quinta-feira, 31 de março de 2016

Nebulosidades auditivas (32)

But the film is a saddening bore, for she's lived it ten times or more
She could spit in the eyes of fools, as they ask her to focus on...


David Bowie... Life on Mars

But the film is a saddening bore, because I wrote it ten times or more
It's about to be writ again, as I ask you to focus on...


quarta-feira, 30 de março de 2016

Lava pura

... ora lá ore, ora cá ore.

O ataque bombista em Lahore, no Paquistão, causou mais do dobro de vítimas do que o ocorrido em Bruxelas no início da semana. 
A cidade de Lahore, foi conhecida como "Lavapura", significando "cidade de Lava", onde Lava é um dos filhos de Rama, um avatar de Vixnu, na epopeia Ramayana. Aliás não é a única cidade a reclamar essa designação (sendo outra Lopburi, na Tailândia, onde restam impressionantes ruínas Khmer).  

(snapshot da pesquisa Google)
A situação no Paquistão, em particular em Lahore, arrisca tornar-se frequente, pois há um ano ocorriam também atentados, e nos tempos que correm, com frequentes atentados na Turquia e noutros pontos, os serviços diplomáticos devem passar o tempo a enviar telegramas de condolências.

Ocorrido no dia de Páscoa, o Papa chamou particular atenção para este atentado, tendo em conta o seu carácter religioso sistemático, visando a comunidade cristã no Paquistão. 
De certa forma, o Papa marcava a intolerância dos que lá oram pelos que cá oram, ou dos que oram lá a Alá, e dos que oram cá a Cristo.

Parecendo todos "crimes dignos do maior repúdio", o seu significado não deve ser misturado.
A sociedade é completamente insana em condenar um atentado suicida, porque se recusa a extrair o seu significado mais evidente. A condenação do atentado suicida é feita no momento em que o bombista se faz explodir, levando as vítimas consigo no seu destino funesto.
Como a sociedade não consegue fazer reviver o homicida, que definiu a sua pena no acto, expressa a sua frustração por não o poder condenar em vida, através de palavras vãs, de repúdio, que servem apenas como cera para tapar os ouvidos de algum discurso racional.

Sempre que um elemento da sociedade estiver suficientemente mal ao ponto de se querer suicidar, pois lamento imenso, mas a sociedade tem que ganhar consciência que ele pode arrastar no seu desespero muitos outros. Não é uma situação nova, por muito que se queira despistar os cidadãos.
Durante a 2ª Guerra Mundial, quando o Japão se viu numa posição militar desesperada, começaram a usar os seus pilotos Kamikaze, como forma mais eficaz de causar baixas no inimigo. Isso foi perfeitamente entendido, por muito nefasta que tenha sido a estratégia. 

Portanto, chega a meter dó ouvir discursos condenando os suicidas, como se eles próprios não tivessem já cumprido uma pena de morte. É claro que esses discursos visam especialmente os mandantes, mas se eles conseguem voluntários para a causa, é porque conseguem induzir essa disposição nos executantes. 
O Estado Islâmico saiu de uma intervenção armada dos EUA no Iraque, inventada com um falso pretexto de "armas de destruição maciça"... este termo antes tenebroso, chega hoje a parecer ridículo, de tal forma foi ridícula esta invenção de G.W. Bush, e seus companheiros, na luta contra o "Eixo do Mal". As armas de destruição maciça foram sim utilizadas para reduzir o Iraque a um monte de escombros, com um reduzido número de baixas, e implantando a filosofia Kamikaze entre os combatentes iraquianos... a única forma de causar maior número de baixas era com atentados suicidas. Essa foi uma escola formada no desespero de uma subjugação armada desproporcionada.

Agora, a grande diferença entre um atentado como o executado contra o Charlie Hebdo, ou como o executado em Lahore, é na escolha selectiva das vítimas... algo significativamente diferente de um atentado que pode vitimar qualquer transeunte. E se podemos e devemos ser firmes em condenar atentados que se dirijam contra a liberdade de expressão, ou contra a liberdade de religião, não é a mesma coisa do que condenar atentados de desespero - que são praticamente acções militares, e que se visam atacar a liberdade de circulação... não é por convicção filosófica, mas é apenas por pragmatismo estratégico dos mandantes.
Trata-se de uma guerra... e procurar eliminar o adversário até à extinção é mais doença dos executantes, sejam eles terroristas armadilhados com bombas artesanais, ou generais dispondo de drones armadilhados com bombas sofisiticadas. Enquanto não se perceber o que é viver com o outro, em sociedade, a sociedade estará sempre fragilizada.

Quem lá ore em Lahore, será tão diferente de quem cá ore com vinho de Cahors, simbolizado como sangue de Cristo, na eucaristia? 
- Que terra liga os terrores de Maelbeek, e os "terroirs" de Malbec?
Esta simples ligação de Cahors é sempre complicada de entender face aos desígnios de um Chaos omnipresente, umas vezes tendo expressão em mentes insanas, e outras sem qualquer expressão remissível a protagonistas humanos.
(daqui)

domingo, 27 de março de 2016

Os pássaros (7) de Aristófanes

Como todo o processo de formação de grupos, na substituição de um poder antigo por um poder novo, quando se mantém a lógica da estrutura de poder, apenas mudam os nomes e os personagens, mantendo-se o resto como antes. O apelo de adesão ao novo poder é aqui ilustrado por Aristófanes com a vontade dos humanos passarem a ter designação de aves, mudando os seus nomes, afiliando-se no novo grupo... numa simples lógica de troca de poder entre "eles" e "nós".

Depois, como mais interessante, o líder do movimento rebelde acaba por ceder à lógica anterior, porque é aquela que a generalidade dos elementos do grupo se habituaram a ver como referência, e é assim a que emerge naturalmente. Pistétero contestando a hierarquia divina, acaba rapidamente por ser puxado e ficar deslumbrado pela sua posição de ditador na hierarquia das aves.

Afinal, o grupo só se define como tal se tiver uma estrutura, e quaisquer acções são definidas por uma cabeça... sem essa cabeça o grupo sente perder-se o propósito comum da estrutura, e vê aparecerem apenas manifestações caóticas de várias cabeças, sem uma ligação coordenada entre elas. A preservação da estrutura, parece exigir a preservação da cabeça, e mesmo que o propósito do grupo seja anular a necessidade de cabeça, rapidamente o instinto de preservação do grupo tende a fazer emergir uma cabeça, em nome do grupo, e contrariando o propósito do próprio grupo... foi assim que facilmente se viu emergir uma forte estrutura hierárquica em estruturas comunistas, que contestavam a anterior hierarquia. Ou foi ainda assim que a Igreja Católica, professando o cristianismo, acabou por definir uma ortodoxa estrutura hierárquica, com o intuito de prevalecer o grupo. Também por isso, os movimentos anárquicos foram sempre entendidos como simples utopias... afinal uma contradição de termos quando um grupo se define contra si mesmo.

