Se no outro blog fui vasculhar o sótão, aqui encontrei este rascunho na cave.
Bom, e gostei de reler, com o problema de já não saber até que ponto o texto foi completamente inventado, já que a memória me diz que, pelo menos, situações muito semelhantes ocorreram.
A deusa deu conhecimento ao homem da sua presença, e fez-lhe saber:
Bom, e gostei de reler, com o problema de já não saber até que ponto o texto foi completamente inventado, já que a memória me diz que, pelo menos, situações muito semelhantes ocorreram.
______________ 25/07/2015 ____________
A deusa deu conhecimento ao homem da sua presença, e fez-lhe saber:
- Eu tudo sei e posso.
O homem calmamente lhe respondeu, sem que tivesse pronunciado palavra:
- Compreendo, mas tudo isso não te chega.
Algo irada, a deusa fez-lhe sentir um aperto no coração, mas o homem continuou:
- Precisas de mim. Eu serei o último depósito da tua existência, quando nenhuma razão houver para se pensar sequer que possas ter existido.
- Tenho o teu coração na minha mão.
- E que medo lhe sentes?
O homem contorceu-se com algumas dores agudas, gemeu, gritou, mas insistiu:
- Que medo lhe sentes?
- Sinto em ti, a irritação de um insecto. Um insecto que me atormenta. Um insecto onde o medo está ausente, porque não tem capacidade de ver o pé que o pode espezinhar.
- Pois, em ti, minha deusa, eu sinto medo.
A deusa afastou-se. Este afastar significou apenas retirar ao homem o conhecimento da sua presença. Poderia, sabia bem, terminar ali com a vida daquele homem, como tinha terminado com tantos outros, mas sabia bem que terminar com um insecto não termina o problema dos insectos. Como tudo sabia, sabia que todo o desfecho universal sem a presença daqueles insectos pensantes correspondia ao seu próprio colapso. Sabia, mas não compreendia a razão.
Passados uns tempos, voltou a fazer notar a sua presença.
- Bem vinda, de novo!
- Saberás quem sou eu?
- Para que te serve a pergunta, a quem tudo sabe? Sabes que te vejo como deusa da Terra... Geo, vá!
- Geo, vá? Vá onde?
- Vá lá...
- Vahala ou Vá Alá?
- Não interessa. A nomenclatura histórica não interessa ao assunto que te interessa.
Nesse instante, o homem ligou a televisão e imediatamente viu um anúncio publicitário terminar, dizendo - "Porque sim, sabemos o que vai fazer. Fique connosco."
O homem pensou um pouco, e dirigiu-se assim à deusa:
- Vamos ao que interessa?
Silêncio da outra parte. Sem se dar conta, o homem tinha mudado para um canal musical, e desse lado passava o vídeo "Nothing really matters":
O homem não achou piada alguma à forma de resposta. Procurou o comando para mudar de canal, mas não o encontrava. Tinha a certeza que o tinha deixado ao seu lado. Tinha acabado de ligar a televisão, não poderia estar noutro sítio. Levantou-se, olhou por todo o lado, e não o viu. Irritado, desligou a televisão da ficha, e disse baixinho:
- Podes tudo, mas comigo não podes manter a televisão a funcionar quando tiro a ficha.
Saiu da sala e foi para o escritório, iria ouvir música no computador. Ligou o computador, e para seu espanto, nas sugestões do YouTube, aparecia o vídeo "Nothing really matters", agora de Mr. Probz.
Sorriu, e sem pronunciar palavra, disse:
- É o melhor que consegues?
Nesse instante, ouviu da sala a canção de Madonna de novo... Não queria acreditar. Tinha desligado a televisão da ficha. Dirigiu-se à sala, e a sua mulher perguntou-lhe:
- Por que razão desligaste a televisão da ficha? Onde está o comando para mudar de canal?
O homem ficou sem saber o que dizer... mas, entretanto entrava já nova canção - "Nothing else matters", dos Metallica, e a mulher apressou-se a dizer-lhe:
- Deixa estar. Já há muito tempo que não ouvia esta!
Ainda meio sem palavras, o homem conseguiu retorquir:
- Os tipos devem ter achado piada fazer seguir ao "Nothing really matters" da Madonna, o "Nothing else matters" dos Metallica... aposto que antes tinham passado o Mr. Probz.
- O que é que estás a dizer?
- Nada. Olha o comando está por aí... mas não o encontrei.
- Já vi, estava metido entre as almofadas do sofá. Mas, porque razão desligaste a ficha?
- Eh pá, não interessa nada...
Para terminar a sequência, a mulher rematou sorrindo:
- "Não interessa nada"? ... Nothing really matters?
O homem afastou-se de novo para o escritório, com a confusão de não saber se a piada era da mulher ou da deusa, e disse para si:
- Ah, ah, ah! Cena muito engraçadinha!
E de novo, a deusa fez-lhe sentir a sua presença, com uma pergunta na sua cabeça:
- Aprendeste alguma coisa?
O homem ficou a pensar, sem nada dizer, rodando a cadeira do escritório, enquanto olhava para o espelho. Depois decidiu ir ver o vídeo que recusara antes, e procurou a letra na internet. Em jeito de resposta, encontrou um vídeo de M. Mathers, vulgo Eminem, e considerou que "Not afraid", era apropriado.
- Eu compreendo o teu problema.
- Eu tenho um problema?
- Vamos ao que interessa?
O percebido silêncio foi tomado pelo homem como razão de continuar, e continuou:
- O que podes e sabes, está dentro das possibilidades. Nos universos de impossibilidades, que tanto gostarias de ter, não contas comigo, nem com os meus. Esses universos cor-de-rosa, terminam todos mal, como podes ver, porque tudo podes saber.
- Enganas-te, não terminam todos mal.
- Terminam todos mal para ti... porque sozinha ficarias com bonecos, com autómatos previsíveis. É a previsibilidade que te mata, porque quando escolhes um mundo pré-programado, esse mundo termina antes de começar. Não termina para quem tem um conhecimento parcial dele, mas sim para quem o controla. Os bonecos são felizes nesse teu mundo de faz-de-conta, como é feliz um boneco de borracha, onde está desenhado um sorriso.
- Se tudo sei, acharás que não sei isso?
- Sim, sabes, mas compreendes? Uma coisa é ter todos os livros numa biblioteca, outra coisa diferente é saber escolher o apropriado na altura certa.
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