segunda-feira, 23 de junho de 2014

Nebulosidades Auditivas (16)



Under Control
Calvin Harris & Alesso (singer: Hurts)
http://www.azlyrics.com/lyrics/alesso/undercontrol.html

I might be anyone
A lone fool out in the sun
Your heartbeat of solid gold
I love you, you'll never know

When the daylight comes you feel so cold,
You know
I'm too afraid of my heart to let you go

Waiting for the fire to light
Feeling like we could do right
Be the one that makes tonight
'Cause freedom is a lonely road
We're under control

We're under control

Oui. Qui? Pedia...

Normalmente evito confrontos sobre os quais já antecipei os desfechos possíveis, e em que o mais provável é ser apenas uma enorme perda de tempo.
No entanto, havia uma situação que pedia esse esclarecimento, na prática... a Wikipedia.

A Wikipedia ficou um projecto de imenso valor, que ajuda bastante na pesquisa de informação, aliado ao motor de busca da Google.
Muito bem, mas nem tudo é um mar de rosas, e é sabido que Wikipedia, assim como disponibiliza, também tritura informação. Por razões válidas, justifica-se um certo controlo dos conteúdos que são adicionados ou subtraídos. 
A Wikipedia adoptou assim uma política de citações por fontes fidedignas. O "fidedignas" é ambíguo, mas o que interessa é que a Wikipedia tenta remeter tudo para as revistas, jornais, etc... para as publicações clássicas, onde já há um longo controlo instituído. 
Assim, se as pessoas têm ideia de que há algum fórum de discussão racional... podem mudar de ideias.
Era isso que a Wiki... pedia. Pedia que eu pelo menos por uma vez tentasse.
Tendo lido o comentário do José Manuel, sobre os seus fados na Wikipedia, aproveitei o fim-de-semana para fazer essa tentativa. 

Para esse efeito, escolhi um tema que não era opinativo, mas que poderia ser "quente". Não iria usar citações, e iria avaliar se havia alguma réstia de discussão racional, sem ser com o argumento "Magister dixit"... neste caso "Magister non dixit"!
Tratava-se do tema da Inteligência Artificial, sobre o qual já escrevi várias vezes. Tratava-se de usar um simples argumento matemático, até aritmético, de que uma máquina finita não pode pensar no infinito.
Dito assim, seria algo gratuito, mas cuidei de justificar adequadamente, conforme vi ser feito noutros artigos sobre matemática na Wikipedia, com uma chamada prova por absurdo. 

Eis como ficou a inserção que coloquei, na Wikipedia em inglês:

Infinity Paradox on Artificial Intelligence
A finite device can never generate the notion of infinity.
Therefore the notion of infinity is impossible to be acquired by a computer or by any other device that can only produce a finite set of results in a finite lapse of time.
This is a simple mathematical paradox, as the combinations from a finite set S are in the finite power set 2S. This applies either to computer states or neuron states. If the notion of infinity could be obtained from some finite combination this would mean that infinity would be equivalent to that finite sequence, which is obviously a contradiction.
Thus, infinity and other abstract notions have to be pre-acquired in any finite device.

Passado pouco tempo foi retirado.
(Curiosamente no artigo de AI na Wikipedia em português, aguentou-se (*))
Como não sou de me ficar nestas situações... coloquei de novo, e fui perguntar a Flyer22 a razão da supressão. Lá veio o choradinho da "citação que faltava". Apareceu mais um sueco à festa, CFCF estudante de ciências cognitivas, também a retirar com o mesmo argumento, e finalmente como apoio aos outros, apareceu um xerife - NeilN, que ostentava esta bela estrela:
Estrela de "platina" - Master Editor da Wikipedia.

Isto acaba por funcionar como um jogo de crianças... e chegar a Master Editor requer mais de 50 mil edições de texto. Depois da estrela de platina pode receber uma estrela de "bufonite" (é mesmo essa a palavra usada), e a brincadeira continua, e o reconhecimento é impagável, mesmo que apareça sobre forma de uma imagem... basta ser um bom soldado que reconheça no boneco a importância da sua missão.

É preciso realçar que é este pessoal que assegura a qualidade geral da Wikipedia, que é boa, e por isso têm normalmente um grande trabalho... especialmente com pessoal parvo, e no início era natural que actuassem laconicamente e diga-se, com alguma paciência, explicando as regras "ao parvo" que chegava. Sei disso perfeitamente.