No entanto, se é o caos que nos torna diferentes, é a racionalidade que estabelece uma base de igualdade. São as noções abstractas que permitem entender como iguais coisas que são completamente diferentes. O caos é uma manifestação passageira das diversas possibilidades, desejáveis e indesejáveis... mas tanto umas como outras têm que ser encaradas como possibilidades iguais numa racionalidade. A sua diferença ocorre apenas na frequência... há possibilidades mais frequentes, vistas como regras, e pouco frequentes, vistas como excepções. Num mundo em que a excepção é sobrevalorizada, inverte-se a regra natural... porque sobrevalorizando as excepções estamos simplesmente a desvalorizar o que estabilizou como regra.

Plutarco contava que Licurgo, o mítico fundador de Esparta, para evitar o valor dado ao ouro, enquanto material muito mais raro que o ferro, decidiu instituir que a moeda passasse a ser o ferro, sendo proibida a exibição de ouro, que era propriedade da cidade. Assim, a única forma de manifestar riqueza perante os concidadãos seria praticamente acumular enormes quantidades de ferro, que era suficientemente abundante para não causar inveja.

E, é claro, o ponto principal será sempre esse... não ver a pobreza como antagónica à riqueza.
A pobreza é definida pela falta, a riqueza é definida pela posse.
Quem é rico, pode ser simultaneamente pobre, se o que tem não lhe for suficiente. 
Quem sistematicamente der valor às excepções, procurará sempre o que não tem, sobrevalorizando a falta relativamente à posse... e nesse aspecto permanecerá pobre, por mais que tenha.

A posse é definida pelo verbo "Ter", e a posse que a agricultura do neolítico sobrevalorizou foi a posse de Terra, no sentido "Ter-Ra", ter sol (Rá), ou ter solo... porque o solo precisava de sol para as colheitas.
Foi esse "ter terra" que gerou o "terror", "a dor da terra", ou o comportamento "a-terra-dor", simplesmente porque se perdeu a capacidade de partilha do que "a terra der"... e esta diferença entre dar e dor é muito significativa, tal como a diferença entre "tem: " e "tem: ".

A peça de Aristófanes introduz aqui a deusa Íris, que não nos espantará ter sido associada ao Arco-Íris, dado o nome que usamos... mas espantará mais saber que a par do espanhol, são as únicas línguas que mantiveram a tradição de associação à deusa grega - talvez porque os camponeses ibéricos fossem muito versados em mitologia grega, como se perceberá...

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As Aves 

(de Aristófanes)

continuação de (6)(5)(4)(3) , (2) , (1)
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(Iris ex Machina - uma máquina traz a deusa Íris, na forma de uma jovem alada)

Íris - Representação antiga e "moderna" (Pierre Guérin, 1811)

Pistétero: Ei!Tu! Tu aí, onde vais? Quieta, não te mexas mais... pára de voar. (Íris pára, e Pistétero prossegue) Quem és tu? De onde vens? Diz ao que vens!
Íris: Eu venho da morada dos deuses, no Olimpo.
Pistétero: Qual o teu nome, e o que é essa nave ou capacete? 
Íris: Sou Íris, a veloz.
Pistétero: Páralos ou Salamina? [navios mensageiros trirremes atenienses]
Íris: O que quer dizer?
Pistétero: Não há aqui um búteo alado que a apanhe? 
Íris: Apanhar-me? Mas que afronta é esta?
Pistétero: Ai de ti! 
Íris: Não entendo...

Pistétero: Por qual das portas passaste tu a muralha, miserável? 
Íris: Qual porta? Por Zeus, não faço ideia...
Pistétero: Vejam como ela troça de nós. Apresentaste-te ao oficial no comando dos gaios? Não respondes... Tens tu uma autorização com o selo das cegonhas?  
Íris: Devo estar a sonhar...
Pistétero: Obtiveste um?  
Íris: Você está louco?
Pistétero: Nenhum salvo conduto te foi dado por nenhum chefe dos pássaros?
Íris: Salvo-conduto? Ninguém me deu, seu pobre lunático...
Pistétero: Apareceu nesta cidade às escondidas, num reino entre o ar e a terra, onde é estranha.    
Íris: E que outro caminho devem então os deuses tomar?

Pistétero: Por Zeus, nada sei sobre isso, mas neste caminho não passam!    

Íris: Vejo agora uma desconsideração.
Pistétero: Nenhuma outra Íris seria tão justamente condenada à morte, se a tratássemos como mereces!    
Íris: Eu sou imortal.
Pistétero: Ainda assim, teria morrido. Doutra forma seria intolerável. Haveria de todo o Universo nos obedecer, e continuarem os deuses a contrariar-nos com a sua insolência. Não entendem que é a sua vez de se sujeitarem à lei do mais forte. Mas, diga-me, para onde voa?    
Íris: Eu? A mensageira de Zeus para a humanidade, vou dizer-lhes para sacrificarem bois e ovelhas nos altares, e para encherem as ruas com o fumo da carne gordurosa. 
Pistétero: De que deuses está falando?    
Íris: De que deuses? Ora, de nós mesmos, dos deuses do Céu.

Pistétero: Vós? Deuses? 

Íris: Haverá outros?
Pistétero: Os homens agora adoram as Aves como deuses, e é às Aves, por Zeus... que os homens devem sacrificar e não a Zeus. 

Íris (em tom trágico): Oh!... que idiota, que idiota! Não provoques a ira dos deuses, o que seria o teu fim e da tua raça. O raio de Zeus faria contigo o que fez com Licymnio [personagem numa tragédia de Eurípedes], consumindo o vosso corpo e os pórticos do palácio.

Pistétero: Chega! Agora cale-se e escute. Pensa que sou um Lídio ou um Frígio, e que me assusta com essas grandes ameaças? Saiba que se Zeus me irritar mais, irei à frente das minhas águias, equipadas com raios, e reduzirei a cinzas a vossa habitação, e a de Anfião. Enviarei mais de 600 Porfírios vestidos de peles de leopardo, para o céu, contra ele... e antigamente um único Porfírio já lhe trouxe males suficientes. Quanto a si, mensageira, se me irritar, levantarei as suas pernas, e mesmo sendo Íris, verás a erecção deste velho... três vezes mais forte que um aríete na proa de um navio.   

