segunda-feira, 18 de junho de 2018

Costumes em brandos lumes

Muito cedo, na adolescência, cheguei à conclusão que a única forma de ser livre nesta choldra, era desenvolver capacidades individuais de completa autonomia. Em termos simplificados, se o mundo me tentasse lixar, eu teria a capacidade de lixar o mundo, de forma equivalente. 
Digamos, uma forma equilibrada de justiça... 

O que eu sabia, é que seria incomportável viver num mundo injusto, sem ter possibilidade de retaliar a injustiças. Também antevia que a sociedade me iria apanhar na sua rede confortável, e ficaria igual a todos os outros, presos na apatia da sua impotência individual. Só que antevia que essa impotência me iria destruir por dentro... bom, e não será fácil para ninguém viver com ela.

Este texto é assim dedicado a todos os vis vermes que (tal como eu) acabam por fechar os olhos às injustiças em seu redor.

Outdoor - grafitti - sobre a prisão de Maria de Lurdes

Há coisa de ano e meio escrevi este texto:
... sobre a notícia de uma investigadora - Maria de Lurdes - que tinha sido condenada a 3 anos de prisão efectiva, por difamação da justiça.

Começo por notar que a Google tem o condão de ignorar este post, mesmo na busca lateral reduzida a este blog. É admirável essa particularidade de reconhecer que o título do post está no Índice, mas não conseguir encontrar a página...

Agora que passa um ano e meio, metade da pena cumprida, os advogados de Maria de Lurdes tentaram o pedido de liberdade condicional... e foi indeferido. É assim provável que Maria de Lurdes tenha que ficar os 3 anos presa, sujeita aos mimos inerentes (consta ter sido já espancada pelas companheiras). 

A TVI foi praticamente a única televisão, e o Correio da Manhã o único jornal, a reportarem o caso.
No programa Governo Sombra, de 16/10/2016, Ricardo Araújo Pereira e Carlos Vaz Marques, ao minuto 47:30, diziam o seguinte:

CVM: Porque é que o Ricardo Araújo Pereira se declara caladinho? Está em blackout?
RAP: Não estou em blackout, mas há quem esteja... do ponto de vista da liberdade de expressão, e devo dizer que esta questão é excelente. Porque o Estado Português aqui não pode ser condenado, como já foi 3 vezes este ano pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, porque a senhora já deixou prescrever esse prazo. Portanto, o estado português não vai poder ser punido. O que acontece é o seguinte...
CM: Quer contar o caso de uma senhora condenada a 3 anos de cadeia efectiva...
RAP: Exacto... Três anos de prisão efectiva.
CM: Vai mesmo para a pildra!
RAP: Já está, já está na cadeia.
CM: ... por ter chamado nomes feios ao ex-ministro Manuel Maria Carrilho
RAP: Não, não, por ter posto Manuel Maria Carrilho em tribunal, e ter perdido esse processo, e ter injuriado representantes da justiça, e tal...
Por injúrias, esta senhora tem 3 anos de prisão efectiva.
Eu gostava de recordar que em 2013 há um jovem que violou na ciclovia da Póvoa uma senhora. Levou 3 anos e meio de prisão efectiva. Ah! E o tribunal disse que ele tinha agido com bastante intensidade dolosa. Portanto, violação, 3 anos e meio. Mandar umas bocas a umas pessoas do tribunal, 3 anos. Acho que é mesmo assim. Bravo! Sou favorável a esta sentença.

Num outro programa de Fátima Lopes, "A tarde é sua", assistimos ao diálogo com o advogado Pedro Proença, bem mais veemente, e menos jocoso:

FL: Não há nada que ainda possa fazer... nenhum recurso?
PP: Agora esta senhora, infelizmente, está nas mãos do sistema prisional, e terá que ser o sistema prisional a dizer a um juiz de execução de penas que esta senhora, cumprido que esteja, meio da pena, ou dois terços da pena...
FL: ... se se porta bem!
PP: Se se porta bem, pode sair em precárias, ou em liberdade condicional. 
Não há volta a dar a isto. 
Esta senhora não quis ser considerada louca, com toda a legitimidade. 
Resposta: foi presa! Foi presa.
Eu volto a dizer, eu como cidadão, neste país, sinto-me profundamente preocupado.
Porque infelizmente, isto é um sinal claro, Fátima... de que quem ousa neste país, tentar lutar pelos seus direitos e manifestar indignação, relativamente a coisas que estão mal neste país... 
Quem ousa enfrentar os poderes instituídos é cilindrado, é cilindrado! E isto é um convite claro a uma cidadania passiva.
Querem, desculpem a expressão, que nós todos sejamos carneirinhos?!