Porém, aquilo que me surpreendeu, no seguimento da discussão aqui e na discussão aqui, foi a obstinação do princípio ao fim... a entrada não era aceite se não houvesse a requerida citação, remetendo para prévia publicação clássica. É claro que isto não se passa assim com a maioria dos outros artigos da Wikipedia, aliás quase todos os artigos têm parágrafos que não são citações, mas a lei da Wikipedia impede esse argumento, para ficar tudo ao critério do xerife, Master Editor. Até aí ainda se pode compreender... o problema é quando o xerife se arma em papagaio, sempre a repetir a mesma coisa, porque não quer discussões.
Portanto, neste momento a Wikipedia é basicamente um organismo militar, com soldados que foram educados para se comportarem como autómatos. Por isso, no final desta experiência, terminei assim:
NeilN, I understand that without an ID citation card (issued by "reliable sources"...) you can shoot. Go ahead, do what you want, you are the man with the gun. Did you saw me undoing the suppression? No! So what is your problem? You can not kill ideas, even if you kill the one that expresses them. Best wishes.
Pronto, foi assim "a minha aventura na Wikipedia"... sem uma única palavra sobre o que tinha sido escrito... tudo menos isso! Fica também claro por que razão o não tinha tentado antes - porque sabia que o desfecho seria semelhante, desta ou doutra forma.
A tendência da moda para o Outono/Inverno enviada às lojas, maçónicas ou outras, continua a ser seguir a moda, e não pensar por si. Aguardamos então os tons dos criadores no Verão...

_________________
(*) Aguentou-se até 25 de Junho, e retirado com o mesmo argumento das referências - no caso da Wikipedia em português, é uma piada ainda maior. De qualquer forma, em conversa, já surgiram outras referências, dadas por Pgr94, e o assunto foi recolocado. Aguardam-se desenvolvimentos.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Em erguer

Energia é uma palavra que tem um sentido físico rigoroso, mas que é muitas vezes utilizada de forma arbitrária.
Energia é recentemente associada a algo místico, indefinido. Lembro-me que quando visitei o Egipto, havia um grupo esotérico procurando captar "energia" das pedras ou dos locais!
Há toda uma religiosidade que vive de indefinições. As indefinições são muito importantes para as crenças, porque pretendem significar tudo... não significando nada. É muito frequente encontrar isso em discursos retóricos complexos, artísticos, políticos ou religiosos, que factualmente se resumem ao vazio.

Do ponto de vista científico, energia equivale a trabalho. Talvez por prurido, fala-se em lei da conservação da energia e não em lei de conservação do trabalho. Trabalho é a multiplicação de uma força pelo deslocamento, e força só é diferente de aceleração porque é multiplicada pela massa.
Como quase todas as grandezas físicas, a energia está ligada ao movimento... ao movimento que acontece (energia cinética) ou ao movimento que se prevê acontecer (energia potencial).
Em erguer está essa en-erguia, energia.

Bom, interessa-nos aqui uma observação simples, mas que merece reflexão.
No nosso mundo bem ordenadinho, coisas pequenas raramente provocam grandes estragos.
Ninguém está à espera que um grão de areia esmague ninguém... 
Porém, numa situação muito instável, basta um grão de areia para fazer rolar um enorme pedragulho.
A instabilidade é assim uma situação que pode repor equilíbrios na natureza... dando um poder enorme ao pequeno grão de areia.
Grande parte do nosso dia-a-dia foi tornado mais confortável pela capacidade de controlar grandes instabilidades, a ponto de um simples premir de um acelerador ser capaz de pôr veículos de toneladas em grande movimento... ou de um simples toque no volante de um carro ser a diferença entre o caos e a ordem. 
Pior, havia o perigo da Guerra Fria... em que o simples premir de um botão poderia gerar um inferno nuclear à escala planetária. Creio que nunca se gerou tanta instabilidade na Terra, a ponto de "uma certa combinação de neurónios num cérebro" poder gerar uma catástrofe planetária.

Portanto, a capacidade energética superior que manipulamos foi resultante de compreender como usar as instabilidades a nosso favor. Ficámos mestres do caos, entendendo-o, e controlando-o, e quando sai do controlo chamamos a isso "acidentes":
... um fio e um rato.

