sábado, 30 de novembro de 2013

Hélgia (5)

- Como pode estar o universo congelado, se presenciamos o tempo a passar?
- Porque entrou em ciclo.
- Sim, ou seja, repete-se indefinidamente, automaticamente, pela inevitável geração diferenciada. De certa forma, foi estabelecendo processos automáticos, invariantes em diversas dimensões, e depois em todas as dimensões.
- Há um processo inicial em que a máquina se forma, digamos um tempo zero, porque aí não haveria tempo como o concebemos. Uma vez formado...
- Acorda!
- ... isso, a máquina acorda. "Acorda no seu funcionamento", é uma boa expressão, e a corda do relógio começou a trabalhar.
- Aquilo que vemos é então apenas uma dessas repetições?
- É uma das múltiplas possibilidades, mas as outras são disjuntas desta. Ou seja, dividiu-se pela lógica, não poderia existir ao mesmo tempo, em simultâneo dois universos diferentes, por isso o tempo acaba por ser a separação lógica que permite a unicidade.
- Mas há intersecções, ou completa disjunção?
- Estamos na intersecção de tudo, o universo é tudo, mas ao mesmo tempo é individualidade. Para o indivíduo manifesta-se em tempos diferentes, que acabam por ser as repetições... digamos, primeiro forma-se um contínuo "espacial" (e coloco entre aspas, porque é um espaço de instantes, que transcende o espaço físico, será mais um espaço de ideias), e estando congelado esse espaço, começa a repetir-se.
- Mas por que estamos nesta repetição?
- Cada um tem a sua... se fossemos todos completamente iguais éramos apenas um.
- E somos... sim, juntos todos os eus. Só que isso é acima de todos os tempos, e por isso o invariante está estabelecido nos tempos.
- Parece uma corda vibrante, que definiu as frequências em que dá música. Como se cada um de nós fosse uma melodia tocada para a eternidade. A corda... eh eh!
- Mas é uma melodia tocada em todas as línguas, é uma questão de ser descoberta por cada um, por cada comunidade, em conjunto... porque a intersecção é o acordo, a realidade, a orquestra. Mesmo que queiramos perceber a melodia que nos calhou, não devemos ignorar que todas as melodias se intersectam... e o confronto foi mais um desacerto inicial antes de todos começarem a tocar em conjunto.
- Com essa visão global, não sentes que isso deixa pouco para saber?
- Isso é ter uma visão muito limitada do universo... eh eh!
- Isto é apenas uma perspectiva, que tem lugar pela consistência. Haverá outras perspectivas, e outras consistências. Num mundo perfeito todos têm razão, e só não lhes damos razão porque ainda não percebemos como encaixa o seu ponto de vista. E é isso mesmo, cada um tem um ponto de vista do universo, e podemos partilhar esse ponto de vista com linguagens. A linguagem, no seu abstracto, foi o que restou da intersecção de todos os universos.
- Mas já há várias coisas a encaixar... eu acho que sim.
- Temos muito tempo!
- Pois... e eu não tenho pressa de saber tudo. Falta é mais harmonia na orquestra, porque cada um tem pressa de pôr o seu instrumento a funcionar.
- Tem uma certa ironia, porque por um lado é como se o universo, Deus, tivesse desaparecido... o que daria razão aos que negam, mas por outro lado é como se tivesse reencarnado em cada um de nós obrigando-nos a ver a sua obra, e ao fazer isso obriga-nos a reencontrá-lo em cada instante. E será na nossa harmonia que se reencontrará por completo. Como se tivesse perdido a memória, mas essa memória está à nossa frente para ser relembrada. Por isso caminho de encontro ao conhecimento universal, pode também ser visto como um caminho infinito de reencontro com Deus, com todos, com tudo o que é, sem deixar nada para trás.
- É um reencontro com nós próprios, com o nosso sentido, porque no fundo, cada um é uma parte do todo.
- Exacto, e por isso o caminho de encontro a si próprio é importante, mas não é apenas para olhar para si... senão afunda, fecha-se em si mesmo, é um caminho para o interior mas a olhar para o exterior, para o outro, que é apenas uma outra manifestação de nós próprios.
- Há uma igualdade, mas é mais que uma mera igualdade, não é apenas "iso", é paraíso. É isso?
- Devemos evitar ver tudo como igual, porque uma pedra não é igual a uma planta. Cada ser ajusta a sua existência ao que é, e não vale a pena estar a projectar-nos em tudo, porque isso é querer igualar o que é diferente. Devemos procurar semelhanças, no sentido da abstracção equalitária, mas não deixar de aceitar diferenças que são naturais.
- Sim, por exemplo, um dos problemas de consciência seria a questão de entrarmos em ciclo de repetição infinita. Só que quem se apercebe disso é o observador externo, não é o próprio. O próprio entrou num universo consistente à sua maneira. Por isso seria algo estranho procurar despertar uma pedra para uma consciência que não pode ter. A nossa projecção nos outros tem limites, sob pena de nos querermos reduzir à sua dimensão.
- Mais alguma pergunta?
- Mas afinal quem é que estava aqui?
- Não interessa... interessa que as palavras estão, para quem as entender.

