Numa altura em que começam os incêndios e se fala sempre da desmesurada proliferação do eucalipto em Portugal, raramente se fala do eucalipto de Contige:
O eucalipto de Contige (imagem em Ruralea.pt)
O eucalipto de Contige é famoso pela sua desproporcionada dimensão, especialmente pelos 12 metros em perímetro, junto ao solo, já que em altura terá "apenas" 43 metros.
A pergunta surge naturalmente... que idade terá uma árvore com aquela dimensão?
É aqui que as coisas se tornam engraçadas!
Segundo a historieta que li em vários lados, aqui ou em wikipedia - Contige, a árvore teria existência na altura de um casamento de famílias locais no século XIX. Diz-se ainda “aquando da construção da estrada, e da expropriação do terreno, a monumentalidade deste exemplar terá contribuído para a sua salvaguarda, não tendo por isso sido cortada”.
Porém, ao mesmo tempo, como se as duas coisas não fossem contraditórias, diz-se também:
Localizado à beira da antiga EN 229, no cruzamento da estrada municipal que liga ao centro de Contige, esta árvore, cuja plantação remonta, segundo aquela universidade [de Aveiro], “provavelmente, a 1878, quando se abriu a Estrada das Donárias, é um dos maiores eucaliptos classificados até ao momento em Portugal” sendo mesmo “recordista com 11 m de perímetro à altura do peito”.
O artigo termina referindo que a Universidade de Aveiro dá 139 anos, e o ICNF dá 126 anos.
Não se nota nada de estranho?
Releiam-se as citações que coloquei.
Por um lado "a monumentalidade do exemplar" evitou que fosse cortada aquando da inauguração da estrada, por outro lado "a sua plantação remonta a 1878, abertura da Estrada das Donárias".
Em que ficamos, já existia e era monumental em 1878, ou foi plantada em 1878?
Com erros deste tipo, chumbava muita gente em provas de leitura da 4ª classe... porém é perfeitamente aceitável que os peritos da Universidade de Aveiro, ou do ICNF, achem que esta datação é a única admissível.
O problema é que se a árvore já fosse grande em 1878, e tivesse digamos 100 anos, nessa altura, isso remeteria a plantação para 1778... e nessa altura a Austrália tinha acabado de ser descoberta, e ainda não havia oficialmente eucaliptos na Europa (cuja plantação começou aí após 1820).
Então que idade tem a árvore?
Bom, se estivéssemos noutra época, as coisas seriam bastante mais complicadas, eu teria que ir pedir a agrónomos que me dessem uma estimativa do crescimento dos eucaliptos, etc, etc. Iriam enredar-me numa retórica bacoca, e só serviria para me chatear - e isto acontece com amigos ou não.
Nos dias que correm, porém, não demora mais do que ser persistente.
O eucalipto de Contige terá entre 340 e 370 anos.
Pois, é um senhor problema para a historiografia nacional e mundial.
O que se terá passado?
Bom, provavelmente após a restauração da independência, em 1640, os portugueses voltaram à Austrália, numa altura em que por lá andavam também os holandeses, a fazer de conta que só exploravam o lado ocidental, e deixando o lado oriental intocável.
No entanto, por essa altura, em 1642, Abel Tasman declarou a Tasmânia, ilha a sul da Austrália, que ficou com o seu nome. Terminaram as explorações por mais 120 anos, onde se fez de conta que a Austrália não existia, até Cook e Sandwich trazerem esses pratos para cima da mesa.
A espécie do eucalipto de Contige parece-me ser a nativa da Tasmânia, a tal ilha descoberta há 376 anos. Assim, poderíamos pensar que algum senhor de Contige embarcou com Abel Tasman, e trouxe uma semente que plantou na sua terra natal. Porém, não me parece que tenha sido isso. Simplesmente, os portugueses iam com alguma frequência a Timor, e à Austrália, e não deixaram de trazer eucaliptos. Esses eucaliptos não eram autorizados ser plantados, mas creio que terá havido excepções, que passaram ao lado dos oficiais responsáveis, e os eucaliptos crescem bem.
O problema só terá sido detectado em 1878, quando a árvore já teria uns 7 a 8 metros de perímetro, ou seja, já era um belo colosso, e ainda que a Junta das Estradas tivesse pensado em eliminar o mal pela raiz, fazendo passar a estrada a direito contra a árvore, a resistência da população ao corte terá obrigado a fazer um "S" na estrada, evitando o seu corte.