Energia liga-se a Poder, pelo controlo da ligação de instabilidade.
Se o poder está num "botão" e não num "botam" (botam ou votam, que vem do verbo "botar"), fica associado a uma única instabilidade.
Portanto, o sonho de maior poder não é mais que um sonho de abrir mais as portas ao Caos, já que o controlo da ligação tanto pode pertencer a um cérebro são, como a um cérebro insano... ou, em certas circunstâncias, até a um simples rato. Há assim, nalguma mitologia, a ideia de que um simples artefacto poderia fazer essa ligação, como um botão de Poder.
Ora, por definição, ninguém controla completamente o Caos. A cada instabilidade que geramos associam-se as instabilidades já existentes, e os potenciais acidentes daí decorrentes.
Ora, ora, então porque não foi o Caos convidado para esta festa universal?
Se as instabilidades estão aí, são latentes, e podemos aproveitá-las, por que razão não se instalou o caos mais cedo... e esteve à espera que o libertassem, qual génio na garrafa?

Se excluirmos a vida na Terra, os fenómenos mais instáveis são os atmosféricos, mas dificilmente têm um ponto gerador automático. É um caos que resulta da combinação e actuação de múltiplas partículas... as partículas "votam", e não é nenhuma que tem o botão.
Ou seja, as borboletas podem voar à vontade, que não é o seu voo que gera uma cadeia de eventos atmosféricos. Como é óbvio, não têm uma máquina atmosférica à sua disposição... 

Assim, até à introdução de vida na Terra, os fenómenos que se presenciavam eram razoavelmente previsíveis, pelo menos não passariam de instabilidade pior que a atmosférica. Ou seja, há leis físicas previsíveis que regem os fenómenos visíveis, e a imprevisibilidade resulta mais de uma acumulação complexa dessa previsibilidade.

A presença de vida na Terra foi o primeiro pé que o Caos colocou neste universo.
Assim que a vida começou a proliferar, a paisagem terrestre deixou de ser tão previsível.
A vida é assim a primeira assinatura do Caos. 
Um organismo vivo, uma célula, começou a possuir uma complexidade crescente, até ao ponto em que não se encontra um conjunto de leis físicas simples capazes de prever o comportamento de um organismo vivo. 
Portanto, a principal característica de um organismo vivo é incorporar imprevisibilidade dentro de si. Mesmo assim há um conjunto de regras definidas numa simples codificação do DNA.
O DNA seria uma maneira da natureza escrever regras que definiam as características principais daqueles organismos. Porém, é claro que a réplica descontrolada desses organismos, levaria a um universo trivial, onde só se libertaria um aspecto do caos. As leis físicas deste universo, respeitantes à conservação de energia, implicavam um custo de espaço e tempo... algo a que normalmente se chama alimentação.
Sim, o nosso universo físico aceita um alojamento do caos, mas a renda tem que ser paga em energia. Se alguma coisa se quiser mexer, tem que sacar energia de algum lado. Isso força a que a manifestação caótica não seja qualquer, é orientada por uma ordem - a ordem de comer.

Ora, essa ordem de comer condicionou o caos que se instalava por via dos organismos. O DNA passou a servir como uma forma do Caos entrar e não ficar limitado a manifestações simples, pouco caóticas. Porquê? Porque o domínio de um organismo simples, como bactérias, não permitiria a entrada de toda a complexidade caótica... no máximo haveria um caos de bactérias.
Assim, o Caos ia assinando as mudanças nas cadeias de DNA, gerando organismos cada vez mais estranhos, dando um pequeno colorido de todo o Caos que ainda aguardava a entrada. A Terra servia de tabuleiro com regras, onde o jogo era jogado... e o único jogador era o Caos. Da mesma forma que o caos gerava novas formas de vida, sempre diferentes, também o caos se encarregava de as aniquilar... mas o jogo estava a ser ganho, pois a cada forma de vida mais complexa, mais se exibia a entrada de seres imprevisíveis. Essa imprevisibilidade era jogada no próprio confronto de uns seres contra os outros, o que permitia a entrada de factores cada vez mais complexos.

O novo ponto onde entra o Caos é assim com os animais, por via do cérebro. O DNA servia para uma competição alimentar, mas o novo passo é uma alimentação autofágica das manifestações caóticas. Os organismos vão competir pelo Caos com maior sucesso, não por pré-programação, mas com auxílio de um cérebro programável, seria por actuação directa, em "tempo real".

