domingo, 18 de junho de 2017

A tragédia florestal agravada

Com temperaturas anormalmente quentes para Junho, o incêndio que se estendeu pelos três concelhos orientais do distrito de Leiria - Figueiró dos Vinhos, Pedrogão Grande e até Castanheira de Pêra, teve já um número de vítimas inaudito - 19 mortos (que entretanto passaram a 24), tendo 16 vítimas perecido nas viaturas, no troço do IC8 entre Figueiró dos Vinhos e Pedrogão Grande. 
O presidente da câmara de Pedrogão avançava desde logo uma estimativa muito pior, devido à falta de contacto com aldeias apanhadas no percurso do incêndio, podendo a tragédia atingir dimensões de catástrofe nacional, com o desaparecimento de povoações.
 

A situação de 16 vítimas serem meros automobilistas, apanhados na passagem do fogo por uma grande via de comunicação, mostra que a situação saiu completamente fora do controlo dos responsáveis pela Protecção Civil, Bombeiros, GNR, etc... 
Independentemente da presença no local do secretário de estado, da ministra, e até do presidente da república, não se pode falar em "dificuldade de acesso" ao IC8, pelo menos precavendo que estivesse interrompida a circulação perante a proximidade da passagem do incêndio.
A concentração dos meios de socorro ter ficado a cargo do comando da Protecção Civil (com meios tecnológicos sem par, face a décadas anteriores), em nada parece ter aumentado a eficácia do combate a incêndios... e cada vez mais se refere o negócio do eucalipto, o negócio dos incêndios, e o negócio do seu combate por meios aéreos privados, tornando Portugal num país onde se constata arder mais floresta do que no resto da Europa:

No entanto, apesar destas constatações, uma conjugação do empenho dos bombeiros, do voluntariado, de uma capacidade de lutar em circunstâncias adversas, e de alguma sorte, tinham evitado até aqui um pior cenário... A tudo isto se juntou uma certa resignação das populações ao fado sazonal dos incêndios, que se presumem ser, na sua maior parte, resultado de acção criminosa. Ou então, no habitual processo de remeter a culpa para o cidadão - pela falta de cuidado na limpeza do mato.
Tudo isto pressupunha até aqui... um número de vítimas pequeno, quase sempre bombeiros, e onde com sorte se conseguiam salvar as casas e os civis. Todos esses pressupostos foram hoje abalados.

Com a barragem do Cabril anexa a Pedrogão Grande, nem sequer se poderia falar de dificuldade em abastecer meios aéreos para o combate ao incêndio... se os houvesse, e se não estivessem apenas alguns contratados para um Verão, que ainda nem começou!
Se é um escândalo mundial, Donald Trump não reconhecer o perigo de "aquecimento global", não será maior escândalo esperar que a época de incêndios tenha início em data fixa, esquecendo até os avisos de subida térmica, em particular nesta semana?

Quando a presidência da república tenta minimizar a imagem governativa, fazendo crer que pouco mais poderia ser feito... reconhece uma completa incompetência para agir diligentemente perante uma ameaça sistemática e generalizada, que se verifica todos os anos, e que só foi diferente agora no resultado em número de vítimas.
A responsabilidade deixa de ser de quem coordena os meios ao dispor, e parece passar a ser das populações que vivem em "zonas de risco", e agora até "circulam em risco" (como o inqualificável presidente dos bombeiros tentou descartar). Chega-se ao ponto mínimo do governo, que é o desgoverno, acomodando-se em palavras de lamento e remetendo o desfecho para "situações excepcionais". 
Escusado será pensar que o que é excepcional é a convivência, todos os anos, com incêndios que chegam a consumir metade da área ardida na UE, e que a inoperância governativa em resolver o assunto nem tão pouco pode ser classificada como mera corrupção passiva, é um assunto de completa inoperância da defesa nacional, onde as forças armadas nem cuidam da integridade e segurança da população em território nacional.
A simples constatação que emerge desta tragédia, é que circular, mesmo nas maiores estradas nacionais, passou a ter o risco acrescido de ser apanhado por um incêndio, quando a estratégia nacional de combate a incêndios parece ser uma conformação com um "deixa arder".


