quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Gramas

Grama liga-se a unidade de peso, mas a origem grega da palavra grama é letra.
É por esse peso que gramática se liga às letras, e o peso do grama é leve.

Um texto com um mil letras terá um quilograma, e um milhão de letras serão uma tonelada, fazendo sentido falar literalmente em "textos pesados".

A caixa de comentários assinala como máximo 4096 caracteres, que é o mesmo que dizer 4096 gramas (contando espaços e sinais como letras).
- É um limite indicativo de carrego ligeiro... 4 quilos de texto!
Muitas vezes escrevi textos com mais de 10 ou 20 quilos, e certamente que foram demasiado pesados para uma leitura útil. Pode não parecer, mas preocupo-me sempre em ser o mais poupado possível, e várias vezes deixei de publicar textos por estarem demasiado longos ou maçadores. Este texto estava quase há um ano para ser publicado...

Quando pensamos em obras grandes, pensamos por exemplo em "os Lusíadas", mas a obra tem menos de 325 quilogramas, não chega a uma tonelada. Em contraponto, "os Maias" de Eça de Queirós juntam a esses quilos mais uma tonelada de gramas, de letras. Porém, apesar dos mil e trezentos quilos, "os Maias" são muito mais levezinhos do que "os Lusíadas", cuja densidade é enorme.


Erros da Gramática
Tenho uma certa aversão aos correctores de serviço. Estão à coca, e atiram à mais pequena falha, como se estivessem à caça aos patos.

Corrigir é uma actividade importantíssima.
Colocar-se acima dos outros por essa actividade, é um deslumbre de simplórios.
Quanto mais entendemos o português, mais vemos a ignorância dos seus gramáticos de serviço.
Note-se que nem sequer abordo o "aborto ortográfico".

Vejamos duas hipóteses de sabedoria:
(i) Haver alguém que saiba.
(ii) A ver alguém que saiba.

O gramático de "cartilha" só entende a primeira frase, e desdenhará a segunda.

O verbo "haver" resulta directamente de "a ver" - teve o mesmo significado, originalmente.
"Haver" tem o significado de existir.
- "A ver" também é existir, porque estando "a ver", existe.
"Haver" tem o significado de ter crédito.
- "A ver" também tem crédito, porque ficamos de "a ver" de volta.

Assim, para entendermos o português, a sério, e não a brincar aos "pimpões gramaticais", devemos procurar ir à raiz. Ir à raiz, significa ir às sílabas, e só raramente ao latim e ao grego... distracções convenientes, porque ao longo de séculos, os gramáticos torturaram a nossa língua com manias - mas não lhe tiraram as sílabas fundamentais.

Os verbos foram as principais vítimas das regras, mas alguns impuseram-se pelas excepções.

A conjugação de "haver" é semelhante à de "a ver", pelo passado e futuro:
- eu havia, eu "a via"; tu havias, tu "a vias"; ele havia, ele "a via"; ...
- eu haverei, eu "a verei"; tu haverás, tu "a verás"; ele haverá, ele "a verá";...

No entanto, convém notar que "houve" misturas, e o "Houve" é "Ouve" de "ouvir" e não de "a ver" ("a viu" seria "haviu" - forma que não existe)!

As misturas levaram ao erro mais frequente na língua portuguesa:
- a confusão entre o "Há" e o "À"!

A conjugação de "Haver" no presente misturou significados.
- "Há aqui." pretende significar "Existe aqui."
Mas isto verifica-se apenas na terceira pessoa!!

Ninguém diz:
- "Hei aqui!" para significar "Existo aqui!"
Ninguém diz:
- "Hás aqui!" para significar "Existes aqui!"