Íris: Desgraçado... Pois, que pereça com as suas palavras infames!

Pistétero: Então, não é veloz na fuga? Venha cá esticar as asas e aguarde pela trovoada! 
Íris: Se o meu pai não o punir, pondo fim a si e aos seus insultos...


(Iris in Machina - a máquina leva a deusa Íris)

Pistétero: Ah! Pois... é melhor que vá para outro lugar assar os noviços com os seus raios. Coro (cantando): Nós proibimos os deuses, os filhos de Zeus, de passar pela nossa cidade e proibimos os mortais de enviar o fumo dos seus sacrifícios por este caminho. 
Pistétero:  É estranho que o Arauto que enviámos para os mortais nunca mais voltou... 


(O Arauto entra, com uma coroa de ouro)


Arauto:  Oh!... Abençoado Pistétero, mui sábio, mui ilustre, mui gracioso, três vezes feliz, oh... amparem-me!
Pistétero:  De que falas tu?
Arauto:  De uma coroa de ouro, pela sua sabedoria. É coroado e honrado por todos os povos do mundo! 
Pistétero:  Aceito! Mas, por que razão me fazem os povos do mundo essa honra?  
Arauto:  Oh vós, que fundastes tão ilustre cidade no ar, vós não sabeis a veneração que os homens vos têm, e o ardente desejo de habitar nela. Antes de sua cidade ser edificada, todos os homens tinham a mania de Esparta - cabelos longos, jejuavam, eram sujos como Sócrates e andavam com bastões. Agora tudo está mudado. 
Assim que amanhece, eles saltam todos da cama para buscarem o seu sustento, tal como nós; em seguida, voam em direcção às notícias e, finalmente, devoram os decretos. A ornitomania é tão forte que alguns tomaram nomes de pássaros. Perdiz é o nome de um negociante de vinhos a martelo; Menipus chama a si mesmo Andorinha; Opuntius, o Corvo zarolho; Philocles, a Cotovia; Theogenes a Raposa; Licurgo, o Íbis; Chaerephon, o Morcego; Syracosius, a Pega; Mídias, a Codorniz... na verdade, ele se parece com uma codorniz duramente atingida na cabeça. 
Todos, no seu amor pelos pássaros, passaram a cantarolar canções que dizem respeito à andorinha, ao pato, ao ganso, ao pombo... em cada verso há asas, e em todos os eventos algumas penas. Isto é o que está acontecendo lá em baixo. Finalmente, existem mais de dez milhares de homens que estão vindo da Terra para lhe pedirem penas e garras em forma de gancho; por isso, lembre-se de se abastecer para todos esses imigrantes.
Pistétero (para alguns escravos): Ah! Por Zeus, não há tempo a perder. Vão o mais rápido possível e encham cada cesta que puderem encontrar com asas. Manes trá-las-á até mim, fora de muros, onde acolherei aqueles que se apresentarem.


(continua)
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quarta-feira, 23 de março de 2016

Caso Pia

Pia, porque vem do piar... e um dia irá perceber-se o poder de que os pássaros abdicaram, como Aristófanes poderá ter percebido - simplesmente porque nem piam quando deviam cantar.
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É daquelas "coincidências"... há precisamente 24 horas, andava à procura de uma fotografia como esta, que vi hoje num artigo da Sábado, de 22 Março:
http://www.sabado.pt/desporto/detalhe/euro2004_carlos_cruz_revela_quer_portugal_comprou_votos.html
Entretanto passou a ser notícia do dia o novo atentado, agora no coração da "União Europeia", mais um a juntar à lista de "actos hediondos e bárbaros". Atentados que como se sabe, nada têm a ver com a política ocidental de permanente instabilidade e chacina no Médio-Oriente, e se devem apenas a uma cambada de facínoras sem qualquer propósito político... porque, como todos sabemos desde a infância, o mundo divide-se entre maus e bons, e nós estaremos sempre do lado dos bons
A ideia de que os terroristas passam depois a libertadores, e que as bombas fazem parte de processos de libertação, só se dá depois, quando os maus passam a bons. Entretanto, vinga o discurso do "Eixo do Mal", iniciado por G. W. Bush, e repetido pelos lobos, feitos cordeirinhos do politicamente correcto, por exemplo, os comentadores desse programa da SIC-N, sempre prontos a gastar palavras banais na condenação de actos bárbaros e irracionais.

Tendo feito esta introdução, segue o que tinha escrito ontem, e não publiquei... mas como vi que alguém teve a mesma ideia, de escrever sobre o mesmo tema e no mesmo dia - fica aqui o assunto que trazia - não exactamente na linha que Carlos Cruz pretende, que remete o problema para aspectos financeiros da compra de votos... pois lembrou-se só agora desse piar fora de tempo.
O assunto não era a defesa de Carlos Cruz, mas sim o desplante irracional justiceiro, num acórdão judicial que foi um perfeito "aborto jurídico" (citando Hermano Saraiva, a propósito do "Processo dos Távoras"), e que contou com o silêncio e anuência generalizada da sociedade para vingar uma agenda.  
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Foi há mais de 13 anos que se iniciou o chamado "Processo Casa Pia", numa das manifestações mais despudoradas e grosseiras que a polícia e justiça portuguesa encabeçou, a par de uma cumplicidade efectiva com determinados órgãos de comunicação social.