Mesmo assim, quase todas as regras saem do DNA. A atitude de um animal não é substancialmente muito diferente dos outros elementos da sua espécie. Não havendo herança para além da herança genética, o DNA continua a dominar os processos automáticos, intuitivos. O animal tem a possibilidade de introduzir novo caos, já que por via da sua experiência pessoal pode não tomar a mesma atitude que viu ser-lhe nefasta. Mas, por outro lado, isso é já uma educação do caos às regras da Terra.
Até ao advento humano, essa experiência pessoal não tinha história, seria no máximo uma educação unipessoal, e para os seguintes não tinha outra memória que não fosse a intuitiva herdada do DNA. Foi o papel familiar humano, que levou a uma educação com histórico não genético.

Assim, quando os humanos começam a comunicar e a deixar heranças no tempo, o DNA perde o seu carácter de único educador do organismo. Passa a haver outro código genético a funcionar - a linguagem. É através das palavras, das noções que lhes estão associadas, que se começa a escrever outra herança - a herança humana.

Ninguém parece considerar muito estranho que as palavras do DNA sejam CGTA, correspondentes às quatro bases de ácidos nucleicos. Pois bem, essas quatro palavras poderiam servir para descrever a ordem animal... mas eram insuficientes para a ordem que emergia de um Caos muito maior.
É da ordem desse Caos total que surgem então as palavras que estão para além da matéria... as palavras associadas a uma ordem muito superior, eterna (e não meramente acidental, que se dilui na transitoriedade material, energética). Essas noções abstractas nunca estiveram escritas no DNA, apenas se tornaram visíveis quando se evoluiu para cérebros que as pudessem ver... da mesma forma que a simples visão só foi possível quando se constituíram os primeiros olhos.

O que se vê então através dos cérebros humanos?
A abertura que o Caos conseguiu nas regras do universo terrestre. É claro que a imensidão de possibilidades caóticas só está limitada pelas regras físicas do nosso universo. De alguma forma são aceites, se forem "bem comportadas", como uma distribuição numa curva Gaussiana. O que vemos é a ordem que é possível extrair do caos para este universo.
À luta entre animais diferentes, protagonistas de diferentes manifestações de caos, sucedeu a luta entre o mesmo animal dominante, que em última análise leva do confronto com o seu semelhante ao confronto consigo mesmo. Assim, a evolução caótica leva ao confronto do Caos consigo mesmo... pelas simples manifestações imprevisíveis que sabe poder gerar no pensamento.

O pensamento próprio, quando aberto, passa assim a ser o último lugar de confronto. É desafiado pelas diferentes questões, pelos diversos medos, até que encontre consistência em si. Não englobará todo o caos, mas engloba uma ordem que permite compreender uma parte dele, a parte que tem conhecimento e que se manifesta em questões relevantes. O outro caos, imprevisível, aceita-o... com um riso, numa imprevisibilidade boa, ou com uma lágrima, enquanto imprevisibilidade má.
Afinal, a lágrima e o riso... duas características humanas que medem o grau de aceitação da imprevisibilidade ou da impotência perante a previsibilidade nas regras terrestres.
O nosso pai é o Caos e a nossa mãe a Terra (ou se quisermos, o universo físico).
A alma que alimenta o pensamento é paterna, e o corpo que o acolhe é materno.

A questão por resolver é saber se o Caos pode colocar questões que ainda consigam surpreender, algo que me parece difícil neste contexto terreno... mas sem dúvida que a ilimitação caótica procurará sempre alargar a sua presença, numa necessidade incessante de se reflectir num espelho terreno. Poderá fazê-lo no campo das ideias, onde não fica presa às condicionantes físicas... e a porta tem que ficar aberta por aí, para que não sinta necessidade de se manifestar por outra via.
E é no campo das ideias, fora da limitação terrena que se entra noutro universo onde o Caos pode imperar sem ordem... porque se todos somos filhos terrenos, nem todos percebemos que a sanidade mental não passa sem a lógica.

