Aristófanes usa nesta peça uma lenda sobre Tereus, rei da Trácia, que teria sido encenada antes em forma de tragédia, por Sófocles, havendo ainda uma outra versão de Filócles. Sobre essas peças anteriores só chegou um conhecimento indirecto, como a referência que Aristófanes aqui lhes faz.
A lenda de Tereus tem um lado canibal sinistro, que se pode depois reencontrar em Titus Andronicus, peça de Shakespeare (ou mais recentemente nos filmes Delicatessen, ou Hannibal).
A tragédia começa com a violação de Tereus sobre Filomela, irmã da sua mulher Procne, que ele visitara. Para evitar que a cunhada falasse do sucedido, decide prendê-la e cortar-lhe a língua.
No entanto, Filomela consegue fazer chegar à irmã tapeçarias onde relata o sucedido. As duas irmãs, filhas do rei de Atenas, decidem uma vingança ainda mais sinistra... Procne mata o próprio filho Itys, e serve-o ao pai, Tereus. As irmãs completam a vingança sobre Tereus, revelando-lhe ter comido o próprio filho.
Tereus tentará matá-las, mas elas escapam, protegidas pelos deuses do Olimpo, que decidem transformá-los em pássaros: Tereus em Poupa, Procne em Rouxinol, e Filomela em Andorinha (em versões posteriores, os pássaros aparecem trocados).
A tragédia de Tereus: num quadro de Rubens, com o sacrifício de Itys numa taça do Séc. V a.C.
A tragédia começa com a violação de Tereus sobre Filomela, irmã da sua mulher Procne, que ele visitara. Para evitar que a cunhada falasse do sucedido, decide prendê-la e cortar-lhe a língua.
No entanto, Filomela consegue fazer chegar à irmã tapeçarias onde relata o sucedido. As duas irmãs, filhas do rei de Atenas, decidem uma vingança ainda mais sinistra... Procne mata o próprio filho Itys, e serve-o ao pai, Tereus. As irmãs completam a vingança sobre Tereus, revelando-lhe ter comido o próprio filho.
Tereus tentará matá-las, mas elas escapam, protegidas pelos deuses do Olimpo, que decidem transformá-los em pássaros: Tereus em Poupa, Procne em Rouxinol, e Filomela em Andorinha (em versões posteriores, os pássaros aparecem trocados).
Interessa-me referir mais um detalhe sobre a forma como Tereus é logo invocado na peça, como:
- "um pássaro que não nasceu de um".
Esta referência à poupa é entendida pela transformação de Tereus, que não nasceu pássaro, nasceu homem; mas pode ser entendida como génese de ave que não resulta de ovo, na questão primeva sobre a origem dos animais.
Note-se ainda que a poupa foi igualmente colocada a liderar os pássaros num poema persa medieval, do Séc. XII, "A Conferência dos Pássaros".
O mito da sobre a cotovia, que referi no postal anterior, Aristófanes parece sugerir ser de Esopo (de um "Esopo das Aves"), e assim tem sido incluído nas compilações das suas histórias infantis, mas é remetido a uma lenda ainda mais antiga.
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As Aves
(de Aristófanes)
(continuação)
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Rouxinol (Procne, mulher de Tereus) |
(Uma flauta imita o canto do Rouxinol, ou seja, Procne)
Pistétero: Oh, por Zeus! Que voz charmosa tem esse passarinho. Ele encheu todo o mato com uma melodia melicodoce!
Euelpide: Silêncio!
Pistétero: Qual é o problema?
Euelpide: Fique parado!
Pistétero: Porquê?
Euelpide: A Poupa vai cantar de novo!