Amor Electro - A máquina acordou.

domingo, 24 de novembro de 2013

Nebulosidades auditivas (4)

Um dos primeiros discos que comprei...

Living by numbers, New Musik (1980), From A to B

Living by numbers
Adding to history
And living by numbers
I guess was always meant to be
Living by numbers
Living by numbers now
We've been living a long time
Counted out in the rows of files
Such a digital lifetime
It's been by numbers all the while
Living by numbers
Living by numbers now
You count the days but does it
All add up to you
Does it all add up to you why we're
Living by numbers now
So you're living by numbers
And numbers you answer to
You can count all the nubmers
You bet that someone's counting you
Living by numbers
Living by numbers now
Living by numbers
Living by numbers now

They don't want your name
They don't want your name
They don't want your name
They don't want your name
Just your number

Does it all add up to you? Não, o nosso número não é 1, nem 3. 
You bet that someone's couting you... e isso aplica-se ao "someone" também. 
Just your number... e o número da nossa geometria é π = 3.1415926535... 
É quanto liga um diâmetro unitário ao perímetro de um círculo perfeito. 
É engraçado que a letra grega pi, π faz lembrar uma construção de anta ou dólmen.
A transcendência de π foi provada, e há recordes para determinar o maior número de dígitos, em ordens que pouco mais são que deixar máquinas a correr, pois é-nos impossível olhar para a lista de números. Servem para estatísticas, e uma das estatísticas tem revelado que esses dígitos aparecem como aleatórios, apesar de serem bem determináveis. São poucos os resultados qualitativos que podemos tirar, e tudo o resto é mera observação passageira, muito limitada, porque face ao infinito qualquer finito é igualmente distante. E ainda que houvesse quem todos os dígitos visse, não veria a infinidade de associações qualitativas, e se ainda assim tudo visse... então nada mais tinha para ver, e reduzia-se a um todo fechado. Esse todo fechado é unitário, é 1, o ciclo fecha-se, e tudo começa de novo.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Chorar ao "Rir a bandeiras despregadas"

"Rir a bandeiras despregadas"... é daquelas expressões algo estranhas, mas que se implantou na língua portuguesa. Se olharmos por exemplo para a explicação constante de ciberduvidas:

«É fácil compreender que as bandeiras podem estar atadas antes dos dias festivos para não se rasgarem. Chegado o dia marcado para a festa, as bandeiras são desatadas para serem agitadas pelo vento.»

Acresce noutros casos a referência de que as tropas vitoriosas regressavam de combate com as bandeiras despregadas.

Será isto?
Pois, parece bem que não. Não tem a ver com algo tão literal.
Na página 304 do Volume 8 do "Instituto", de 1860, no meio de um apontamento sobre galicismos, podemos ler:
______________________________
A BANDEIRAS DESPREGADASbonieres deployées). E phrase que não temos, e que nunca será usada por homem instruído na lingua portugueza.
Rir a bandeiras despregadas; rir muito, perdidamente, loucamente, as gargalhadas. ______________________________

Bom, o que se passa então?
Do que se entende, e li algo adicional sobre isto, mas não encontro a referência, o uso da expressão francesa no início do Séc. XIX provavelmente caiu no ridículo cortesão...