Como saber a datação do eucalipto sem fazer uma extracção dos seus anéis?
Acontece que o crescimento dos anéis tem uma média, que não muda muito, e andei à procura de saber qual seria o quociente no caso do eucalipto, até que encontrei uma página simples, feita à medida do interessado, escrita por Teo Spangler:
onde ela refere um processo simplificado - e naturalmente sujeito a erros - que consiste em determinar o diâmetro do tronco da árvore à altura do peito (DBH- diameter at breast height). Curiosamente, usando centímetros, isso dá logo uma estimativa da idade:
For a rough estimate, use the diameter of the tree's trunk in centimeters. The number is an approximation of the years the tree has been alive. For example, a eucalyptus with a diameter of 30 centimeters at breast height is approximately 30 years old.
Se usarmos, o perímetro de 11 metros, isso dá 350 cm de diâmetro, e portanto 350 anos de idade, como estimativa grosseira.
Claro que o céptico militante, preferirá acreditar na história do ICNF ou da Univ. Aveiro, porque não exige pensar, exige apenas acreditar nos "peritos". E na dúvida, aceita ser enrolado uma e outra vez, descansando no conforto de pertencer à opinião autorizada da maioria instituída.
Por uma questão higiénica, e por respeito ao ensino primário, deixo uma versão alternativa.
Só por curiosidade final, faço notar que de acordo com Teo Spangler (que se baseou em estudos universitários documentados), para uma idade de 130 anos, o diâmetro da árvore deveria ser 1 metro e 30 cm, e o seu perímetro 4 metros (e não 11). Mas o que interessa isso para o ICNF?
Especialmente, espero que a árvore, que está nos anais de Contige nunca precise de ver cortados os anéis. Porque alguém - propositadamente ou não, deixou essa prova da presença portuguesa na Austrália, e quem quiser ver vê, quem não quiser, basta-lhe continuar a fechar os olhos.
Alternativamente, no parque de merendas de Tremelgo, na Marinha Grande, temos um outro grande eucalipto:
ResponderEliminarEucalipto do Tremelgo, Marinha Grande
que parece ter 270 cm de diâmetro (na página indica-se 375 mas creio que será um lapso). Digamos que seria esta a dimensão do eucalipto de Contige (talvez um pouco menor), aquando da construção da estrada, em 1878.
De qualquer forma, mesmo este eucalipto de Tremelgo terá uma idade que o remete para tempos anteriores à expedição de Cook à Austrália, ou seja, por volta de 1740.
Há igualmente eucaliptos de grande dimensão na Galiza, e podemos ver outros eucaliptos que uma equipa dedicada ao estudo dos eucaliptos encontrou em Portugal e Galiza:
Tallest Trees in Europe found in Portugal & Spain!
Aparentemente ninguém lhes falou do Eucalipto de Contige, que não é especialmente alto, mas é notavelmente largo.
Há um eucalipto em Vale de Canas, Coimbra, que é ali chamado "Karri Knight" com 72 metros de altura, supostamente a árvore mais alta da Europa, e que esteve prestes a ser consumido num incêndio. No entanto, não é especialmente largo, e na Fig. 3 dizem sem problemas que tem uma base pequena face à altura. A fotografia indicará um diâmetro de talvez 150 cm, o que está mais ou menos de acordo com a "relative youth" de 120 anos... conforme dizem.
Curiosamente chamam a uma outra, da Mata do Bussaco, "King Regnans" (Fig. 6) anunciando um diâmetro medido de 266 cm, mas calando-se sobre a estimativa de idade... que iria pelo menos para os 250 anos. Ou seja, seria de novo anterior à viagem de Cook, e portanto extremamente inconveniente de ser referido.
Ou seja, fizeram o mais fácil - fechar os olhos.
Ficam com o mais difícil... viver com isso.
Bom dia caro Da Maia,
ResponderEliminarPenso que por esta altura só mesmo por cá se dúvida da presença portuguesa na Austrália antes dos demais mas neste caso do eucalipto temos de ter em conta que existem umas poucas de espécies que não são originárias da Austrália.