Interessa-me focar no caso de Carlos Cruz, porque esteve envolvido na candidatura à organização do Euro 2004, da qual a candidatura portuguesa saiu "vencedora":
Comemorando a organização do Euro 2004 : artigo no jornal Record
Ao lado de Gilberto Madail, estão José Sócrates e Carlos Cruz, cada um a braços com a justiça alguns anos mais tarde. Seria preciso o escândalo de 2015, para suspeitar que a atribuição de organizações de mundiais (... e europeus), não era um processo cristalino? 
Aquando da candidatura, não era Platini o dirigente da UEFA, era Lennart Johansson, mas Joseph Blatter já era o presidente da FIFA em 12 de Outubro de 1999, quando foi anunciado o resultado. 
Por esse "serviço ao país", recebeu a comenda do Infante D. Henrique em 2000, que lhe foi retirada em 2015. Tendo sido condenado a 7 anos de prisão, Carlos Cruz já estava em prisão domiciliária há outros 7, pelo que se poderá ver o carácter exemplar da pena aplicada. 
Quanto a José Sócrates, a sua ascensão no PS resultaria muito do afastamento de Ferro Rodrigues, um dos nomes visados no Processo Casa Pia. 
Isto poderia ter tudo pouca relação, mas houve uma sequência que após o afastamento de Guterres, levou ao discurso da "tanga" de Durão Barroso, e ao apadrinhamento da campanha no Iraque. Seguiu-se a subida deste à presidência da União Europeia, e afastado Santana Lopes, elevou-se Sócrates aos píncaros, até ao colapso financeiro nacional. Ao que soube então, chamou-se a esta jogada de sacrifício de umas peças, para promoção de posição de outras: "The Portuguese Gambit".
Bom, mas Sócrates coleccionava motivos de suspeita banais e plausíveis, uns atrás dos outros, não era preciso, nem conveniente, incluí-lo na lista casapiana.   
Em 2010 sai o acórdão previsível... acerca do qual escrevi então (num de vários comentários noutro blog: Arrastão, 3 de Setembro de 2010):
Chamem-me complicado, mas quando se "faz prova" é preciso associar factos. Para fazer veredictos na hora, bastam-me motoristas de táxi ou coscuvilheiras. Quando se descreve uma estorieta num acórdão, tanto se pode relatar factos como candidatar-se a autores de novelas da TVI. De acordo com o que vi, os juízes deste processo candidataram-se a autores de novelas, de mau enredo, usando friamente pessoas num caso grave de justiça. 
Quando após 8 anos, a juízes contam estórias com pormenores que chocam as velhinhas, e sem qualquer fundamentação audível, só podem estar a gozar connosco!
Quem aceitar tal despudor, autoritarismo e sobranceria rende-se a um Estado de coisas que faz parecer o Estado Novo uma pessoa de bem. A partir deste momento, fica claro que estamos mesmo num Regime sem Lei Escrita, governado ditatorialmente por Incógnitos, manobrando o poder judicial e executivo a seu belo prazer.
A única desculpa que posso conceber é que se estão a condenar indivíduos por outros crimes de estado, não mencionáveis, e que esta história mal parida, é apenas um processo do tipo "apanhar Al Capone por fuga aos impostos". Compreendo a indignação de Sá Fernandes, a situação só será ainda mais grave, porque o medo instalar-se-à em todos os sectores, e a Pirâmide de Poder poderá funcionar em todo o seu esplendor, ao estilo maçónico, externo a Portugal. Por ora, calar será cumplicidade no regresso a tempos de trevas, que fazem parecer ditaduras autênticos regimes cristalinos.
Quando fiz referência ao "Processo dos Távoras"  lembrei-me deste processo recente, que decorreu com os contornos de uma moderna "caça às bruxas". O paralelismo pode parecer não ter sentido, mas quem foi injustamente acusado de pedofilia, sendo um dos crimes mais condenáveis pela sociedade, terá percebido que bastava ter o seu nome ser pronunciado num gabinete persecutório, e nunca mais a sua vida seria a mesma.

De entre as "teorias da conspiração" que fui ouvindo ao longo destes anos, nenhuma fez muito sentido, o que tornará todo o processo ainda mais complicado de digerir para quem foi acusado. Perante uma desgraça, as pessoas tendem a construir algum nexo, a procurar alguma racionalidade... mas muitas vezes não se vislumbra. Carlos Cruz, o réu mais mediático neste processo fariseu, decidiu colocar toda a documentação num blog:
processocarloscruz.com
Saliento os testemunhos sobre a "casa de Elvas", que já eram conhecidos... mas talvez sejam o facto mais notável e bizarro de encenação na estorieta fabricada pelos investigadores e procuradores. O desplante com que a acusação levou esse cerne processual até ao fim, ignorando todos os testemunhos da população em sentido contrário, mostra o à-vontade com que o absurdo imperava no processo. Elvas mereceu bem o estatuto de património mundial, pelo estoicismo com que a população aceitou ser ignorada nos seus testemunhos, e com uma candidatura apresentada em 2010... por acaso, o ano do julgamento, acabou por consegui-lo em 2012.
Aliás, no recurso de 2012, o Tribunal da Relação, acabou por considerar que "a parte de Elvas" precisaria de repetição de julgamento... ou seja, não tiveram audácia de subscrever tão grande palhaçada.