Na RTP ou SIC nem sequer foi dado como notícia, nem em qualquer outro jornal sem ser o Correio da Manhã. Ainda passei por um grupo do Facebook:


que é praticamente o único que mantém notícias sobre o assunto. Em tudo o resto, caiu no absoluto silêncio desde Novembro de 2016, mesmo recolhidas 10 mil assinaturas, o dobro do necessário para levar o assunto ao parlamento nacional.

Excepção feita ao inimitável José Manuel Coelho, ele próprio, mesmo sendo deputado, com acusações contra si de difamação, e que não deixou de levar o assunto para o parlamento da Madeira:

Na imagem, exibindo a figura da presidiária Maria de Lurdes.

A figura do poder judicial deve ser ridicularizada pelo povo, pois nada tem de libertário, e é o último garante do exercício do poder absoluto por uma elite organizada, um gang, que detém esse poder.
Claro que tem o aspecto de justiça vulgar, e como tal dá uma ideia de justiça... ao condenar criminosos, ao arbitrar conflitos, etc... 

No entanto, na prática, não há nenhum regulador para o exercício da justiça, que se transforma no último garante do despotismo irracional. Claro que podemos ver o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a condenar o Estado em avultadas verbas, por erros judiciais, como aconteceu recentemente no escândalo da Casa Pia... e será ainda pior, se esse tribunal der razão a Carlos Cruz. 
Mas não é por uma instância superior funcionar melhor, que todos os prejuízos das instâncias inferiores se corrigem. 
Na realidade, toda a panóplia de recursos foi justamente inventada para que houvesse sempre possibilidade de escape para uma elite, que age como inimputável. Inimputável porque nunca lhe é imputada nenhuma pena, e inimputável porque assume a sua mentalidade infantil.

O papel do juiz, no sistema judicial, chega a ser risível, porque na maioria dos casos limita-se a decidir sobre a qual de duas partes dá razão. Não interessa se há argumentos inconstitucionais, não interessa se há direitos ou deveres ignorados - se os advogados não os colocam, não existem, não são considerados. 

Quando a maçonaria ascendeu ao poder, trazia uma judiaria consigo, o engodo judicial.
Nem sequer é de estranhar a raiz do nome ser a mesma.
Aparentemente, todos se sujeitavam à mesma lei, e todos eram iguais perante ela... exceptuando as excepções, que, é claro, passaram a ser regra.
Graças aos estratagemas de recursos sucessivos, só por muito azar uma decisão inconveniente iria chegar ao topo sem passar por um grupo muito restrito de magistrados.
O magistério sempre ficou maior que o ministério, porque o ministro era impedido de fazer o que os magistrados declarassem ilegal.

É por isso que, passado um ano sobre os primeiros incêndios de 2017, tudo está na mesma... porque o poder não mudou. Tudo está diferente, porque não tendo mudado, sabe que não poderá agir da mesma forma, sob pena de abusar do caos que traz consigo.

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Actualização posterior (7/10/2019)
No ano passado (em 3 de Novembro de 2018), Marcelo Rebelo de Sousa deslocou-se à Madeira e na recepção aos deputados madeirenses, José Manuel Coelho, alertou-o para o caso de Maria de Lurdes, então já com 2 anos de prisão efectiva (cumpridos em 29 de Setembro de 2018).

O Presidente da República disse desconhecer o caso ou os pedidos de indulto a si dirigidos, para a libertação. Dois dias depois, soube-se que Maria de Lurdes tinha sido libertada, quem o informou, disse que estaria em liberdade condicional por se terem passados 2/3 da pena.

Sobre este assunto, que aqui trouxe, não sei mais nada. Não interessou quase ninguém, excepto uns poucos, entre os quais José Manuel Coelho, que sofreu também penas de difamação, agora resultantes em penas de prisão:

Qualquer comparação entre a liberdade de expressão antes e pós 25 de Abril de 1974, resulta num efectivo exercício retórico, creditado apenas por quem não for afectado. Para protecção de orelhas, continua a ser ordenado o fecho das bocas.

1 comentário:

  1. Adicionei a observação ao caso Maria de Lurdes, pois faziam agora 3 anos, e queria confirmar da sua libertação. Vim a saber que foi libertada há um ano.

    Sobre este assunto, a comunicação social não produziu nem mais um bocejo, a Amnistia foi surdo-muda, e todos os órgãos pretensamente defensores do cidadão foram inaptos ou incompetentes.

    Convém aqui não esquecer algumas organizações que são pretensamente desinteressadas, como as ONG, são de facto instituições privadas, que só sobrevivem se tiverem efectivo apoio interessado, de agências interessadas, mas só interessadas no que lhes interessa. O resto serve um propósito positivo, pelo arregimentar de boas-almas para causas válidas, e o propósito negativo, de usá-las para agendas escondidas.

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