Porque quando colocamos o pé fora da Terra, arriscaríamos a ficar sem pé... e a única base que permite uma plataforma fixa de sustentação é o raciocínio lógico, sob pena de ficarmos perdidos no mar de nada. É o raciocínio lógico que nos orienta no universo acima do universo físico.
Porquê?
Porque não somos seres com múltiplas personalidades. Não há lugar a bivalências... não é possível ser e não ser ao mesmo tempo. Não é possível experimentar ser uma coisa e ser outra ao mesmo tempo. Não podemos ver vários futuros e escolher o melhor... está decidido qual é o nosso futuro, esse é o preço de acolhimento da "avó" lógica - conduzir-nos na verdade pelo único universo que não é um total caos.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Nebulosidades auditivas (15)


Behind the wheel - Depeche Mode

A tempo o tempo

Numa ilustração da Bíblia dos Jerónimos (Séc. XV) está uma imagem representando a criação divina:

N-PRINCI-PI-Oª-CREA
(Nota: a designação do número Pi só é adoptada no Séc.XVIII)

Não há que iludir coisas, com interpretações modernas.
A ideia vigente no final do Séc. XV, era a de vários céus esféricos que rodeavam a Terra. A rotação desses céus justificava o movimento das estrelas, para além da rotação terrestre.
Do ponto de vista puramente astronómico a ideia é ainda hoje correcta, diga-se o que se disser, o movimento é relativo, e os modelos heliocêntrico e geocêntrico são equivalentes para efeitos de observação.
Do ponto de vista de observação, aquilo que acreditamos serem outras galáxias são pequenas manchas nos telescópios... tudo o resto é crença alicerçada por algum nexo científico. Mesmo com telescópios convencionais, não foi ainda visto nenhum círculo de luz noutras estrelas, apenas o Sol tem disco solar visível. As estrelas são ainda pontos de emissão de luz.

Acima de todos os céus estelares, na figura acima, estaria o céu divino, onde encontramos a figura de Deus criador.

Criar
Primeiro, interessa perceber o que é criar.
A criação é uma transformação. Algo é alterado de um estado inicial para outro.
A responsabilidade dessa alteração ser imputada a um processo inteligente autónomo é que é outra coisa, porque essa própria vontade fica a carecer de justificação (que não se encontra em si mesma, a menos que seja inerente, natural e imutável).
Ou seja, onde está a vontade que provoca a vontade?
Nós não temos problema em não controlar a nossa vontade... ou, para quem se julgue com certezas de controlo - não controlou a vontade de controlar a vontade! Coisa diferente é atribuível a Deus, mas com o mesmo problema lógico inerente - o paradoxo do pensador. Ou seja, o processo de controlo ao prolongar-se indefinidamente identificar-se-ia com todo o universo, o que remete de novo à noção divina de Espinosa.

As transformações que levaram a este universo, podem ou não ter um observador.
No entanto, é claro que o observador não pode existir antes do observável, e portanto o observável antecede sempre o observador. No entanto, para efeitos do observador, nada existia antes de si. As remissões ao passado ocorrem sempre no presente.

Agir
Segundo, interessa perceber o que é uma acção.
Uma acção é uma ligação entre duas mudanças. 
Uma é chamada causa, outra é chamada efeito
A diferença é que a observação de uma antecede a observação da outra.
Se a cada vez que carregar num botão acender uma luz, associo os eventos.
Para nós isso implica um acto físico, mas podemos considerar que o acto físico é apenas um intermediário entre a decisão de carregar no botão e o acender da luz.
Portanto, ignorando processos intermédios, é o pensamento que age sobre o acender da luz.

De facto somos observadores de duas partes do universo:
- uma está em nós, e chamamos-lhe pensamento,
- outra é obtida por via dos sentidos, e chamamos-lhe realidade.
A ideia de que controlamos o pensamento, para além de uma mera observação, chama-se sanidade mental. Aceitamos os pensamentos que temos, não começamos a querer deixar de pensar no que estamos a pensar. Esses pensamentos encaixam no raciocínio por um nexo. A sanidade é um processo de encaixe da observação dos nossos pensamentos. Do outro lado está o que não encaixa, esse devemos entender como externo. A modelação científica é uma tentativa sucessiva de encaixe do exterior num nexo interior.

Observador e Observado
Ora, o que acontece se houver um desfasamento entre o observador e observado?
Ou seja, se o observado chegar primeiro ao pensamento do que aos sentidos?
Nesse caso, o que pensava reflectir-se-ia no que iria observar.
Esse simples desfasamento origina a ideia de que o pensamento cria o que via.