Poupa (cantando no mato): Epopopoi-popoi-popopopoi-popoi, aqui, aqui, rápido, rápido, rápido, meus companheiros no ar. Todos os que pilham as férteis terras dos lavradores, as tribos inumeráveis que se reúnem e devoram as sementes de cevada, de voo rápido e canção doce. E vós, cujo suave pio ressoa através dos campos com o grito de
"Tio tio tio tio tio tio tio tio";
e vós cuja voz se ouve sobre os ramos de hera nos jardins; e as aves de montanha, que se alimentam nos olivais selvagens, de bagas ou medronheiro, apressem-se ao meu chamado,
"Trioto, trioto, totobrix"!,
vós também, que engolis os mosquitos nos vales pantanosos, e vós que habitais as pradarias de Maratona, húmidas de orvalho, e você, francolim com asas salpicadas. Vós também, guarda-rios, que esvoaçais sobre as ondas do mar. Venham aqui ouvir as notícias. Agrupamos aqui todas as tribos de aves de pescoço longo. Um velho inteligente veio até nós, com novas ideias e novas empreitadas. Venham todos ao debate aqui, aqui, aqui, aqui.
"Torotorotorotorotix, kikkabau, kikkabau, torotorotorolililix."
Pistétero: Vê algum pássaro?
Euelpide: Por Febo, não! Estou-me esforçando, varrendo os céus com a vista.
Pistétero: Não valeu a pena à Poupa enterrar-se no mato como uma Tarambola chocadeira.
Flamingo. |
Pistétero: Espere, amigo, não é um pássaro.
Euelpide: Por Zeus, é um pássaro, mas de que tipo? Não é um pavão?
Pistétero: (A poupa sai da moita): A Poupa vai-nos dizer. O que é este pássaro?
Poupa: Não é um daqueles que está acostumado a ver. É um pássaro dos pântanos.
Euelpide: Oh! oh! Mas é muito bonito, com suas asas carmesim, como as chamas.
Poupa: Sem dúvida; na verdade, ele é chamado de flamingo.
Euelpide (excitado): Oi, olá... Estou a chamá-lo!
Pistétero: Está gritando porquê?
Euelpide: Ora, está aqui um outro pássaro.
Pistétero: Sim, de facto; este é um pássaro muito estranho, - e pergunta à Poupa: Quem é este pássaro, vindo além das montanhas, com um olhar tão solene quanto estúpido?
Poupa: Chama-se Medo.
Euelpide: O Medo! Mas, por Herácles, como, se um Medo, voasse para aqui, sem um camelo?
Pistétero: Aqui está um outro pássaro com uma crista.
(Em seguida, as inúmeras aves que compõem o Coro vão chegando.)
Euelpide: Ah! Curioso. Poupa, você não é o único de seu tipo, então?
Poupa: Este pássaro é o filho de Filócles, que é filho de Poupa; de modo que sou avô; assim como se poderia dizer, Hipponicus, filho de Callias, que é filho de Hipponicus.
Euelpide: Então este pássaro é Callias! Olha, que montão de penas perdeu ele!
Poupa: Isso é porque ele é honesto. De modo que os informadores o tramaram, e as mulheres também arrancaram as suas penas.
Euelpide: Por Poseidon. Vê aquele pássaro multicolor? Qual é o nome dele?
Poupa: Esse? Esse é o Glutão.
Euelpide: Existe outro glutão além de Cleonymus? Mas se ele é Cleonymus, ele não atirou fora a sua crista? Mas qual é o significado de todas estas cristas? Será que estes pássaros vêm para disputar o prémio duplo-estádio?
Poupa: Eles são como os Cários, que se agarram às cristas de suas montanhas para uma maior segurança.
Guarda-rios |
Euelpide: Por Febo! Que nuvem! A entrada do palco não é mais visível, tão perto voam uns dos outros.
Pistétero: Aqui está a perdiz.
Euelpide: Ora, ali está o francolim.
Pistétero: Ali está o pato.
Euelpide: Aqui está o guarda-rios, e pergunta à Poupa: Que pássaro é esse, atrás do Guarda-Rios?
Poupa: Esse é o barbeiro.
Euelpide: O quê? Um pássaro um barbeiro?
Pistétero: Ora, Sporgilus [barbeiro famoso em Atenas] é um deles.
