Há certos cuidados que são de bom tom... na página da Wikipedia inglesa escreveu-se:
2016 Nice Attack
e apesar das milhares de visualizações, ninguém terá ainda reparado que a leitura "Nice Attack" é bastante sórdida, sendo claramente preferível mudar para "2016 Attack in Nice".
As informações, que neste tempo deveriam ser rápidas e fiáveis, permanecem numa quase completa nebulosidade. Inicialmente falava-se em 3 terroristas, num camião cheio de armas... Acabo de ouvir o procurador-geral e nesta altura reconhece-se que foi um único condutor, com uma pistola, sendo o restante duas ou três armas de brincar.
Depois é claro, há toda uma associação imediata ao terrorismo islâmico, feita pelo facto de se ter identificado o condutor como sendo residente em França, de origem tunisina.
-"c'était un homme peu religieux, ne priant pas, n'allant pas à la mosquée, aimant la salsa et les gonzesses"
- "le mois dernier il avait commencé le ramadan mais ne l'avait pas terminé".
- "un homme seul et en rupture avec ses proches, notamment fâché avec sa famille en Tunisie où il n'était pas retourné depuis des années".
- "récemment divorcé ou en instance de divorce"
- "avait pris un appartement distinct de celui de sa compagne et de ses trois enfants"
- "Il joue de la salsa, fait de la musculation et fréquente des gonzesses… Pour moi, il a pété les plombs"
Portanto, um homem pouco religioso, que não ia à mesquita, e que só no último mês tinha iniciado o Ramadão... algo que não configura alguém cometido a fundo com uma organização fundamentalista islâmica. Estava sinalizado pela polícia, mas por desacatos vulgares.
Configura-se poder ter razão o vizinho que dizia - "Para mim, fundiu os fusíveis".
No entanto, não foi esse o curso que a história tomou... e não é a primeira vez que vemos este filme, de ser conveniente alinhar num enredo diferente.
Em 11 de Março de 2004, logo após os atentados de Madrid, o primeiro ministro José Maria Aznar
decidiu culpar imediatamente a ETA, para evitar ser ligado a uma consequência do seu apoio à Invasão do Iraque. Realizavam-se eleições no fim de semana, e não foi considerado conveniente admitir um ataque islâmico. Esta versão foi tentada ser mantida pelo governo, nos órgãos de comunicação, durante dois dias.
Talvez se venha a estabelecer a ligação terrorista, porque o homem visitou um ou dois sites na internet, ou porque "podem" aparecer emails "comprometedores". A partir desta fase, o que fica dentro do conhecimento restrito da polícia, pode prestar-se a todo o tipo de associações, dependendo da história que se quiser passar.
O que é certo, depois das declarações do procurador, é que nenhuma organização terrorista reivindicou o atentado, e que o homem terá agido sozinho na execução do crime.
Poderia ser isto apenas um acto singular tresloucado, antecedendo uma vontade suicida?
Seria caso único?
- Não!
- Nem sequer é preciso considerar o caso do norueguês
Anders Breivik, que tomou em sua conta 77 vidas, também invocando o Islão, mas em sentido contrário... por
islamofobia. A polícia norueguesa tomou o cuidado de o apanhar vivo e o condenar. Ao contrário, e de acordo com um relato de um português, testemunha ocular, foi só depois do camião parar que a polícia chegou, e o decidiu abater, alegando troca de tiros.
- Um outro caso ocorreu, no ano passado, curiosamente também perto de Nice, nas montanhas.
O
vôo 9525 da GermanWings vitimou os 150 passageiros e tripulação, alegadamente por decisão suicida do co-piloto Andreas Lubitz.
Se o co-piloto não fosse alemão, se fosse de origem turca, ou de outra nacionalidade islâmica, se se chamasse Mohamad, ou similar, não se teria aí também associado imediatamente uma conexão terrorista?
Ora, é nesta contradição que vive a Europa do "politicamente correcto".
A Europa "politicamente correcta" critica facilmente a xenofobia alheia, mas estala o seu verniz quando apenas com base na nacionalidade de um atacante faz todo o discurso recair numa condenação terrorista.
Foi terror, mas provavelmente foi um tresloucado acto individual, sem outra conotação.
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Nota (17/07/2016)
Entretanto, o Estado Islâmico (Daesh) decidiu colar-se ao atentado, reivindicando que Mohamed Bouhel teria agido sob inspiração dos seus apelos. Porém, conforme logo foi notado (
euroweeklynews)
However there are doubts as to whether DAESH is really responsible as it had failed to prepare propaganda in advance of the attack as occurred on previous occasions.
... ou seja, ao contrário de casos anteriores, o Estado Islâmico apenas esboçou uma atitude reactiva, conveniente, não mostrando conhecer o que se iria passar.
As autoridades francesas, com a reputação de rastos, pela sua incapacidade de evitar a chacina, parecem também preferír atribuir mérito a um atentado do Estado Islâmico, do que reconhecer a sua incapacidade de travar as intenções suicidas de um louco num camião.
Mesmo que Bouhel tenha alinhado à última hora no apelo do Estado Islâmico, nada muda que o atentado poderia ter sido simplesmente realizado por um louco isolado, fosse por que motivação fosse. Ter inimigos de acordo sobre uma versão da realidade, conveniente para ambos, não significa minimamente que esta esteja mais próxima da verdade.
Afinal, se um condutor inglês atropelasse um indiscriminado número de transeuntes no "
Promenade des Anglais", no dia seguinte ao novo governo britânico tomar posse, isso ligar-se-ia ao Brexit?
Que ao Daesh interesse a ligação ao incidente, ainda se entende, agora que o governo francês alinhe nisso, será miopia, pois a longo prazo irá apenas favorecer expectativas terroristas, de dar sentido a vontades suicidas.