Portanto, como vemos, é perfeitamente possível existir um processo de associação, que pode responsabilizar o observador pelo que vê, podendo ser natural e alheio.
Mais que isso, trata-se de um processo de reflexão temporal.
Se aceitamos que o acto de observação é posterior ao observado, o que estamos aqui a falar é só do processo oposto - a observação antecede o observado, e é entendida como pensamento interno, antes de ser confirmado por outra via, digamos dos sentidos...

Neste caso estabelece-se uma harmonia completa, porque há uma reflexão perfeita entre sentidos e pensamento. O universo visto e o universo pensado coincidem como num espelho.

Tudo isso pode ocorrer até que a complexidade deixa de ser trivial.
Se os processos mentais forem em número finito, começa a deixar de haver um ajustamento se as observações tiverem potência infinita. Como a parte inteligível do observador é apenas uma parte do universo, distinta do observado, há sempre uma falha entre todas as observações possíveis e as realizadas. Porquê? Porque, em última análise, falham as observações das observações.
Ou seja, se até um determinado ponto a ordem encontrada num pensamento pode ser suficiente para a complexidade observada, quando o observador se vê a si próprio, isso deixa de ser possível.
Deixamos de estar num mundo de ordem previsível, porque a opção de pensamento é uma opção caótica, algo arbitrária, que entendemos como livre, mas que é apenas uma maneira de dizer que estamos no universo que é nosso, e que é nosso porque queremos, porque decidimos, mas também sem querermos, já que a escolha é inata e indissociável do próprio pensamento.

Anima
Assim, os humanos, que aparentemente resultam de um processo de programação bem definido no DNA, ao definirem pensamento autónomo a essa programação, passaram a ser imprevisíveis. As suas acções passaram a ter também origem num caos, algo diabólico, se entendermos que o resultado aleatório tanto pode dar para o bom quanto para o mau.
Para um observador externo, uma criação com vontade própria não é controlável. Enquanto observador externo de várias possibilidades poderá ter uma visão antecipada das ocorrências e tentar influenciar o melhor desfecho, de acordo com o seu conhecimento. O seu conhecimento pode até ser total do mundo formado, mas não do mundo que se irá formar... porque eternidades há muitas, mas a sua complexidade aumenta com a complexificação universal. Ou seja, o que parecia antes um beco, passa a ter fissuras que abrem passagem. Depois, é claro, o último observador não tem maneira de saber que é o último... se é que isso interessa para alguma coisa!

É entendível que uma tentativa de programação, de condicionamento das acções humanas, tendo em vista uma determinada ordem pudesse levar a um estado de equilíbrio controlado entre o pretendido e o tido. Porém, isso significa uma lobotomia do desejo, ou seja da necessidade de infinito, de uma transcendência para além da programação de uma paz animal. Apesar de em latim "alma" ser "anima", não é algo condicionável a simples desejos animais. O paraíso de um símio não é um paraíso humano.

Convém perceber a dualidade mais uma vez.
Numa fase inicial, a observáveis finitos, as partes, as relações seriam igualmente finitas.
As partes, as relações, são sempre em número superior ao observável. Ou seja, se os pensamentos se condicionam por uma realidade, a sua potencialidade para outras realidades é maior. Aumentando a complexidade da realidade observável, as suas relações também se poderiam complexificar indefinidamente... até ao ponto em que começam a ficar redundantes. Aí surgem as noções abstractas, que já estão para além dos observáveis ocasionais. A associação de pensamento a um corpo físico é uma constatação circunstancial.
Não havendo uma circunscrição a corpo físico, podemos ter entidades pensantes sem essa associação, que vivem num campo tão etéreo quanto as entidades abstractas que concebemos.
Porém, essas entidades teriam o pensamento condicionado aos observáveis. 
Quanto maior fossem as possibilidades de raciocínio nos observáveis, maior seria a capacidade de raciocínio potencial fora deles. Até que ponto? Até ao ponto de esgotamento das noções por redundância. Ou seja, até ao ponto em que o observado equivaleria em complexidade ao observador, num determinado universo. Um universo condicionado pela lógica, que seria autossuficiente e completo em consistência.

