sábado, 27 de outubro de 2018

Ora, a hora

Não é preciso procurar muito, para encontrar incompetência em tudo o que nos rodeia.

A partir de 1975, ficámos com a sina de que, chegado o inverno, para além de termos menos exposição solar, ficámos sujeitos à "hora de inverno", aquela maravilha que nos deixa de noite às cinco da tarde. Chamou-se a isso DST - Daylight Saving Time.

Durante um breve período, no deslumbre da adesão à CEE, ainda houve a peregrina ideia de ficar na mesma hora de Espanha e da maioria dos países europeus, e quem se lembra disso, lembra-se que no Verão o pôr-do-sol chegava a acontecer bem depois das dez da noite.  

No final de Agosto deste ano, fomos supreendidos com a notícia de que a UE iria propor o fim da mudança de hora, devido a um inquérito em que 80% da população inquirida (ao que consta, quase 5 milhões pessoas, especialmente alemães) tinha respondido que preferiria manter a hora de Verão.

Em Portugal o assunto está delegado no OAL - Observatório Astronómico de Lisboa, tendo uma comissão que praticamente toma esta questão da mudança da hora, como actividade única.
Dipensam-se os comentários jocosos, mas a última coisa que podemos esperar que uma comissão de gambuzinos diga é que os gambuzinos não existem.


O relatório do OAL sobre as razões de apoiar a mudança de hora é mediocre - opinião mais meiga.
Procurando escudar-se em questões técnicas, que são absolutamente triviais, dados os meios actuais, tentam esconder-se num único argumento, enumerando múltiplos cenários desnecessários.
Esse argumento é o de que a actividade humana se centra entre as 7h30 e 17h30, e num desespero que chega a doer pelo irrealismo, é pretendido que o meio-dia coincida com o meio do dia...

Ora 12h00-7h30 dá 4h30 para a manhã, e 17h30-12h00 dá 5h30 para a tarde.
Ou seja, um desequilíbrio de manhãs mais curtas que as tardes em uma hora...
Só que esse desequilíbrio é muito maior, e isso não é minimamente abordado ou admitido.

À excepção de cafés, ou similares, são raros horários anteriores às 8h00, e a maioria dos estabelecimentos comerciais, fora centros comerciais, tem o seu fim de actividade às 19h00.
Isso causa manhãs com 4h00 e tardes com 7h00, num desequilíbrio de 3 horas.

Os restaurantes percebem bem o "assunto astronómico" e têm o seu meio-dia regulado para o meio do dia de trabalho, ou seja, abrem às 12h00 e fecham às 15h00, com o meio-dia às 13h30, coincidindo exactamente com o meio do período que vai das 8h00 às 19h00.
Surpreendentemente, e como estranhamente sabem que a actividade humana termina às 19h00, abrem os restaurantes para jantar às 19h00, e não às 17h30.

É claro, pode pretender o OAL diferentemente, se conseguir que os restaurantes sirvam os almoços das 10h30 às 13h30, e comecem a servir os jantares às 17h30. Os jornais das 20h00 passarão então a ser emitidos às 18h30. Podem ainda tentar que as aulas comecem às 6h30, em vez das 8h00, e que as lojas fechem às 17h30 em vez das 19h00.

Tudo isso é perfeitamente possível, mas corresponde apenas a ignorar que a actividade humana está centrada no horário das 13h30, que durante o horário de Verão corresponde aí ao meio-dia solar.

Por isso, se houvesse alguma intenção de regulação da luz do dia com a actividade humana, não se deveria fazer qualquer alteração de hora... mas, ui, ui... isso seria assumir que o meio-dia solar ocorreria mais próximo das 13h30 do que das 12h00.

Quanto à efectiva poupança de energia eléctrica, para uma sociedade que se habituou a ser noctívaga, pois isso seria um detalhe "mínimo", que não interessaria às empresas eléctricas.

No entanto, sendo até sensível ao desagrado de rumar ao trabalho ainda de noite, não me desagradaria esta mudança de hora no final de Outubro, contando que o assunto estaria equilibrado. Ou seja, se a mudança é feita menos de 2 meses antes do solstício, a nova mudança deveria ser antes de 2 meses depois do solstício... ou seja, antes do fim de Fevereiro.
Não é isso que acontece, a próxima mudança será a 30 de Março de 2019... e o OAL reconhecendo esta desproporção, é ainda mais caricato apontando o outro sentido, o sentido EDP - ou seja, antecipar a hora logo em Setembro e não em Outubro.

Estive no Brasil numa altura em que o Sol nascia pouco depois das 5h00, e nunca vi tanto desperdício de actividade humana, porque as coisas só começavam efectivamente a funcionar no horário clássico. Portanto, o assunto não é de menor importância, mas a maneira como é abordado revela muito do que está instalado.

O que está instalado é simples... a partir do momento em que a iluminação artificial substituiu a natural, o Inverno deixou de ser um tempo de repouso de actividades campestres, para ser um tempo de trabalho nocturno. E assim, a grande graça de iluminação do génio humano, passou a receber todas as sombras de desgraça pela simples perversidão humana dirigente.

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