quinta-feira, 8 de março de 2018

Desafinações visuais (1)

Não fazia a mínima ideia do nome do filme, sabia apenas que era espanhol, e que o tinha visto quando ainda era "criança"... e que me meteu um daqueles medos, que não se esquecem!

O filme é de 1972, mas não sei quando a RTP o passou. Deve ter sido em 1974, ou depois, porque não me parece que fizesse parte de nenhuma programação aconselhada a menores, em tempos mais conservadores.
"La Cabina" (1972), um filme de Antonio Mercero.

Sei que vi o filme sózinho, a seguir ao jantar, pois com alguma sorte o filme foi curto, e sei que ainda fiz um esforço para que ninguém viesse e ficasse na sala. Ou seja, apesar de não augurar muito para um filme espanhol, fiquei determinado a ver o filme até ao fim... bom, e que final! Não foi à toa que recebeu diversos prémios internacionais, inclusive um Emmy em 1973.

Não querendo fazer um spoiler, porque a maioria das pessoas não viu o filme, interessa que a situação bizarra vai ter um final ainda mais bizarro, e o que causou maior medo, ou incómodo, foi a ausência de nexo explicativo.
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Uma vantagem dos tempos actuais é justamente permitir reencontrar o filme, a mais de 40 anos de diferença. E é um bom teste à memória, para ver a diferença, entre o que tinha memorizado e o que estava de facto no filme. Por exemplo, não me lembrava minimamente da cara do actor. Praticamente, tudo o que tinha na memória, era a situação de um sujeito que, sem razão aparente, fica preso na cabine telefónica; que diversas pessoas o tentam ajudar (não me lembrava que ele também fora gozado), sem qualquer sucesso; e que finalmente vai parar ao armazém onde estavam os restantes na mesma situação. Lembrava bem a imagem cadavérica, que agora me pareceu um boneco mal feito, e lembrava o desespero do indivíduo. Já não me lembrava da cena final, com a instalação de nova cabine...

O aspecto principal do filme é a aparente ausência de causa plausível para os acontecimentos.
Não há propriamente a apresentação de um vilão que conceba o macabro esquema.
Apesar da anormalidade, tudo funciona com uma certa naturalidade, onde os empregados são indiferentes ao destino dos capturados pela cabine, e são apenas peças de uma aparelhagem mecânica. O desespero da situação culmina com a antecipação do destino, vendo os semelhantes mortos e esquecidos nas cabines, num grande armazém.
É claro que o filme teria a possibilidade de terminar bem... bastava fazer chegar a família, e fazer crer que tudo não passara de uma "brincadeira" organizada.

Porém, o propósito era chocar o espectador, provavelmente numa alegoria ao que acontecia num regime ditatorial, como era ainda a Espanha de Franco, em 1972.
Afinal, numa ditadura bastava ser detido como opositor - pela cabine... e depois de uma fase em que se tentava libertar, com ajuda de uns, e gozo de outros, acabaria levado para uma prisão onde seria vetado ao esquecimento (a mais famosa em Espanha seria a prisão panóptica de Carabanchel), ou acabaria morto e desaparecido (caso das ditaduras chilena e argentina).


No entanto, enquanto nos regimes ditatoriais há normalmente uma figura que concentra as culpas (em Espanha foi Franco), neste filme a culpa não tem alvo identificado, e depois haveria um outro filme canadiano de 1997 que seguiria o mesmo tipo de enredo - chamava-se "o Cubo".


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