Aristófanes vai nesta parte da peça ridicularizar o astrónomo ateniense Meton, que ficou conhecido pelo "ciclo metónico", reproduzido no Mecanismo de Anticítera:
Lembrei-me de um artigo que vi no Expresso:
Meton: Eu vim para vos...
Inspector: Onde estão os proxenes?
Pistétero: Quem é este Sardanapalo?
Inspector: Venho como inspector, nomeado por sorteio, para vigiar Nefelococugia.
Pistétero: Na qualidade de inspector? E quem te envia aqui?
Inspector: Um decreto de Teleas.
Pistétero: Pretendes ensacar o teu salário, nada fazer e sair?
Inspector: O que significa isto?
Pistétero: Esta é a assembleia onde tens que defender os Fárnaces.
Inspector: Testemunhas! Ele bateu num inspector!
Pistétero: Não sai com as suas urnas? Inacreditável, mandam-nos inspectores sem que tenhamos ainda sacrificado aos deuses.
Vendedor de Decretos: "Se um Nefelococugiano fizer mal a um Ateniense..."
Sacerdote: Vamos para dentro, onde sacrificaremos o bode aos deuses.
A Máquina de Antícitera simulava o ciclo metónico. |
O ciclo metónico, é uma relação quase equivalente entre 235 ciclos lunares (meses) e 19 ciclos solares (anos), que nem terá sido descoberta por Meton, mas a que ficou associado o seu nome. A sua utilidade mais notória era a previsão de eclipses... já que uma quase completa coincidência dos ciclos ao fim de 19 anos, permitia antever a repetição dos eclipses nesse período de tempo (com um erro de 1h30m apenas). Assim, já os magos caldeus impressionavam a população com a sua capacidade de prever a ocultação do Sol.
Porém, tirando essa utilidade de esclarecer que o movimento dos astros era previsível, conforme mostrado no século anterior, por Thales de Mileto (... e daí a resposta que Aristófanes dá por Pistétero), na prática não se veria outra grande utilidade para a população.
(de Rogério Martins, que entretém na RTP2 com um programa chamado "Isto é Matemática").
A maçonaria entretém-nos com os seus mistérios místicos - no sentido de mistelas misturadas, e o tema incluía ainda o grande pintor português Almada Negreiros, levando ao conceito de Bauhütte (... construção do telhado), que era supostamente um código medieval de pedreiros para determinar um ponto que verificava a lengalenga:
Um ponto que está no círculo. E que se põe no quadrado e no triângulo. Conheces o ponto? Tudo vai bem. Não o conheces? Tudo está perdido.
Segundo o descrito nesse artigo, servia isto para aferir se um pedreiro vindo de outras paragens pertencia à Ordem, ou se era apenas um trolha sem conhecimentos secretos de maçonaria.
Almada Negreiros terá tido interesse no assunto, e mostra-se que ele procurou dar uma "solução" para o "enigma", apresentando um desenho que está incluso no painel "Começar" da Gulbenkian.
Interpretação de Almada Negreiros para o Bauhütte |
Ora, ocorre que há uma infinidade de maneiras simples de interpretar a "solução" da lengalenga, uma das quais remete apenas para um ponto que esteja nas três figuras. A partir daí é apenas dar importância a um não-problema, escolhendo a solução mais a gosto do comprador...
Podemos ligar isto ao habitual exemplo do "Homem de Vitrúvio", pintado por Leonardo da Vinci:
... mas não é a mesma coisa, porque a informação de Vitrúvio é pertinente e relevante, acerca das dimensões humanas, enquanto o desafio do Bauhütte é simplesmente uma charada em forma de desafio - algo a que só se dá importância se reconhecermos valor no proponente.
Como exemplo, notamos que o próprio quadrado e círculo apresentados por Da Vinci tocam-se no ponto do solo, assim como todos os objectos se equilibram sempre num mesmo ponto de contacto comum no solo. Isso seria uma resposta perfeitamente válida... bem como muitas outras:
Podemos ligar isto ao habitual exemplo do "Homem de Vitrúvio", pintado por Leonardo da Vinci:
Quadrado e Círculo nas proporções de Vitrúvio por Leonardo da Vinci. |
Como exemplo, notamos que o próprio quadrado e círculo apresentados por Da Vinci tocam-se no ponto do solo, assim como todos os objectos se equilibram sempre num mesmo ponto de contacto comum no solo. Isso seria uma resposta perfeitamente válida... bem como muitas outras:
Serve isto para explicar a maneira como Aristófanes correu com Meton à pancada, tomando-o como um charlatão e impostor... não tanto porque algum do seu conhecimento não fosse interessante, mas muito mais porque Meton pretendia dar relevo de utilidade ao seu ofício, quando naquela situação já não tinha nenhum relevo, nem nenhuma utilidade.