Poupa: Aí vem a Coruja.
Euelpide: E quem é que traz uma coruja para Atenas?
Poupa (apontando para as várias espécies): Aqui está a pega, a rola, a andorinha, o mocho-orelhudo, o abutre, o pombo, o falcão, a pomba, o cuco, o pé-vermelho, o barrete-vermelho, o barrete-púrpura, o falcão, o mergulhador, o tordo, a águia-pesqueira, o pica-pau ...
Pistétero: Oh! Que montão de pássaros!
Euelpide: Oh! Um monte de melros!
Pistétero: Como eles ralham, como eles gralham! Que barulho! Que barulho!
Euelpide: Estão-nos com má vontade?
Pistétero: Oh! Ali! Ali!... Eles estão abrindo os bicos e olhando para nós.
Euelpide: Ora, pois estão!
Líder do Coro: Popopopopopo. Onde está quem me chamou? Onde posso encontrá-lo?
Poupa: Estive esperando por você um longo tempo! Nunca falho na minha palavra aos meus amigos.
Líder do Coro: Tititititititi. Que boa notícia você tem para mim?
Poupa: Algo que diz respeito à nossa segurança comum, e que é tão agradável como é para o assunto. Dois homens, que são pensadores subtis, vieram procurar-me.
Líder do Coro: Onde? Como? O que está dizendo?
Poupa: Digo que dois velhos, vindos da morada dos humanos, vieram-nos propor um esquema vasto e esplêndido para nós.
Líder do Coro: Oh! é um horrível, inaudito crime! O que você está dizendo?
Poupa: Nunca deixe que as minhas palavras o assustem.
Líder do Coro: O que você fez comigo?
Poupa: Acolhi dois homens, que desejam viver connosco.
Líder do Coro: E você se atreveu a fazer isso!
Poupa: Sim, e estou muito contente por tê-lo feito.
Líder do Coro: E já estão connosco?
Poupa: Tanto quanto eu estou.
Coro (cantando): Aaah! Somos traídos. Sacrilégio! Nosso amigo, que pegou sementes de milho nas mesmas planícies que nós, violou as nossas antigas leis. Quebrou os juramentos que ligam todas as aves. Colocou-nos uma armadilha, entregou-nos aos ataques da raça ímpia que, ao longo de todos os tempos, nunca deixou de nos guerrear.
Líder do Coro: Quanto a este pássaro traidor, decidiremos o seu caso mais tarde. Mas os dois velhos serão punidos já. Vamos rasgá-los em pedaços.
Pistétero: Está tudo acabado.
Euelpide: Você é a única causa de todos os nossos problemas. Por que me trouxe de lá de baixo?
Pistétero: Para tê-lo comigo.
Euelpide: Digamos, para me ter derretido em lágrimas.
Pistétero: Continue, falando tolices. Como vai chorar com os olhos arrancados?
Coro (cantando): Iooo! Ioooo! Dirigi o ataque, atirai-vos sobre o inimigo, derramai seu sangue; usai as asas e cercai-os por todos os lados. Ai deles! Vamos ao trabalho com os nossos bicos. Vamos devorá-los. Nada pode salvá-los da nossa ira. Nem as florestas da montanha, nem as nuvens que flutuam no céu, nem a espuma das profundezas.
Líder do Coro: Venham, biquem, rasguem em tiras. Onde está o chefe da coorte? Que ele conduza a ala direita.
(Os pássaros atiram-se contra os dois atenienses.)
Euelpide: Este é o momento fatal. Para onde devo voar, infeliz miserável que sou?
Pistétero: Aguarde! Fique aqui!
Euelpide: Para que eles me façam em pedaços?
Pistétero: E como acha que escapará deles?
Euelpide: Não faço ideia.
Pistétero: Vou-te dizer. Devemos parar e lutar contra eles. Vamos armar-nos com estas panelas.
Euelpide: Porquê com as panelas?