Aditamento (às 22h00)
Como todo o país acabou por saber, ao longo do dia, o número de vítimas foi aumentando até se cifrar em 61 mortos e 62 feridos, em especial devido às 30 vítimas apanhadas pelo fogo na EN236.

A atribuição do fogo ter origem natural, numa "trovoada seca", não deixa ninguém mais descansado, pelo contrário... o incêndio foi declarado às 14h00 e só no final da noite, passadas 8 horas, a protecção civil deu conta da dimensão da tragédia. Durante esse espaço de tempo, a reacção dos meios, perante a "rapidez" dos acontecimentos, foi de uma lentidão trágica. Simplesmente as pessoas ficaram cercadas por chamas, fugiram sem ter nenhuma informação, sem terem nenhum apoio, sem saber se iam numa direcção pior ou melhor. Tudo foi deixado ao acaso... e continua a tentar-se fazer passar a ideia de que foi feito o melhor possível - talvez tenha sido o melhor, dentro da incompetência, que continua a funcionar hoje com lógicas de processos usados há 50 anos. Pior que isso, até com simples rádios de pilhas, seria possível manter as pessoas informadas, sobre a evolução dos incêndios, sobre as estradas que estariam ou não sob ameaça... mas isso seria num estado em que a informação não fosse tratada como um segredo vedado à população!
O resultado de se conseguirem cunhas para empregos e cargos políticos na função pública, não se vê nas suas consequências imediatas, é medido pela inoperacionalidade efectiva, por não se poder contar com nada, nem com ninguém, nas situações de emergência. 
Evitando assumir incompetência, a situação adquire outros nomes - imprevisibilidade, excepcionalidade, etc, etc.

Nota adicional (23-06-2017)
As informações iniciais apontavam para o troço da IC8, só depois se passou a falar exclusivamente da EN-236-1. 
De acordo com testemunhos vistos, a situação foi tão singular que a GNR desviou condutores do IC8, que tinha vedado (devido ao incêndio), para a EN-236-1, levando-os a enfrentar uma situação tenebrosa, de onde 47 não escaparam vivos. 
O número de crianças mortas e feridas é significativo, mas os registos de fatalidades falam apenas de 64 mortos e 247 feridos, deixando praticamente claro que a ausência de comunicações do sistema SIRESP, que durou ali praticamente um dia, terá sido a principal razão da desinformação entre os diversos agentes no terreno, elevando o número de vítimas para valores nunca antes registados.
Que o sistema SIRESP funciona muito pior que uma rede de telemóveis, e tinha sido mais uma negociata da politiquice nacional, envolvendo o BPN, está documentado numa antiga reportagem da TVI de Ana Leal:
e envolverá uma boa parte dos políticos do regime, não escapando o primeiro-ministro António Costa, que enquanto ministro de Sócrates, foi quem o introduziu no Estado. 
Pode ver-se na reportagem como os Açores, usando da sua autonomia regional, prescindiram de tal elefante branco, que ao usar cabos de transmissão fica inoperante em qualquer incêndio que consuma os postes e os fios. Vê-se na entrevista o secretário de estado a procurar coagir o governo dos Açores a adoptar o sistema, responsabilizando-o em caso de inoperância, numa calamidade. Pois bem, a inoperância em caso de calamidade ocorreu diversas vezes com o SIRESP, e onde fica a responsabilidade? 
A factura da corrupção BPN, já foi paga em milhares de milhões de euros, chegou agora ao ponto de ser cobrada em dezenas de vidas humanas, e esta sociedade domesticada, mais dócil que um cabrito pascal, continuará passiva?
Parece que sim. Falhando o F de Fátima, por ausência de milagre para as vítimas, devem rezar os políticos ao CR7 para que funcione agora o F do futebol, naquele campeonato lá pelas bandas da Rússia, enquanto o pessoal não esquece. 


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