Uma coisa é ter conhecimento pela observação, outra coisa é ter conhecimento pela dedução.
O conhecimento pela observação é semelhante a ter um programa de xadrez que nos dá a melhor jogada, simulando todas as que consegue. O conhecimento pela dedução não é saber construir o programa, é saber a razão pela qual uma jogada pode ser melhor que a outra, sem essa antevisão de possibilidades. A razão é um nexo baseado nos nexos do conhecimento anterior e não numa antevisão gratuita do futuro. Essa visão gratuita do futuro não está efectivamente disponível. Do futuro invariante apenas podemos saber as noções invariantes, comuns a todas as linguagens... tudo o resto tem que ser deduzido a partir daí. A consistência de um universo incompleto só poderia ser feita assim, caso contrário entraríamos numa repetição trivial.
... e tudo isto já tinha sido dito por outras palavras 



(Texto escrito a 3 de Junho de 2014)

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Ondas Hertzianas

Há pouco tempo, num programa sobre a 2ª Guerra, um veterano explicava a necessidade de dar a um infiltrado um cristal para construir um rádio de galena, e que tal aparelho não necessitava de energia.
A questão de não necessitar de energia fez-me rever o conceito do rádio de galena, até porque com um amigo, na infância, experimentámos fazer um telefone com pilhas, e fomos surpreendidos por constatar que funcionava melhor sem elas! Só alguns anos depois percebemos porquê, mas não percebemos porque razão só era conhecido o modelo com pilhas...

rádio de galena é um receptor muito simples, que funciona sem pilhas, porque praticamente usa só fio de cobre e um cristal de galena, cujo esquema se apresenta:
 
O mais simples esquema de um rádio de galena (frequência única):
usa apenas fio de cobre (antena), um cristal de galena (D1) e qualquer receptor (E1).

A alimentação do circuito é feita pela própria onda hertziana. Quando se usam pilhas ou electricidade é apenas para aumentar o sinal. Tal como não são precisas pilhas para ouvirmos as ondas sonoras, mas passam a ser precisas se quisermos aumentar o som, por exemplo, com um altifalante.
O cristal é apenas preciso para estabelecer a direcção do circuito, funcionando como díodo (a electricidade passa num sentido e não no outro).

O nome Ondas Hertzianas vem do mesmo Hertz que é usado para a unidade de frequência de que já falámos. A ideia de que as ondas Hertzianas eram semelhantes à luz tinha sido colocada por Maxwell uns anos antes... a diferença era na frequência, ou comprimento de onda. Enquanto as ondas de rádio estão na escala dos metros ou quilómetros, as ondas de luz estão numa escala inferior a 1 milésimo de milímetro. No final do Séc. XIX isto não era conhecido, e Hertz tenta provar a transmissão invisível das ondas eléctricas, de menor frequência, previstas por Maxwell, com um aparelho simples:

Se em 1889 Hertz considerou que a sua experiência era apenas académica e não teria grande utilidade, nos anos seguintes e até 1900 houve vários projectos de muitos inventores para desenvolver o primeiro telégrafo sem fios, sendo Marconi o mais conhecido e bem sucedido.
Na realidade tudo se passava em termos de patentes, que começavam a ter grande importância económica na transição do Séc. XIX para o XX, o que permitia a muitos inventores solitários passar a proprietários de grandes companhias. Tal coisa não voltou a acontecer pois as grandes empresas começaram a adiantar-se, quer por compra, quer por litígio em tribunal, ou outros processos... e só voltou a ter expressão no software com a explosão computacional do final do Séc. XX.

Um desses muitos inventores foi Tesla, a quem tem sido atribuído um certo misticismo. Creio que Tesla terá sido o primeiro a perceber que a recepção de ondas hertzianas podia ir além da transmissão de sinal, poderia servir para transmitir energia sem fios.
Afinal, se as ondas produziam um sinal eléctrico, esse sinal eléctrico continha energia. A energia ia do transmissor para o receptor, e assim bastaria uma antena potente para transmitir energia, e não apenas sob a forma de sinal.
Mais, o nosso Sol não emite apenas ondas na zona do visível, como é óbvio... emite outras ondas eléctricas, que passam pelas nuvens ou paredes, e poderiam servir painéis "solares". Estes painéis "solares" não seriam para a luz visível, mas sim para a luz invisível - para as ondas de rádio, energia gratuita emitida pelo Sol.