Pistétero: Assim a coruja não vai atacar-nos.
Euelpide: Mas você vê todas aquelas garras em forma de gancho?
Pistétero: Tome o espeto e perfure o inimigo do seu lado.
Euelpide: E os meus olhos?
Pistétero: Proteja-os com este prato, ou com este pote de vinagre.
Euelpide: Oh! Que esperteza! Que génio inventivo! Você é um grande general. Maior do que Nicias, quando o estratagema está em causa.
Líder do Coro: Para a frente, para a frente, carreguem com vossos bicos! Venha, nenhum atraso. Desfaçam, arranquem, ataquem, esfolem-nos, e primeiro esmaguem as panelas.
Poupa (colocando-se na frente do coro): Oh, mais cruel de todos os animais, porquê desfazer esses dois homens em pedaços, porquê matá-los? O que eles vos fizeram? Eles pertencem à mesma tribo, à mesma família, como a minha esposa.
Líder do Coro: Devem ser os lobos poupados? Não são eles nossos inimigos mais mortais? Por isso, vamos puni-los.
Poupa: Se são seus inimigos por natureza, são seus amigos no coração, e vêm aqui para lhe dar conselhos úteis.
Líder do Coro: Conselho ou uma palavra útil de seus lábios, vinda deles, dos inimigos de meus antepassados?
Poupa: O sábio muitas vezes pode lucrar com as lições de um inimigo, pois a Cautela é a mãe da Segurança. Tal como uma coisa que não aprende com um amigo, mas que um inimigo o obriga a saber. Para começar, foi o inimigo e não o amigo que ensinou as cidades a construir muros altos, a equipar-se com grandes navios de guerra; e é esse conhecimento que protege os nossos filhos, os nossos escravos e nossa riqueza.
Líder do Coro: Pois bem, eu concordo. Vamos primeiro ouvi-los, que é melhor. Pode-se aprender algo na escola de um inimigo.
Pistétero (para Euelpide): A ira deles parece arrefecer. Recua um pouco.
Poupa: É apenas justiça, e vai-me agradecer mais tarde.
Líder do Coro: Nunca nos opusemos ao seu conselho até agora.
Pistétero: Estão num estado de espírito mais calmo. Largue a panela e os seus dois pratos; cuspa na mão, como para pegar numa lança, mantenhamos guarda ao campo, perto da panela e olhando o nosso arsenal; pois não devemos fugir.
Euelpide: Você está certo. Mas onde vamos ser enterrados, se morrermos?
Pistétero: No Cerâmico. Para obter um funeral público, vamos dizer aos Strategi que caímos em Orneae, lutando contra inimigos da terra.
Líder do Coro (para os pássaros): Voltem para as fileiras e guardem a vossa Coragem ao lado de vossa Ira, como estes hoplitas fazem. Vamos saber destes homens quem são, de onde vêm, e com que intenção. Aqui, Poupa, responde-me.
Poupa: Está me chamando? O que quer de mim?
Líder do Coro: Quem são eles? De que país?
Poupa: Estrangeiros, que vieram de Grécia, a terra dos sábios.
Líder do Coro: E que o destino os trouxe aqui à terra dos pássaros?
Poupa: O seu amor por vós e o seu desejo de compartilhar o vosso tipo de vida; habitar e permanecer convosco para sempre.
Líder do Coro: Com efeito, e quais são os seus planos?
Poupa: Eles são maravilhosos, incríveis, inauditos.
Líder do Coro: Ora, pensam eles nalguma vantagem para que se estabeleçam aqui? Estão esperando com a nossa ajuda triunfar sobre seus inimigos, ou sermos úteis aos seus amigos?
Poupa: Eles falam de benefícios tão grandes que é impossível descrever ou concebê-los. Tudo será vosso, tudo o que vemos aqui, ali, acima e abaixo de nós; assim eles o atestam.
Líder do Coro: São loucos?
Poupa: São as pessoas mais sãs do mundo.