"O género inclui mais de 700 espécies, quase todas originárias da Austrália, existindo apenas um pequeno número de espécies próprias dos territórios vizinhos da Nova Guiné e Indonésia, e mais uma espécie (a mais setentrional) no sul das Filipinas."
E apesar da deformidade trazida pelos séculos, pela sua coloração parece-me que esse eucalipto de contige pertence precisamente a essa espécie de eucalipto.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Eucalyptus
https://www.jardineiro.net/plantas/eucalipto-arco-iris-eucalyptus-deglupta.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Eucalyptus_deglupta
Cumpts,
JR
Pois, mas este será originário da Tasmânia, ou do sul da Austrália (estreito de Bass):
Eliminarhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Eucalyptus_globulus
até mesmo na página da wikipedia sobre Contige está:
O Eucalipto de Contige é uma árvore gigantesca e como o próprio nome sugere trata-se de um eucalipto, mais especificamente de um Eucaliptus globus Labill.
Aliás, é na Tasmânia que existem os maiores eucaliptos, como o Centurion, que tem quase 100 metros de altura:
http://www.wondermondo.com/Countries/Au/AU/Tasmania/Centurion.htm
Curiosamente, tem 13,7 metros de perímetro e 4,05 metros de diâmetro, sendo-lhe atribuído 400 anos de idade.
Isso confirma exactamente o que aqui se disse:
405 cm de diâmetro dá ~ 405 anos de idade.
Este Centurion é muito mais alto que o de Contige, mas tem aproximadamente as mesmas dimensões na base que o de Contige, de onde se conclui, ainda para mais, terem idades semelhantes.
Abç
Pareceu-me colorido como o Eucalyptus deglupta.
ResponderEliminarSe assim é, é triste o silêncio das autoridades, como de resto já (quase) nos habituámos.
Cumpts,
JR
Tem mais informações sobre a espécie Eucalyptus globulus (Labill.) na página de Serralves:
Eliminarhttp://serralves.ubiprism.pt/species/show/343
Nas observações pode-se ler:
O Eucalyptus globulus foi encontrado na Tasmânia em 1799 por Labillardiére, tendo sido classificada por este botânico.
A área natural desta espécie é bastante restrita, pois encontra-se limitada a pequenas manchas da zona litoral do sudeste e sul da Tasmânia, das ilhas Flinders e King, entre a Tasmânia e a Austrália, em altitudes compreendidas entre o nível do mar e 400 m.
Foi bom ter notado o Eucalipto do Arco-Íris, que eu nem sabia que existia. Tem cores fantásticas, nalgumas fotografias que vi.
Quanto ao "silêncio das autoridades", sim é o que já se espera e desespera. Porém, o silêncio mais engraçado é o da autoridade, da autoridade da brincadeira... porque não me parece que tenham sido uns bacanos que tenham trazido umas sementes no bolso.
Foi propositado.
Abç
Vaticano: Descoberta de desenho com 770 anos surpreende especialistas, in https://www.msn.com/pt-pt/noticias/sociedade/vaticano-descoberta-de-desenho-com-770-anos-surpreende-especialistas/ar-AAzbyQp?ocid=sf
ResponderEliminarhttps://digi.vatlib.it/view/MSS_Pal.lat.1071
ResponderEliminarMuito obrigado pela informação.
EliminarParece um caso semelhante ao desenho do canguru:
https://alvor-silves.blogspot.com/2014/01/cangurus-e-cas-dos-gurus.html
Conforme teve a gentileza de indicar, o desenho aparece repetido 3 vezes nas folhas 18, 19 e 20.
O jornal La Vanguardia tem uma descrição mais pormenorizada do que "se pode ter passado", referindo a migração do pássaro até ao Cairo, depois feito presente do sultão ao imperador Frederico II, terá chegado à Sicília.
http://www.lavanguardia.com/cultura/20180626/45392433373/cacatua-australia-siglo-xiii-europa-biblioteca-vaticano-libro-federico-ii.html
Para complementar o assunto, fica aqui a foto da catatua:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cacatua-de-crista-amarela
Tendo a notícia jornalística saído, praticamente no dia seguinte a ter aqui publicado isto, veio mesmo a calhar!
Obrigado.
Informação do artigo publicado (Junho 2018):
https://search.informit.com.au/documentSummary;dn=649258641527441;res=IELAPA