Porquê? Porque aparentemente as tropas portuguesas nunca despregavam as bandeiras (ou nunca se consideravam vencedoras), como faziam os outros, e daí ser dito que ninguém instruído deveria referir-se "a bandeiras despregadas".
A corte lisboeta deveria entreter-se e delirar com os mínimos deslizes de ignorância da plebe mais atrevida, porém ignorante dos códigos e diabruras infantis dos cortesãos. 
Assim, parece ter sido instituído o rir à expressão "a bandeiras despregadas"... e o riso pelos vistos foi tanto, que dá para ver o nível de maturidade mental subjacente.
Terá mudado alguma coisa?... Duvido!
Na literatura do Séc. XIX a expressão remeteria muitas vezes a um riso trocista sobre alguma ignorância alheia. Porém, depois, ao entrar na gíria popular ficou apenas como alusão a riso incontrolado.

Seria até natural que este texto desse para rir a bandeiras despregadas, pois sem referencial digno, tudo passa por atestado engano, e assim se engana quem quer ser enganado.  
Porém, dado o contexto, é mais natural chorar ao "rir a bandeiras despregadas", e percebe-se porque às vezes chorar de tanto rir é um claro sinal de que se ri demais, e foram dados claros sinais para chorar. 

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Ver estrelas

"Ver estrelas ao meio-dia" era uma expressão antiga, que encontramos em textos do Séc. XIX, e que hoje abreviamos para "ver estrelas", mantendo o sentido associado a uma pancada ou dor forte. Era especialmente popular nos desenhos animados dos anos 60 e 70.

Não há estrelas no céu a dourar o caminho da NASA.
O filme "Gravity" que agora estreou, lembra as "caminhadas espaciais", mas vem também lembrar as muitas imagens de astronautas perdidos num "espaço negro":
Bruce McCandless na sua "grande caminhada" fora da nave, em 1984.

A história da carochinha é sempre a mesma... o brilho da Terra/Sol ofuscaria o brilho das estrelas, para fotografia de exposição curta. As únicas estrelas no espaço são os astronautas, esses bem visíveis, pois visa-se um estrelato hollywoodesco. À caminhada só faltava a pegada, essa "deixaram-na na Lua".

Porém, noutras paragens, na URSS de 1965, a conversa era outra...
Vemos nas duas imagens seguintes, o primeiro cosmonauta, A. Leonov, rodeado de estrelas a dourar o espaço negro:
A. Leonov (primeiro cosmonauta no espaço, 1965)
As estrelas são perfeitamente visíveis, como seria de prever.
(imagens: em Claude Lafleur e na Time)

Portanto, o filme fotográfico que a URSS usava não era à prova de estrelas.

Quer isto dizer que os EUA não chegaram a enviar ninguém ao espaço, e que tudo não passam de encenações feitas em estúdios de cinema e fotografia? Uma coisa não implica a outra... podem perfeitamente ter ido, mas temos todas as razões para suspeitar dos seus filmes e encenações.

Um problema está abordado justamente no filme Gravity... mas num contexto de erro russo!
Não será à toa que nas imagens que vemos dos russos os cosmonautas não se desprendem muito da nave.
A Terra é bombardeada por milhões de pequenas partículas. Algumas, maiores, podemos vê-las no céu à noite - são as chamadas estrelas cadentes
Ao irromperem pela atmosfera a enormes velocidades os meteoros incendeiam-se provocando aquele espectáculo clássico. Há épocas em que atravessamos órbitas de destroços, e nos meses de Julho e Agosto são características as chuvas de meteoros, chamadas Perseidas.

No espaço, não havendo atmosfera protectora, mesmo as mais pequenas partículas actuam como autênticas balas... e, ou se arrisca a sorte, ou um cosmonauta poderia ser alvo de "um tiro". Isto não afectará os astronautas, porque presume-se que estejam em filmagens, e o maior medo será se a foto não o favorece muito.
Já os cosmonautas, esses não é muito crivel que se aventurassem para além do escudo protector que seria a própria nave espacial. Os próprios satélites artificiais incluem uma apólice de risco de serem albarroados por um pequeno meteoro, e não é demasiado grave o impacto de micro-meteoros porque o seu material será suficientemente resistente a esse impacto menor.