Independentemente de todos os juízos de valor que cada um fez sobre inocência ou culpabilidade, e que com isso digeriu os acontecimentos que lhe foram apresentados, passemos uma pequena parte do acórdão de 1735 páginas, acessível aqui:
Escreve a (inqualificável) signatária juíza-presidente Ana Peres, sobre um testemunho de "JL" com que vai basear a sua acusação contra Carlos Cruz:
(1) E não pode este patente apelo à atenção, ter levado à invenção dos actos de abuso com estes arguido?Aqui ligamo-nos com o que já dissemos - na presente análise crítica da prova -, quanto à linha de defesa seguida pelos arguidos, da manipulação que foi feita pelas vítimas, para a Acusação dos arguidos por factos que não praticaram – e o assistente JL, como notámos, é um dos que, em sede de Alegações, a defesa do arguido Carlos Pereira Cruz imputa a criação intencional de uma história para o envolver.
É claro que o Tribunal teve que equacionar todas as hipóteses, pelo que, face à interrogação que colocámos, a resposta é: poder corresponder a uma invenção pode.
Mas, no caso concreto, o Tribunal criou a convicção que não foi o que aconteceu com JL quanto aos factos que o Tribunal deu como provados.
Se queria notoriedade, se queria ser falado? Isso para o Tribunal foi perceptível que, em certa altura ou a partir de certa altura sim.
Mas ouvindo as suas declarações sessão após sessão – e estamos a falar de 11 (onze) sessões, interrogatório após interrogatório pelo Tribunal, pelo Ministérios Público, por 7 (sete) Ilustres Advogados -, é claro que vemos que o seu relato é confuso e baralhado nas datas, nas sequências - o que numa primeira resposta disse ter sido o primeiro acto após a garagem e os actos com o arguido Carlos Silvino da Silva depois já não era… -, nas descrições dos locais e mesmo, quando comparado com declarações de outros assistentes, por vezes divergentes com o que outros disseram ( cfr., por exemplo, a descrição do interior de um andar sito no prédio da Av. das Forças Armadas que o assistentes JL faz e a descrição do mesmo local pelo assistente LM).
No entanto, não obstante o que antecede, pareceu transmitir e estar a contar uma coisa que efectivamente lhe aconteceu.
Em direito, é costume invocar que a prova condenatória não deve oferecer dúvida, no entanto, como à juíza "lhe parece" que a testemunha fala verdade, apesar de não dizer "coisa com coisa", ficou provado. Mas o relato mirabolante continua nesse processo, sem qualquer pudor dos juízes, ou medo de censura, continuam a escrever barbaridades... e veja-se bem o delírio - invocam que a vítima ao mentir também sobre factos da vida pessoal, mostrava que não mentia apenas no relato do processo, e portanto, no meio de tanta mentira... poderia estar a dizer verdade:
(2) JL revelou ter problemas com a localização no tempo e no espaço, de factos e acontecimentos que narrou ter vivido. Demonstrou, por vezes, insegurança, dúvida e mesmo contradição quanto à data, ou período da sua vida, em que ocorreram factos que relatou.
Vamos ver, então, o que para o tribunal foi perceptível da memória e da noção de tempo do assistente JL e o que o Tribunal concluiu quanto à existência ou inexistência de mentira.
E começamos por dizer que nesta avaliação houve uma circunstância que notámos quanto ao que é a noção de “tempo” deste assistentes e que nos fez interrogar: se era tudo uma invenção ou se, não sendo tudo uma invenção, era-o no entanto, o nome das pessoas a quem JL imputava abusos (como alguns arguidos defendem), porque é que em relação a aspectos que seriam fáceis de memorizar ou em que pareceria ser fácil ter a noção do tempo, por serem coisas da sua comprovada vivência, JL demonstra que também não tem noção do tempo?
Face a esta circunstância e que para o Tribunal foi evidente - e considerando o que dissemos quanto ao que foi um dos aspecto da Defesa dos arguidos, a criação de uma história entre alguns assistentes, a que outros aderiram consciente ou inconscientemente, para a Acusação dos arguidos -, optámos, não só no caso do assistente JL, mas também extensível a outros assistentes, por começar por analisar vários aspectos da vivência dos assistentes na Casa Pia - partindo da prova documental -, cruzando-os e justapondo-os com outros elementos que resultam das declarações e dos depoimentos das testemunhas, com o objectivo de aferir a consistência ou a inconsistência do que foi dito e como foi dito, aferir da credibilidade do declarante e veracidade do declarado.
Este tipo de parecer, num Estado minimamente racional, levaria ou ao internamento psiquiátrico daquele painel de juízes, ou no mínimo, à instauração de um processo por incompetência ou corrupção. No entanto, nada se passou... até porque tinham o apoio de pedo... pedo-psiquiatras, que invocavam o absurdo das vítimas, a confusão de realidades, e toda uma conveniente tanga, que fez desses substitutos dos padres para confissões dos pecadores, numa nova classe protegida pelo credo maçónico, e a seu serviço de interesses.

O que mais me irritou em todo este processo, não foi ver uma condenação injusta, havendo dúvidas, foi ver uma condenação baseada no maior chorrilho de disparates, de mentiras, de contradições, sem que ninguém colocasse um fim naquele assunto, ou bradasse bem alto contra o fabrico de tal corja...
A partir daquele momento, a sociedade portuguesa ficou sequestrada com a ameaça do fantasma pedófilo. aplicado a qualquer um que fizesse uma festa a uma criança, ao mesmo tempo que na senda do politicamente correcto, iria achar por bem a adopção homossexual... enfim, um espectáculo!
A carneirada continua bem comportada, aguentando o sadismo dirigente.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Os pássaros (6) de Aristófanes

As peças de Aristófanes concorriam a festivais exibidos em Atenas, em particular "as Aves" terá concorrido ao Festival de Dionísio, onde obteve o segundo prémio (outro festival era Lenaia). Assim, em várias alturas, Aristófanes usa os pássaros para se dirigirem ao público, ou intimidarem os juízes do concurso, como será feito nesta passagem. 
Aristófanes, numa representação antiga.
A forma liberta como Aristófanes se dirige aos juízes, mostra que não havia especial vontade de lhes agradar, mas muito mais uma vontade de convocar ao público, e dessa forma obter talvez uma pressão sobre os juízes. 
O julgamento democrático poderia ocorrer enquanto o público não deixasse que uma casta ficasse liberta de aferição, e decidisse a seu belo prazer. O efeito de uma comédia ultrapassava claramente qualquer apreciação erudita, desde que o escritor conseguisse ridicularizar com sucesso os alvos caricaturados... essas imagens iriam permanecer no discurso corrente, atingindo os visados como farpas. 
Numa sociedade em que o "peso da imprensa" não se faria sentir como hoje, tragédias, e especialmente comédias, seriam uma forma indirecta de exercer um agudo comentário crítico à actuação política. De tal forma que Platão parece ter indiciado Aristófanes como um dos culpados pela condenação de Sócrates. Porém, como podemos ver neste trecho, o próprio Aristófanes seria crítico da perseguição feita a Diágoras de Melo, pelo simples facto de este se ter revelado ateu, recusando os deuses, e ficando assim ostracizado e com a cabeça a prémio em Atenas.

(em edição)
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As Aves 
(de Aristófanes)

continuação de (5)(4)(3) , (2) , (1)
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(após a fuga do inspector)

1º CoroDaqui em diante, é a mim, que tudo vejo e que tudo domino, que todos mortais oferecerão os seus sacrifícios e solenes preces. Porque o meu olhar engloba a Terra, preservando os frutos em flor, destruindo mil pragas de insectos, devorando os germes que saem do cálice, e nas árvores os frutos que assim se corrompem; destruo os que funestamente assolam os amenos jardins levam a raiva do seu contacto funesto, todas as criaturas rastejantes que tombam sob a minha asa.

Líder do 1º CoroHoje, mais que nunca, se proclama este édito: 
- "Um talento a quem matar o ateu Diágoras de Melo, e se alguém matar um dos tiranos mortos, também receberá um talento". 
Nós também, nós queremos promulgar o seguinte decreto: 
- "Se algum de vós matar Filócrato, o avestruciano, receberá um talento. Se o trouxer vivo, receberá quatro, pois é ele que vende no mercado, o espeto de sete tentilhões por um óbulo. Tortura os tordos, inchando-os para parecerem maiores, enfia as próprias penas nas narinas dos melros; junta os pombos presos numa rede, para que sirvam de chamariz a outros."
É isto que queremos anunciar. E se alguém mantém pássaros presos no seu quintal, é melhor soltá-los já, pois prenderemos os que desobedecerem, e esses irão servir de chamariz para prender outros homens.  