Por isso, o erro apontado a muita gente, começa por ser um erro de significado dos gramáticos, porque nenhuma das outras formas de "haver" no presente:
hei, hás, havemos, haveis, hão
tem verdadeiro significado de existir. Apenas "" tem esse significado de existência.
A prova adicional desta falha verbal é que nem o plural ocorre.
Não dizemos "Hão aves raras", diz-se "Há aves raras".
No entanto, este "há" significa "Existem aves raras" e não significa "Existe aves raras".
O "" é uma excepção gramatical de terceira pessoa indefinida - sempre conjugado na forma "ele há" qualquer coisa - seja plural ou singular.
Não é um verbo, no sentido normal, porque não se conjuga com o mesmo significado nas outras pessoas. Isto parece ter escapado aos "sábios" gramaticais que nos (des)ensinam... inventando o termo "verbo impessoal".

Nas outras pessoas... o uso de "hei" está quase sempre ligado a "hei-de", tal como "hás" se usa em "hás-de" (com "erro" popular em "hádes"), ou "há-de", "havemos-de", "haveis-de", "hão-de" (com "erro" popular em "hádem").

Agora, no AO-90, é dito para tirar o hífen... como se "hei" se pudesse ligar a outras preposições, quando é usado exclusivamente com "de".
Dizemos "hei-de fazer", mas alguém diz "hei a fazer", ou "hei por fazer", ou "hei com dizer"?...
O despudor autoritário nem sequer se dá conta do que "há por fazer"!

Isto não é acidental.
As formas "hei", "hás", "há", são primitivas do verbo "ir".
Aquilo que estou a dizer é que antigamente dir-se-ia:
- "eu hei", ao invés de "eu vou";
- "tu hás", ao invés de "tu vais";
- "ele há", ao invés de "ele vai".
- "nós hemos", ao invés de "nós vamos";
- "vós heis", ao invés de "vós ides";
- "eles hão", ao invés de "eles vão";

Estas formas primitivas resistiram apenas na conjugação do futuro, onde ficaram plasmadas:
- ir hei (irei), ir hás (irás), ir há (irá), ir hemos (iremos), ir heis (ireis), ir hão (irão);
- saber hei (saberei), saber hás (saberás), etc...

É claro que o "h" não faz nada na língua portuguesa, coloca-se apenas para distinção.
Portanto quando se escreve "ele há" ou "ele à" quem se atreve a falar em incorrecção?... a não ser simplesmente porque se decretou por decreto.

Acresce que...
... esta forma de "há" é a mesma que ocorre na contracção da preposição "a" com o artigo "a".
Esta contracção é a mesma que induz a acção do verbo "ir".

"Há errar" ou "à errar"?
Quem quer usar a excepção do verbo haver como "há" de existir, vê um erro, que é um erro dogmático, instituído por gramáticos míopes.
Ninguém diz "hei errar" para assinalar que tem erro, nem no pretenso "português arcaico", que foi no tempo onde se fizeram mudanças gramaticais.

Por isso, a forma "à errar" é uma variante primitiva de ir na direcção de errar, e seria até correcta se disséssemos "hei errar" ou "hás errar", pois "há errar" teria assim outro significado.

Breve conclusão.
Conheço muita gente que escreve mal, mas pouca gente que fala mal.
Interessa corrigir erros com o propósito de unificar e não de diferenciar.
Corrigir erros visa concordar numa verdade comum, enquanto os censores de erros visam distinguir-se dos comuns pela sua actividade censória.
Essa actividade censória, movida por egos pessoais e não por apegos globais, merece-me sempre a mais feroz crítica.

Eu pouco sei de gramática, mas conheço de muito, o suficiente para levar a cabo um projecto de rever as coisas de alto a baixo. Não me preocupa estar errado, e reconhecerei erros. Preocupa-me mais este silêncio dogmático, do que se toma por certo por decreto, e não se discute.

Em textos seguintes irei mostrar, como se pode ler português de forma completamente diferente do que é habitual. Já o fui fazendo muitas vezes, mas serei mais sistemático, introduzindo uma rubrica regular, pelo menos semanal.

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