Líder do Coro: Homens inteligentes?
Poupa: A manha das raposas, a esperteza em si mesma. Homens do mundo, astutos, o creme da sabedoria popular.
Líder do Coro: Diga-lhes para falarem, e falarem rapidamente; porque o prazer de ouvi-lo pareceu dar-me asas.
Poupa (para dois presentes): Vão, você e você, peguem nessas armaduras e pendurem-nas, com boa esperança, no átrio perto da cremalheira, junto à figura do deus que preside e sob sua protecção;
- e para Pistétero: Quanto a vós, exponha o projecto às Aves, diga-lhes por que as juntei aqui.
Pistétero: Não eu, por Apolo. A menos que eles concordem comigo, como o pequeno macaco de um armeiro concordou com a sua esposa, em não me morder, nem me puxar pelos tomates, nem meter coisas pelo...
Euelpide (curvando-se e apontando o dedo ao anus): Você quer dizer por aqui?
Pistétero: Não, quero dizer pelos meus olhos.
Líder do Coro: Concordo.
Pistétero: Jura-o!
Líder do Coro: Juro-o. E, se eu mantiver a minha promessa, os juízes e espectadores devem dar-me a vitória por unanimidade.
Pistétero: É uma pechincha.
Líder do Coro: E se eu quebrar minha palavra, possa ter sucesso por apenas um voto.
Poupa (como Arauto): Escutai, ó povo! Hoplitas, pegai vossas armas e voltai para as vossas fogueiras; não deixem de ler os decretos de exoneração que mandamos.
Coro (cantando): O homem é uma criatura realmente sagaz, mas, no entanto expliquem. Talvez me mostrem alguma boa maneira de estender o nosso poder, de alguma forma que não tivemos o bom senso de saber e que descobriram. Falai! Para o vosso próprio interesse, bem como o nosso, pois se garantirem alguma vantagem, certamente a partilharemos.
Líder do Coro: Mas que objecto vos pode ter induzido a vir até nós? Fale com ousadia, pois não quebrarei a trégua, até nos contar tudo.
Pistétero: Por Zeus, estou explodindo de vontade de falar. Já misturei a massa de meu discurso e nada me impede de amassar-lo... Escravo! Traga o terço e a água, que você deve derramar sobre minhas mãos. Seja rápido!
Euelpide: É uma questão de festejar? O que tudo isso significa?
Pistétero: Por Zeus, não! Estou à procura de belas palavras, saborosas para quebrar a dureza de seus corações. - Para o Coro: Sofro muito por vós, que fostes ao mesmo tempo reis ...
Líder do Coro: Nós reis? Sobre quem?
Pistétero: ... de tudo que existe, em primeiro lugar, de mim e de este homem, até mesmo do próprio Zeus. Vossa raça é mais velha do que Saturno, os Titãs e a Terra.
Líder do Coro: O quê, mais velhos do que a Terra?
Pistétero: Por Febo, sim!
Líder do Coro: Por Zeus, mas nunca soube isso antes!
Cotovia |
Pistétero: Isso é porque você é ignorante e negligente, e nunca leu o vosso Esopo. Ele é aquele que nos diz que a cotovia nasceu antes de todas as outras criaturas, de facto antes da Terra. O pai da cotovia morreu de doença, mas a Terra não existia então; e ele permaneceu insepulto por cinco dias, quando a ave no seu dilema decidiu, por falta de um lugar melhor, enterrar seu pai em sua própria cabeça.
Euelpide: Assim o pai da cotovia é enterrado em Cephalae.
Pistétero: Portanto, se existiam antes da Terra, antes dos deuses, a realeza pertence-lhes por direito de prioridade.
Euelpide: Sem dúvida, mas afiem bem o vosso bico. Zeus não estará apressado para entregar o seu ceptro ao Pica-pau.
Galo |
Euelpide: Por esta razão também, ainda hoje, só ele entre todas as aves, usa a sua tiara em linha recta em sua cabeça, como o Grande Rei.