Energia gratuita fornecida pelo Sol a alimentar aparelhos eléctricos seria um pesadelo para uma nova forma de negócio - a energia eléctrica através de fios. Assim, as ideias de Tesla, que surgem tão simples quanto o rádio de galena, eram um problema comercial. 
Energia gratuita no mundo inteiro tornava os cidadãos independentes das companhias eléctricas... e como se sabe, a dependência energética é uma forma pacífica de controlo dos povos.
Bom, mas não há aqui apenas "teoria da conspiração", porque a quantidade de energia aproveitável num painel solar para a luz visível é maior do que seria para a "luz" invisível, e os primeiros aparelhos eléctricos requeriam grande potência. Era pois mais natural escolher o caminho da potência eléctrica com fios, do que a fraca potência emitida pelo Sol, que inicialmente não seria aproveitada com eficácia.
Porém, os progressos feitos posteriormente, permitiriam ter hoje aparelhos eléctricos, pelo menos os mais simples, a funcionar com essa energia gratuita, vinda do Sol.

Uma maneira fácil de compreender como as ondas de rádio transportam energia é um microondas.
Como a frequência é mais baixa do que o visível (a luz), as ondas não aquecem apenas o alimento por fora, entram dentro da sua estrutura, e a vibração que transportam aquece os alimentos também por dentro. Portanto, como é óbvio, a energia das microondas emitida pelo Sol, é muito mais pequena do que a produzida no forno de microondas.
No entanto, não deve ser desprezada essa energia, e ainda que isso não seja reconhecido assim, creio que o melhor exemplo de aquecimento por ondas solares não visíveis será o caso do igloo. Não será apenas o calor humano que permite passar de -50ºC exteriores para temperaturas positivas até 16ºC. Até porque ninguém entra nú no igloo, e a temperatura corporal de 36ºC é retida pelas vestes. Também não foi considerado mais eficaz pelos Inuit escavarem caves no gelo ou na neve. Ora, o que se passa, na minha opinião (não consegui encontrar dados para o efeito), é que a estrutura do igloo permite exposição às ondas solares na frequência rádio, e são essas ondas que aquecem parcialmente o ar interior, esse aquecimento é contínuo, porque não é perdido pelo isolamento térmico da bolsa de ar do igloo. Uma cave serviria o mesmo efeito isolador, mas reteria mais o ar frio (que desce), e a maior quantidade de gelo não permitiria uma passagem tão facilitada das ondas rádio. 
Aliás, outra evidência é que numa gruta ou caverna pode haver uma transição para um clima mais frio, mas esse frio a partir de certa altura não aumenta com o afastamento da entrada. Acresce que se fosse o calor solar a aquecer o solo, dada a resistência térmica, pouco iria além de uns centímetros, começando a arrefecer drasticamente. 
No entanto, mesmo num inverno gelado o solo consegue manter uma temperatura superior, que não congela a terra abaixo, e isso pode ser explicado pela retenção da energia das ondas de rádio solares, num efeito tipo microondas. Claramente que a temperatura do interior da Terra só conta para grandes profundidades, quando a zona da crosta é muito afectada pela proximidade do manto.

Bom, isto para concluir que há uma energia considerável nas ondas de rádio vindas do Sol, e que pode haver painéis solares dentro de casa, destinados a captar a energia dessas ondas, e não apenas painéis solares exteriores para as ondas de luz visível. Se um simples fio de cobre permite captar energia para ouvir música num auricular, uma parede deles permitiria energia gratuita para muito mais...

Há outras considerações sobre invenções de Tesla que me parecem resultar de más interpretações destas ideias, que por si já são suficientemente interessantes.

Outra questão completamente diferente será a de saber se tais aparelhos eléctricos poderiam ser já conhecidos na Antiguidade e, tal como tantos outros, ter sido mantido como segredo durante séculos ou milénios. Aqui é mais difícil ajuizar... mas há a evidência da Bateria de Bagdade, no que diz respeito à energia eléctrica, e as lâmpadas egípcias também podem ter existido.
No que diz respeito às ondas rádio, a galena era uma substância de onde se extraía o chumbo, e como o chumbo fez parte de toda a mitologia alquimista, na sua transmutação para ouro, não seria um elemento estranho, tal como não seria o cobre. O circuito é razoavelmente simples para se poder encontrá-lo acidentalmente, ao manusear cobre e galeno com uma pilha de Bagdade. Portanto, ainda que não seja nada inverosímil, também não há outros sinais que apontem nesse sentido. Fica assim a dúvida sobre a antiguidade dos rádios de galena.

Thomas Dolby - Airwaves