2º Coro (cantando): Feliz é na verdade a raça alada! Não necessita de casacos no inverno, e no verão os raios luminosos não nos provocam um calor sufocante. Mas, é junto aos prados floridos que habitamos, no meio da folhagem, que a divina cigarra, emite o seu canto ao calor do meio-dia, invernamos em cavernas profundas, convivendo com as ninfas da montanha, enquanto na primavera desfrutamos das bagas brancas, do mirtilho nos jardins das Cáritas [Graças].  

Líder do 2º CoroAos juízes, queremos dar uma palavra sobre a vitória no prémio em disputa:
- "Se nos forem favoráveis, iremos dar-lhes mais benefícios do que Páris recebeu:
-- Primeiro, as corujas de Laurium, que os juízes desejam acima de tudo, irão viver convosco, farão ninho nas vossas bolsas, e aí vão depositar as moedas;
-- Depois, sereis acolhidos como deuses nos templos, visto que elevaremos com empenas as vossas casas, à altura das águias.
-- Se tiverem algum cargo público, e pretenderem a pilhagem, dar-vos-emos garras de falcão;
-- Querendo fartar-se num jantar na cidade, lhes daremos um estômago como um papo.
- Mas, se vos virais contra nós, e nos recusais o prémio, pois arranjai tampas de metal, como as que usam para cobrir as estátuas. Tomai cuidado. No dia em que saírem com as vossas alvas túnicas, todos os pássaros vos irão cobrir de excremento.

PistéteroPássaros, o sacrifício é propício! Mas, não vejo nenhum mensageiro vindo do muro, para nos dizer o que se está passando... Ah! Aí vem um, extenuado como se tivesse corrido o Alfeu  [110 Km nos antigos Jogos Olímpicos].
1º Mensageiro (andando às voltas): Onde, onde, está ele? Onde, onde está? Onde está o nosso líder Pistétero?
PistéteroEis-me aqui!
1º MensageiroO muro está terminado!
PistéteroUma boa nova!
1º Mensageiro: É a mais magnífica obra de arte! A parede é tão ampla que os gabarolas Proxenides e Theogenes poderiam passar um pelo outro nas suas quadrigas, mesmo se fossem puxados por garanhões do tamanho do Cavalo de Tróia.
PistéteroMuito bem!

1º MensageiroO seu comprimento é de 100 estádios, medi-o eu mesmo!
Pistétero: Por Poseidon, isso é que se chama grande! E quem construiu tal obra gigantesca?
1º MensageiroOs pássaros! Não estava lá mais ninguém. Nem o trolha Egípcio, nem pedreiros, nem carpinteiros. Os pássaros fizeram tudo sozinhos. Nem podia acreditar nos meus olhos. Trinta mil grous com um fornecimento de pedras para as fundações, vieram da Líbia [África]. Foi tudo cinzelado pelos bicos dos frangos d'água. Dez mil cegonhas ocuparam-se dos tijolos, maçaricos, borrelhos, tarambolas, ocuparam-se de levar a água.
PistéteroE quem levou a argamassa?
1º MensageiroAs garças em cochos de pedreiro.
PistéteroMas como conseguiram pôr a argamassa nos cochos?
1º Mensageiro: Oh! Isso foi mesmo uma invenção surpreendente. Os gansos usaram as suas patas como espátulas, enterraram-nos na pilha de argamassa e depois soltaram-na nos cochos.
PistéteroAh! E que uso não se pode dar às patas?
1º MensageiroDeveria ter visto como, contra a cintura, os patos levavam os tijolos. Para completar a história, as andorinhas voaram com os bicos cheios de argamassa, e como se transportassem as crias, traziam as colheres de pedreiro nas suas costas.
PistéteroDepois disto, quem quer pagar a trolhas ou mercenários? Mas, diga-me, quem fez a marcenaria?
1º Mensageiro: Mais uma vez, os pássaros. Os pelicanos, carpinteiros inteligentes, esquadrilharam as portas com os seus bicos, de tal forma que se pensaria estarem usando machados num canteiro naval. Agora todo o muro está bem unido em toda a parte, é patrulhado com sineta na mão e as tochas estão acesas nas torres. Agora vou rapidamente tomar banho... a si de fazer o restante.
Líder do CoroNão está surpreso com a conclusão tão rápida?

PistéteroSim, por todos os deuses. Não dá para acreditar. Mas eis como chega outro mensageiro, vindo do muro... e tem a cara ferida!
2º Mensageiro: Alas! Alas! Alas! Alas! Ai de mim...
PistéteroO que se passa?
2º MensageiroOcorreu uma terrível revolta. Um deus enviado por Zeus passou pelas nossas portas, e penetrou no Reino dos Ares, sem o conhecimento dos Gaios, que guardavam durante o dia.
PistéteroUm acto terrível e criminoso. De que deus se tratava?
2º MensageiroNão sabemos, apenas sabemos que tem asas.
PistéteroMas por que razão não enviaram patrulhas contra ele?
2º MensageiroDespachámos 30 mil falcões da legião dos Arqueiros Montados. Todas as aves com garras de gancho estão no seu encalço - o francelho, o milhafre, o abutre, a coruja, a águia, elas cortam o ar, que até ressoa com o bater das suas asas. Estão procurando em todo o lado pelo deus, que não pode estar longe. De facto, se não me engano, está vindo de lá. 
PistéteroÀs armas, às armas, todos, com fundas e arcos. Assim, todos os nossos soldados, prontos para atirar e atacar! Alguém me dê uma fisga!

Coro (cantando): Guerra, uma guerra terrível está irrompendo entre nós e os deuses! Venham, que cada um guarde o Ar, filho de Érebo, no qual flutuam as nuvens. Tomem atenção para que nenhum imortal nele entre sem que vós sabeis.
Líder do coro: Assegurem-se de todos os ângulos com o vosso olhar. Oh! Como se estivesse perto um génio alado, acho que podemos ouvir o som de asas. 

(continua)




sexta-feira, 18 de março de 2016

Lava já, tu!

(... ou maçons & trolhas) 
(... ou polvo vs. lula)

Há por vezes a ideia de que a maçonaria recorre a métodos subtis para exercer o seu poder, mais através da influência, do que de alguma acção directa visível. Bom, essa ideia é essencialmente errada. Qualquer estrutura de poder, quando luta pela sobrevivência, não hesita nos meios e nos métodos. Sem protecção do verniz, o pedreiro mação apresenta-se com a subtileza de um trolha.