Há poucos dias, para promoção dos Jogos Olímpicos de Inverno, Sochi 2014, os russos levaram uma tocha olímpica para o espaço... e lá está a NASA associou-se, com imagens mais nítidas sem estrelas, ao passo que os russos davam as suas tímidas e mal definidas imagens:
Kotov exibe a tocha olímpica... num tímido passeio espacial

Não vemos aqui nada de especial, face a outras imagens... muito pelo contrário, Kotov nem sai da estação espacial, e a novidade de ter uma "tocha olímpica", seria proeza pequena quando vemos a primeira imagem de McCandless, ousadamente soltando-se pelo espaço negro.

Porém, é natural que os russos tenham um património de ver estrelas e não queiram abdicar completamente dele para o apagão americano.

domingo, 3 de novembro de 2013

Eclipse now... hoje 03-11-2013

Por volta do meio-dia de hoje, 3 de Novembro de 2013, está previsto um eclipse do sol híbrido

Curiosamente, conforme refere a wikipedia, irá ser visível em todos os países de língua oficial portuguesa (menos Timor)... É um eclipse que se inicia sobre o Atlântico, da costa leste da América do Norte à costa norte da América do Sul, e que depois cobre praticamente toda a África. Na Europa estará restrito praticamente a Portugal, Espanha, Itália e Grécia.

Eclíptica
Aproveito para uma daquelas observações simples, mas que podem ser instrutivas.
Se o céu estivesse "fixo"... a cada ponto da Terra corresponde exactamente um ponto do Céu.
Ou seja, fixado esse céu, pelo zénite, cada estrela teria uma posição exacta sobre a Terra, e vice-versa.


Uma indicação de que algo desse género poderá ter estado na demarcação das constelações tem a ver com alguns nomes e mitos. 
Por exemplo, Perseus, que pode ser ligado à Pérsia está acima de Touro, e Taurus era a cadeia montanhosa que definia a Turquia, com clara proximidade à Pérsia. Além disso, abaixo de Touro encontramos Oríon, que tem sido identificado ao Egipto. Há quem veja nas 3 pirâmides de Gizé uma associação às 3 estrelas do cinto de Orion (se bem que estas estrelas estão demasiado abaixo, cruzando a linha do Equador). Outras associações são mais difíceis, até porque não é claro se havia ou não redução ao espaço conhecido. 
Porém, Hércules poderia ser remetido facilmente às Colunas de Hércules, pois esse era um nome de referência na geografia antiga.

Bom, e praticamente ficamos por aqui, ainda que possamos estabelecer outro tipo de relações. 
Por exemplo, seguindo Hércules temos Lira e Cisne. São dois símbolos conhecidos. A lira está ligada a Apolo, mas também ao filho Orfeu - poeta e um dos Argonautas, ligados à viagem de Jasão. Por outro lado, o Cisne esteve ligado a mitos de passagem do Atlântico, por Lohengrin.
Seguindo por esta ordem, surgiria imediatamente Pégaso, Cefeu, Cassiopeia, o que se liga directamente a toda a história de Andrómeda e Perseu. 
Para se manter algum nexo, deveríamos considerar a visão antiga, de Colombo, que ligaria directamente o Atlântico à Índia e Etiópia. De facto, Cefeu surge como rei da Etiópia, e assim Andrómeda surgiria como associada a uma Índia presa. Andrómeda sofria punição de Neptuno, o que poderia referir-se à proibição de navegações, mas seria salva por Perseu. O corte da cabeça da Medusa, poderia ser um corte da liderança dos Medos, que colocou os Persas no comando.
Por outro lado, Cappela, a cabra, e Auriga, pela quadriga, ligariam à Grécia e/ou à Itália, ainda que esta relação seja menos clara, tal como a Ursa Maior poderia ligar à parte continental europeia, onde o urso era um símbolo (por exemplo, o "Ber" em Berna ou Berlim estão-lhe associados). Isto implicaria uma associação geográfica algo grosseira, mas que tem sentido nas representações antigas do mundo.

É claro que tudo isto são meras especulações, mas um maior estudo poderá permitir outras conexões. De qualquer forma, este tipo de ligação sempre me parece fazer mais sentido do que a simples ideia difundida de que a associação de constelações corresponderia a ver figuras desenhadas pelas estrelas... algo que só em raros casos tem algum sentido, mesmo com grande esforço de imaginação.