ritual de iniciação, um baptismo, de aceitação.
- Ridículo. Ligas isso a uma "ceita"?
- Sim. Repara ainda que soa como "sei ta", no sentido que a sei, que está sabido.
- Não faz nenhum sentido.
- Certo, pensa agora em "abaixar".
- Essa é óbvia, porque está "a baixar"... é óbvio que há prefixações válidas!
- Queres ouvir tudo?
- Tudo bem, mas só acho que não queres perceber que já percebi!
- "Baixam" soa como "Vai chão", ou seja, algo baixo, rente ao chão.
- Nada de novo, apenas estás com jeito para imaginar coisas.
Mais um pequeno silêncio, e o outro continuou.
- Aconselho é levar "a conselho", e sim nada de especial, porque um conselho aconselha. Mas passamos à palavra "conselho", que sugere "com selho". O que é selho?
- Sei lá... tem significado?
- Tem, é o mesmo significado que "senho" ou "sinal". Creio que o "h" também nestes casos se pode ignorar, e assim "selho" é como um "selo", uma senha ou sinal. Portanto, um conselho não era apenas uma opinião, era uma opinião de quem estava outorgado por um "selo" profissional, ou brasão.
- Não é coincidência?
- Coincidência... vem de "co-incidir", incide em conjunto. O prefixo "co" ou "com" está sempre associado a um conjunto, a uma companhia. Quando incidem em conjunto, coincidem.
- Então e "incidir"?
- Já agora, nota o "conjunto" que é "com junto"...
- Sim, e companhia, o que é "panhia"?
- Uma de cada vez! Essa é mesmo reconhecido que o "h" cai, ficando "com pania", e supõe-se que se aplicava aos que partilhavam o mesmo pão, "pano", "pania".
- O original seria "compano" ou "compão"?
- Vai explorar... esta raiz não fui eu que a disse! Mas voltamos a "incidir", conforme sugeriste. Nesse caso pode ser variação de "in ceder", como em "ceder". Porque "ceder" é "se der", no sentido que vai dar de si. Ou melhor, o que "em si dê", ficaria "incide".
- Estás de novo a forçar tudo! O que "em si dá", seria uma quebra. Então e "decidir"...
- Como em "decido"?... pode-se ler "de si dou". Poderia até ser alternativo... do género "em si dou" (incido) ou "de si dou" (decido). Originalmente na alternativa, ou apanhavam, ou eram usados.
- Continuas no puro delírio?... e "delírio"?... é do lírio?
- Lírio... li e rio, de rir.
- Pois... Mas, no caso do "cedo", como distingues o "cedo" da manhã, do "cedo" de ceder?
- Concordas que quem "ceder" é como quem "se der"?
- Ok, posso aceitar... indo para essa ceita!
- Tens também "sedar" como num sedativo, para adormecer... para a pessoa "se dar" ao sono.
- Boa, mas não responde ao ser "cedo", como de manhã cedo.
- Respondi. O "cedo" seria relativo ao dormir, como em "sedar". Além disso, repara que o "dormir" soa como à "dor me ir", num sentido que indicaria uma vida penosa face ao sonho. Ou ainda, como num "dormente", em que a dor mente?
- Ridículo!
- Ri do culo?...
- Mera provocação!
- Provocar é "pro vocar", é para vocalizar. E terminando nos bês e vês, tens "vocal" e "bucal", num tempo em que "a voz" era dos "avós" dirigida "a vós".
Anne Clark (1984) Sleeper in Metropolis
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