Com uma difícil coordenação entre tanta loja maçónica brasileira, podemos ver ainda a maçonaria no seu estado bruto, conduzida por trolhas.
Ora, a maçonaria, que terá apoiado a ascensão do sindicalista Lula até à presidência, parece ter decidido o fim da presidência de Dilma Rousseff, num habitual processo de usar os meios de comunicação social e manipulação da legalidade, sempre invocando um pretexto nobre, mas neste caso nem sequer iludindo que se trata de um ataque pessoal.
Vejamos esta prosa e moto brilhante:

(ler alertatotal.net - em Abril de 2015)

Esta envolvência directa, sem esconder o alvo - Dilma Rousseff, é tão ridícula quanto seria...
... uma carta da mafia de Chicago a queixar-se da insegurança nas ruas da cidade;
... uma carta do partido Nazi queixando-se das perseguições ao judeus;
... etc.

Já em 2014 a maçonaria brasileira tinha deixado bem claro que contaria com Sérgio Moro, o juiz espalhafatosamente empenhado no processo "Lava jato":

Grande elogio da maçonaria brasileira ao juiz Sérgio Moro
(do site da Grande Loja Maçónica de Minas Gerais)

Portanto, é daquelas situações em que os trolhas se encarregam de dar nas vistas, para que não haja dúvidas onde está o "olhão"...
Ora, como "passar o Brasil a limpo"?...
- Lava já, tu, com a "Lava Jato".

Isto é tão ridículo, que mete dó - mas funciona porque não é preciso que todos alinhem, basta mobilizar uma minoria actuante, e desorientar a maioria passivamente.  Aqui parecem ainda revelar conhecer a carência do juiz - grande prestígio e reconhecimento púbico.

Nem está em causa que o juiz esteja com agenda política, nem está em causa que haja corrupção no PT, afinal como já havia antes, e em pior grau, nos outros partidos. Ao que me explicaram brasileiros informados, o "esquema mensalão" era uma prática comum, e o PT apenas fez o mesmo que outros faziam, para facilitar a aprovação de leis que precisavam passar em Brasília.
Para esses brasileiros, "não se poderia distinguir a corrupção da incompetência", porque simplesmente ninguém ia preso por incompetência, mas ia por corrupção. Assim, bastaria ao político assumir uma vergonhosa incompetência, que escapava da acusação de corrupção... e como bem sabemos, depois essa incompetência permite obter lugares ainda mais altos.
Ser um incompetente desavergonhado tem sido uma profissão de sucesso.

Também nem estará em causa que o processo judicial esteja a ser bem conduzido... afinal, um ponto forte da maçonaria é promover líderes com pontos fracos, para melhor dispor deles, e Lula seria uma excepção se não fosse assim. Quanto a Dilma... à falta de melhor, será acusada de não querer que o "velho" fosse preso ligeiramente por "falsidade ideológica"(!!), arriscando pagar por toda a corrupção do país - corrupção que foi uma das bases de poder da própria maçonaria, para além de chantagem, assassínio, e outras armas com longo registo histórico documental... antigo, é claro.

Foi pouco noticiado, porque já se sabe que os aviões "caem que nem tordos", especialmente quando transportam políticos indesejáveis... foi esse o caso do candidato do PSB, Eduardo Campos, que prometia disputar a eleição de 2014 com Dilma.
Eduardo Campos, 49 anos, mais uma vítima de "acidentes aéreos",
na campanha de 2014, o seu jato ardeu como lava incandescente.
Se relativamente ao caso de Sá Carneiro e Amaro da Costa, ainda se vai falando das suspeitas de atentado, o caso de Eduardo Campos parece que nem deixou rasto de investigação... O mais que soube é que o avião quando caiu já iria em chamas, segundo uma testemunha: «"Vi todo o trajeto, posso garantir, já desceu em chamas... não dava para ver que era um avião, vi só uma bola de fogo vindo, já estava em chamas, sem brincar, parecia um asteróide", disse o comerciante Sergio Campos, 42 anos, testemunha ocular do acidente.»

Portanto, parece que a notícia da queda do jato foi lavada da memória. O candidato que seguia nos primeiros lugares das sondagens, não mereceu a atenção dos brasileiros.
Rapidamente, mal Dilma foi reeleita, entraram os processos de impeachment... a investigação sobre a queda do jato não interessava, interessava lavar a jato.

Como diziam os trolhas - "Mudança já!", mas referiam-se àquela mudança necessária a que tudo fique na mesma, e por isso há candidatos levados ao colo e outros lavados do mapa.

A mim, que não percebo nada disto... quando já só vejo trolhice, parece-me desespero puro.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Os pássaros (5) de Aristófanes

Aristófanes vai nesta parte da peça ridicularizar o astrónomo ateniense Meton, que ficou conhecido pelo "ciclo metónico", reproduzido no Mecanismo de Anticítera:
Máquina de Antícitera simulava o ciclo metónico.
O ciclo metónico, é uma relação quase equivalente entre 235 ciclos lunares (meses) e 19 ciclos solares (anos), que nem terá sido descoberta por Meton, mas a que ficou associado o seu nome. A sua utilidade mais notória era a previsão de eclipses... já que uma quase completa coincidência dos ciclos ao fim de 19 anos, permitia antever a repetição dos eclipses nesse período de tempo (com um erro de 1h30m apenas). Assim, já os magos caldeus impressionavam a população com a sua capacidade de prever a ocultação do Sol.
Porém, tirando essa utilidade de esclarecer que o movimento dos astros era previsível, conforme mostrado no século anterior, por Thales de Mileto (... e daí a resposta que Aristófanes dá por Pistétero), na prática não se veria outra grande utilidade para a população.

Lembrei-me de um artigo que vi no Expresso:
(de Rogério Martins, que entretém na RTP2 com um programa chamado "Isto é Matemática").