Pistétero: Ele era tão forte, tão grande, tão temido, que mesmo hoje, por conta do seu antigo poder, todo o mundo pula da cama assim que ele canta ao amanhecer. Ferreiros, oleiros, curtidores, sapateiros, banheiros, vendedores, afinadores de lira, e armeiros, calçam os seus sapatos e vão para o trabalho antes que seja luz do dia.
Milhafre |
Pistétero: Anteriormente também o Milhafre era governante e rei sobre os Gregos.
Líder do Coro: Os gregos?
Pistétero: E quando ele era rei, ele foi quem primeiro lhes ensinou a ajoelhar diante dos milhafres.
Euelpide: Por Zeus! Um dia, ao ver um milhafre; ajoelhei-me e inclinei-me tanto para trás com a boca aberta, que engoli uma moeda [obolus], e fui forçado a apresentar em casa a minha bolsa vazia.
Cuco |
Euelpide: Por isso, sem dúvida, o provérbio: "Cucú cucú! Para os campos, circuncidados."
Pistétero: Tão poderosos foram os pássaros, que os reis das cidades gregas, Agamémnon, Menelau, por exemplo, colocavam um pássaro na ponta de seus ceptros, e partilhavam a sua quota de presentes aos príncipes.
Euelpide: O que eu não sabia e me surpreendi, foi quando vi Príamo subindo ao cenário nas tragédias com um pássaro. Ele ficava observando Lysicrates para ver se ele recebia algum presente.
[referindo um general ateniense, Lysicrates, que recebia subornos]
Pistétero: Mas a prova mais forte de todas é que Zeus, que agora reina, é representado com uma águia na cabeça como um símbolo de sua realeza; sua filha tem uma coruja; e Febo, como seu servidor, tem um falcão.
Euelpide: Por Demeter, tens razão! Mas o que esses pássaros fazem todos no céu?
Pistétero: Quando alguém sacrifica e, de acordo com o rito, oferece as entranhas aos deuses, estas aves recebem a sua quota parte perante Zeus. Anteriormente os homens sempre juravam pelos pássaros e nunca pelos deuses.
Euelpide: E agora Lampon [um adivinho] jura pelo ganso sempre que quer enganar alguém.
Pistétero: Assim, é claro que vós fostes grandes e sagrados, mas agora vocês são encarados como escravos, como tolos, como Maneses; mandam-vos pedras como aos loucos delirantes, mesmo em lugares santos. Uma multidão de caçadores de pássaros arma ciladas, armadilhas, substâncias viscosas e redes de todos os tipos. Sendo apanhados, são vendidos aos montes e os compradores apalpam-vos para terem certeza de que estão gordos. Se quisessem, serviam-vos simplesmente fritos; mas eles raspam queijo numa mistura de azeite, sílfio e vinagre, à qual se acrescenta um outro doce e molho gorduroso. Tudo é derramado escaldante sobre as vossas costas, como se fossem carne estragada.
Coro (cantando): Ó homem, suas palavras fizeram nosso coração sangrar; Gemíamos sobre a traição de nossos pais, que não souberam como nos transmitir a alta herança que receberam de seus antepassados. Mas eis que um Génio benevolente, um Destino feliz, que vos envia até nós; vós devereis ser nossos libertadores e colocarei o destino dos nossos pequeninos e o nosso em vossas mãos, com toda a confiança.
Líder do Coro: Mas apresso-me a dizer-me o que deve ser feito. Não seremos dignos de viver, se não procurarmos recuperar a nossa realeza por todos os meios possíveis.
(continua)
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Nota Adicional: Por coincidência, os Coldplay lançaram ontem, sábado, um novo vídeo chamado "Birds", o que se junta aos passarinhos que apareceram no doodle da Google, neste final de ano, tudo podendo ser ligado à prevista campanha de extensão dos Angry Birds para cinema (e para banda desenhada, ontem anunciada).
Coldplay - "Birds" (lançado ontem)
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