Um dos maiores problemas com certos grupos/actividades, é ganharem um grande protagonismo, já que depois dificilmente aceitam que essa actividade deixa de ter qualquer relevo, e se reduz apenas a um enquadramento histórico limitado ao círculo de manos. Ao invés disso, procuram que seja o seu círculo a limitar o enquadramento histórico... mas nem nisso há novidade!
(entra Meton, com instrumentos de topografia.)
Meton: Eu vim para vos...
Pistétero (interrompendo): Outra praga! O que vem cá fazer? Qual é o seu plano? Qual é o propósito da sua viagem? Qual a razão dos esplêndidos coturnos?
Meton: Venho para parcelar o ar em lotes e definir as ruas.
Pistétero: Em nome dos deuses, quem é você?
Meton: Quem sou eu? Meton, conhecido em toda a Grécia e em Colonus.
Pistétero: O que são essas coisas?
Meton: Ferramentas para medir o ar. Sabei na verdade, que o ar tem precisamente a forma de uma fornalha. Com esta régua curva, caindo do alto, e ajustando o compasso... entende?
Pistétero: Nem um pouco...
Meton: Com a régua recta eu comecei a trabalhar para inscrever um quadrado dentro deste círculo; em seu centro estará a Ágora, à qual levam todas as ruas rectas, convergindo para este centro como uma estrela, que envia seus raios como linhas rectas de todos os lados.
Pistétero: Este homem é como Thales... Meton?
Meton: O que quer de mim?
Pistétero: Eu quero dar-lhe uma prova de minha amizade. Use as pernas!
Meton: Porquê? Que tenho eu a temer?
Pistétero: Tal como em Esparta, ocorre a xenelasia. Estranhos são conduzidos para o exterior, pela chuva espessa de chineladas.
Meton: Está sua cidade em sedição?
Pistétero: Não, certamente não!
Meton: Qual é o problema então?
Pistétero: Concordamos em varrer todos os charlatães e impostores para longe de nossas fronteiras.
Meton: Então, eu estou indo...
Pistétero (batendo em Meton): Temo que seja tarde. Este trovão termina a tua trova.
Meton: Oh, ai! oh, ai! Que desgraça.
Pistétero: Não fui avisando? Agora, levanta o teu levantamento de terreno noutro lugar.
(Meton foge, e imediatamente chega um inspector)
Inspector: Onde estão os proxenes?
Pistétero: Quem é este Sardanapalo?
Inspector: Venho como inspector, nomeado por sorteio, para vigiar Nefelococugia.
Pistétero: Na qualidade de inspector? E quem te envia aqui?
Inspector: Um decreto de Teleas.
Pistétero: Pretendes ensacar o teu salário, nada fazer e sair?
Inspector: Sim, de facto é isso. É urgente que esteja em Atenas para a Assembleia, pois estou encarregue dos interesses dos Fárnaces.
Pistétero (batendo-lhe): Leva-o então. Segue o teu caminho. Este é o teu salário.Inspector: O que significa isto?
Pistétero: Esta é a assembleia onde tens que defender os Fárnaces.
Inspector: Testemunhas! Ele bateu num inspector!
Pistétero: Não sai com as suas urnas? Inacreditável, mandam-nos inspectores sem que tenhamos ainda sacrificado aos deuses.
(O Inspector esconde-se, e chega um Vendedor de Decretos)
Vendedor de Decretos: "Se um Nefelococugiano fizer mal a um Ateniense..."
Pistétero: Qual problema vem agora? Que maldito papiro é esse?
Vendedor de Decretos: Sou um negociante de decretos e vim vender-lhe novas leis.
Pistétero: Quais?
Vendedor de Decretos: "Ordem aos Nefelococugianos de adoptarem os mesmos pesos, medidas e decretos que os Olofixianos".
Pistétero (batendo-lhe): Então recebes já o decretado aos Otofixianos.
Vendedor de Decretos: Auu! O que está fazendo?
Pistétero: Agora saia daqui com os decretos! Estou pronto para mostrar-lhe uns mais graves!
(O Vendedor de Decretos parte, e volta o Inspector...)
Pistétero: A sério? Tu ainda andas por aqui?
Vendedor de Decretos: "E se alguém correr com os magistrados, não os recebendo conforme diz a estela..."
Pistétero (correndo para ele): Patife! Também tu regressaste?
Inspector: Ai de vós! Terei você condenado a uma multa de 10 mil dracmas.
Pistétero: E eu esmagarei as suas urnas!
Inspector: Lembra-se daquela noite em que defecou na estela onde se publicam os decretos?
Pistétero: Aqui, aqui! Vem-me apreender! (o Inspector foge...) Então não queres ficar?Sacerdote: Vamos para dentro, onde sacrificaremos o bode aos deuses.
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