A maçonaria entretém-nos com os seus mistérios místicos - no sentido de mistelas misturadas, e o tema incluía ainda o grande pintor português Almada Negreiros, levando ao conceito de Bauhütte (... construção do telhado), que era supostamente um código medieval de pedreiros para determinar um ponto que verificava a lengalenga:
Um ponto que está no círculo. E que se põe no quadrado e no triângulo. Conheces o ponto? Tudo vai bem. Não o conheces? Tudo está perdido.
Segundo o descrito nesse artigo, servia isto para aferir se um pedreiro vindo de outras paragens pertencia à Ordem, ou se era apenas um trolha sem conhecimentos secretos de maçonaria.
Almada Negreiros terá tido interesse no assunto, e mostra-se que ele procurou dar uma "solução" para o "enigma", apresentando um desenho que está incluso no painel "Começar" da Gulbenkian.
Interpretação de Almada Negreiros para o Bauhütte
Ora, ocorre que há uma infinidade de maneiras simples de interpretar a "solução" da lengalenga, uma das quais remete apenas para um ponto que esteja nas três figuras. A partir daí é apenas dar importância a um não-problema, escolhendo a solução mais a gosto do comprador...
Podemos ligar isto ao habitual exemplo do "Homem de Vitrúvio", pintado por Leonardo da Vinci:
Quadrado e Círculo nas proporções de Vitrúvio
por Leonardo da Vinci.
... mas não é a mesma coisa, porque a informação de Vitrúvio é pertinente e relevante, acerca das dimensões humanas, enquanto o desafio do Bauhütte é simplesmente uma charada em forma de desafio - algo a que só se dá importância se reconhecermos valor no proponente.
Como exemplo, notamos que o próprio quadrado e círculo apresentados por Da Vinci tocam-se no ponto do solo, assim como todos os objectos se equilibram sempre num mesmo ponto de contacto comum no solo. Isso seria uma resposta perfeitamente válida... bem como muitas outras:



Serve isto para explicar a maneira como Aristófanes correu com Meton à pancada, tomando-o como um charlatão e impostor... não tanto porque algum do seu conhecimento não fosse interessante, mas muito mais porque Meton pretendia dar relevo de utilidade ao seu ofício, quando naquela situação já não tinha nenhum relevo, nem nenhuma utilidade.
Um dos maiores problemas com certos grupos/actividades, é ganharem um grande protagonismo, já que depois dificilmente aceitam que essa actividade deixa de ter qualquer relevo, e se reduz apenas a um enquadramento histórico limitado ao círculo de manos. Ao invés disso, procuram que seja o seu círculo a limitar o enquadramento histórico... mas nem nisso há novidade!

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As Aves 
(de Aristófanes)

continuação de (4)(3) , (2) , (1)
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(entra Meton, com instrumentos de topografia.)

Meton: Eu vim para vos...
Pistétero (interrompendo): Outra praga! O que vem cá fazer? Qual é o seu plano? Qual é o propósito da sua viagem? Qual a razão dos esplêndidos coturnos?
MetonVenho para parcelar o ar em lotes e definir as ruas.

Pistétero: Em nome dos deuses, quem é você?
MetonQuem sou eu? Meton, conhecido em toda a Grécia e em Colonus.
PistéteroO que são essas coisas?
MetonFerramentas para medir o ar. Sabei na verdade, que o ar tem precisamente a forma de uma fornalha. Com esta régua curva, caindo do alto, e ajustando o compasso... entende?
Pistétero: Nem um pouco...
MetonCom a régua recta eu comecei a trabalhar para inscrever um quadrado dentro deste círculo; em seu centro estará a Ágora, à qual levam todas as ruas rectas, convergindo para este centro como uma estrela, que envia seus raios como linhas rectas de todos os lados.

PistéteroEste homem é como Thales... Meton?
MetonO que quer de mim?
Pistétero:  Eu quero dar-lhe uma prova de minha amizade. Use as pernas!
MetonPorquê? Que tenho eu a temer?
Pistétero:  Tal como em Esparta, ocorre a xenelasia. Estranhos são conduzidos para o exterior, pela chuva espessa de chineladas.
MetonEstá sua cidade em sedição?
Pistétero:  Não, certamente não!
MetonQual é o problema então?
Pistétero:  Concordamos em varrer todos os charlatães e impostores para longe de nossas fronteiras.
MetonEntão, eu estou indo...
Pistétero (batendo em Meton):  Temo que seja tarde. Este trovão termina a tua trova.
MetonOh, ai! oh, ai! Que desgraça.
Pistétero:  Não fui avisando?  Agora, levanta o teu levantamento de terreno noutro lugar. 

(Meton foge, e imediatamente chega um inspector)

Inspector: Onde estão os proxenes?
Pistétero: Quem é este Sardanapalo? 
InspectorVenho como inspector, nomeado por sorteio, para vigiar Nefelococugia.
PistéteroNa qualidade de inspector? E quem te envia aqui? 
InspectorUm decreto de Teleas.
PistéteroPretendes ensacar o teu salário, nada fazer e sair? 
InspectorSim, de facto é isso. É urgente que esteja em Atenas para a Assembleia, pois estou encarregue dos interesses dos Fárnaces
Pistétero (batendo-lhe): Leva-o então. Segue o teu caminho. Este é o teu salário.
InspectorO que significa isto?
PistéteroEsta é a assembleia onde tens que defender os Fárnaces. 
InspectorTestemunhas! Ele bateu num inspector!
Pistétero: Não sai com as suas urnas? Inacreditável, mandam-nos inspectores sem que tenhamos ainda sacrificado aos deuses. 

(O Inspector esconde-se, e chega um Vendedor de Decretos)

Vendedor de Decretos"Se um Nefelococugiano fizer mal a um Ateniense..."
PistéteroQual problema vem agora? Que maldito papiro é esse? 
Vendedor de DecretosSou um negociante de decretos e vim vender-lhe novas leis.
Pistétero: Quais?
Vendedor de Decretos"Ordem aos Nefelococugianos de adoptarem os mesmos pesos, medidas e decretos que os Olofixianos".  
Pistétero (batendo-lhe): Então recebes já o decretado aos Otofixianos.
Vendedor de DecretosAuu! O que está fazendo?
PistéteroAgora saia daqui com os decretos! Estou pronto para mostrar-lhe uns mais graves!

(O Vendedor de Decretos parte, e volta o Inspector...)

InspectorEu condeno Pistétero, pelos ultrajes, ao mês de Muniquia.
PistéteroA sério? Tu ainda andas por aqui?
Vendedor de Decretos: "E se alguém correr com os magistrados, não os recebendo conforme diz a estela..."
Pistétero (correndo para ele)Patife! Também tu regressaste?
Inspector: Ai de vós! Terei você condenado a uma multa de 10 mil dracmas.
PistéteroE eu esmagarei as suas urnas!
Inspector: Lembra-se daquela noite em que defecou na estela onde se publicam os decretos?
PistéteroAqui, aqui! Vem-me apreender!  (o Inspector foge...) Então não queres ficar?
Sacerdote: Vamos para dentro, onde sacrificaremos o bode aos deuses.