segunda-feira, 1 de maio de 2017

Pré visões de Fátima

Comemora-se em 1917 o centenário de Fátima, mas também o centenário da revolução bolchevique em 25 de Outubro, e da tomada de poder por Sidónio Pais em 12 de Dezembro. 
Mas, antes disso, mais marcante em Portugal terá sido o envio do Corpo Expedicionário para a 1ª Guerra Mundial, que pouco depois de chegar tem uma baixa, em Abril de 1917 - o soldado António Gouveia Curado, o único a fazer a capa na Ilustração Portugueza (revista associada ao jornal Século) a 14 de Maio de 1917.
Ilustração Portugueza  capa em 14 de Maio de 1917.

Como é óbvio, a data 13 de Maio de 1917 só teria importância depois de se espalhar a notícia das aparições de Fátima, e só constará de referências (algo jocosas) na revista Ilustração Portugueza (na parte Século Cómico) em Outubro de 1917.
"A aparição da Virgem" - Notícia do Século Cómico - 22 de Outubro de 1917

Reportagem na Ilustração Portugueza de 29 de Outubro:

Curiosamente, no entanto, houve anúncios em jornais que anteviram a data 13 de Maio de 1917.
O Diário de Notícias, ao comemorar-se o centenário, noticiou de novo o assunto.
A 10 de Março de 1917 (dois meses antes) aparecia no espaço publicitário um muito pequeno anúncio com o número "13 5 917" (13-5-917) dizendo:
135917 
Não esqueças o dia feliz em que findará o nosso martírio. 
A guerra que nos fazem terminará. A. e C."

O Diário de Notícias publicou a notícia referindo o anúncio:

Não se trata propriamente de uma novidade, mas não tinha visto o anúncio em particular. 
Aliás, este anúncio foi repetido em outros jornais (Jornal de Notícias, Primeiro de Janeiro, Liberdade), insistindo no dia 13 de Maio, e no tema do final da guerra. 
O anúncio foi enviado por uma sociedade espírita, onde A. corresponderia a um certo "António" - elemento do Porto que envia para os jornais dessa cidade, e o C. corresponderia ao cantor Carlos Calderon, que estará ainda ligado à fundação da Sociedade Portuguesa de Autores. Esta informação é dada pelo Diário de Notícias, na sua investigação sobre o assunto.

Outra notícia, que aparece no Jornal de Notícias, é publicada justamente na edição de 13 de Maio (no dia das primeiras aparições), e diz o seguinte:
________________________________
A guerra e o espiritismo 
Revelação sensacional
Recebemos ontem um postal cujo texto passamos a reproduzir:
   Porto, 11 de Maio de 1917
   Srs. Redactores
   Foi participada pelos Espíritos a diversos grupos espíritas que no dia treze do corrente há de dar-se um facto a respeito da guerra que impressionará fortemente toda a gente.
  Tenho a honra de me subscrever Espírita e dedicado propagandista da verdade - António.


Acresce uma mensagem assinada por uma Stella Matutina (estrela matutina - Vénus), metade escrita em reflexo, dizendo "Sempre a vosso lado tereis os vossos amigos que guiarão os vossos passos e vos auxiliarão na vossa tarefa. Ego sum Charitas" e outra parte dizendo "A luz brilhante da Estrela Matutina vos alumiará o caminho. Stella Matutina"

Coincidência ou não?
Pode pensar-se no descontentamento crescente na sociedade portuguesa, devido ao envio de forças militares em Fevereiro de 1917 para a frente de batalha comandada pelos ingleses. 
Esse descontentamento foi um dos motivos para a revolução liderada por Sidónio Pais, que ocorreria em Dezembro de 1917, e que instalou uma "segunda república", permitindo a eleição directa do presidente da república.
No início de 1917 os sectores mais religiosos portugueses estavam fartos de uma perseguição sofrida com a implantação republicana, e poderiam ter sido estes a apoiar e financiar um golpe de estado interno.

É tese antiga que todo o contexto das aparições de Fátima poderá ter sido encenado por movimentos religiosos, ligados à Igreja Católica, ainda que não oficialmente... tendo em vista um recuperar do sentimento religioso da população, levando a uma mudança de regime - que ocorreu de facto nesse ano, e a revolta de Sidónio terá tido grande apoio popular.
Se tal coisa foi preparada nos bastidores, pois será de considerar que a data de 13 de Maio circulasse, e pudesse fazer parte de previsões "espíritas", ao ponto de figurar como notícia em jornais.

A substituição de Lúcia
Dos "três pastorinhos" associados às aparições, apenas sobreviveu Lúcia. Se a Igreja Católica não se associou ao fenómeno no início, mais tarde, especialmente após a mudança de regime com a instauração do Estado Novo em 1926, veio a associar-se de forma clara às peregrinações a Fátima, cada vez em maior escala, na construção de um sumptuoso santuário.
Fotografia de Lúcia dos Santos (nos anos 40)

Lúcia foi colocada sob reclusão quase total, tendo praticamente contacto nulo com o resto da sociedade, e sendo as suas visitas alvo até de decisão papal. Acontece que há uma clara mudança do rosto que aparece nas fotografias antes e depois de 1960 (altura do Concílio do Vaticano II).
Isso tem levado a teses de que houve uma substituição, por possível morte da Lúcia original, antes de 1960 - veja-se por exemplo o site www.igrejacatolica.org/irma-lucia-impostora

Mas não haverá grandes dúvidas que estamos na presença de uma mudança de identidade. Os rostos da Lúcia original e da Lúcia posterior, apesar de exibirem alguma semelhança genérica, são mesmo muito diferentes, e a sósia não foi bem escolhida. Uma análise detalhada pode encontrar-se aqui:

 ... mas é especialmente fácil verificar que as bocas são completamente diferentes. A Lúcia original tinha um lábio inferior saliente, que nada tem a ver com os lábios praticamente inexistentes da substituta encontrada. Diria mais que isso, estamos a falar de pessoas que seriam de índoles diferentes... e se é possível olhar para o retrato da Lúcia anterior, e ver aí até alguma bondade latente, tal parece falhar por completo no rosto substituto.

Fátima acabou por servir durante um século turbulento a inúmeras especulações. Apesar de Lúcia ter sido retirada para um convento em Tuy, não se lhe conhecem previsões sobre o morticínio espanhol na guerra cívil, e as previsões da segunda guerra mundial são algo adaptadas às circunstâncias.
As referências ao comunismo, ocorrem apenas numa visão de Lúcia em 1929. É ainda significativo referir que houve visões anteriores de um "anjo", reportadas aos anos de 1915 e 1916, mas só as do ano de 1917 mereceram referência especial posterior, por incluírem a Virgem.