Há uns meses atrás abordei aqui, nas caixas de comentários, a questão da impossibilidade da morte, para além do aspecto filosófico.
O argumento científico é simples, e pode ligar-se a conceitos tornados comuns na mecânica quântica, embora seja distinto, e mais simples.
Um caso conhecido na mecânica quântica é a chamada situação morto-vivo do "
Gato de Schrodinger", que é praticamente um problema da teoria probabilistica que admite ambos os estados como possíveis, até que haja uma observação.
O gato de Schrodinger tem a sua vida dependente de uma probabilidade quântica que liberta veneno.
Só a observação determina a sua vida ou morte...
A questão do gato surge apenas como desculpa, para não parecer demasiado estranho o que irei afirmar de seguida. Ou seja, há pessoal a discutir coisas maiores bizarrias…
A impossibilidade da morte do próprio é diferente da observação da morte dos outros.
Porquê?
Porque também é diferente a questão de observar os outros ou observarmo-nos a nós.
- Podemos deixar de observar os outros, mas é impossível deixar de nos observarmos.
- Podemos vermo-nos livres dos outros, mas é impossível livrarmo-nos de nós próprios.
Há quem julgue que a morte do próprio pode resolver esse problema… escapar de si mesmo, mas tal coisa não ocorre. Porquê?
Já abordei o assunto filosoficamente, de várias formas, mas do ponto de vista científico é igualmente possível chegar à mesma conclusão, da impossibilidade da morte do próprio.
Cientificamente assume-se que somos formados por um arranjo de partículas, em particular o cérebro nada mais seria que uma evolução na combinação dessas partículas.
Cientificamente considera-se que a morte ocorre quando é inviável a continuação desse arranjo que permite a vida cerebral. Há uma descontinuidade, entre o momento em que a vida era viável, e o instante seguinte, onde deixou de ser viável. As razões da morte podem ser múltiplas, e não interessam no detalhe.
Agora a questão que se coloca é a seguinte:
- É impossível que, num tempo futuro, os mesmos átomos do cérebro, do corpo, se juntem exactamente da mesma forma, na forma anterior ao instante que determinou a morte?
- Não é. Nenhum físico quântico pode afirmar isso. Pode dizer que a probabilidade é próxima de zero, mas não pode dizer que é zero. Para além disso, o número de átomos é finito, e assim os arranjos da matéria são em número finito.
- Ora, se a probabilidade não é nula, o que garante que não pode voltar a ocorrer o mesmo arranjo?
- Nada. Além disso, como o tempo é interminável, por mais pequena que seja a probabilidade, ao fim de um tempo suficientemente grande, essa probabilidade quase nula passará a certeza. Aceitar que não ocorre seria apenas admitir que os dados universais estavam viciados contra nós… e isso seria um pensamento viciado.
Até aqui foi mais ou menos o que expus nas
caixas de comentários, em resposta a Amélia Saavedra, a propósito de uma discussão com o José Manuel. Conforme resumi na altura:
Admitir a morte seria declarar uma impossibilidade de vida futura.
Com que base é declarada essa impossibilidade?
Com nenhuma.
Ora se não há impossibilidade comprovada, existe uma possibilidade, por mais infinitamente pequena que seja.
Só que, como referi, isto seria apenas uma parte da resposta… que vou agora completar.
Há vários embrulhos nesta questão, uns mais fáceis de ver que outros.
Primeiro, admitindo que se voltariam a dar essas condições de vida, o que impediria que se repetisse o mesmo cenário de morte, de inviabilidade? Nada. Mas, não são os cenários de morte que interessam, interessa saber se não pode haver um de vida. Ora, se tudo sempre se repetisse, isso significaria um ciclo universal, o que corresponderia a um fim do universo… e ao experimentar uns arranjos e não outros, seria mais uma vez um universo viciado, em pensamento viciado.
Segundo, interessa perceber o que é o "
instante seguinte".
A noção de tempo que temos é pessoal, e o nosso instante seguinte nada tem que estar relacionado com o instante seguinte alheio. De acordo com as mesmas probabilidades quânticas, nada impediria que um tigre se materializasse à nossa frente… é apenas considerado como uma probabilidade infimamente pequena. Porém, nada é dito porque razão essa probabilidade é pequena.
Ora, essa probabilidade é pequena porque o convite ao caos foi feito com conta, peso e medida.
O nosso instante seguinte é sempre aquele em que há viabilidade de estarmos.
O instante seguinte para uma pessoa que sofre um coma de vários anos, é muito diferente do instante seguinte para os outros. O instante seguinte para quem esteve em coma só se pôde efectivar passados esses anos, e foi diferente do instante seguinte para todos os outros.
Há muito tempo que entendi que o nosso instante seguinte é uma mera questão de viabilidade, tal como quando sonhamos, o nosso instante seguinte ocorre com uma grande descontinuidade de eventos externos.
Dessa mesma forma podemos entender que todos os nossos instantes seguintes são determinados pela viabilidade do conjunto. Estamos todos sobre a mesma realidade enquanto houver viabilidade para esse conjunto. Ou seja, de um instante para o outro, podemos pensar que se esgotam todos os universos não viáveis, e ficamos apenas no único que é viável para nós. A viabilidade desde conjunto é apenas o garantir de que não termina, evitando entrar em ciclo repetitivo ou em estagnação.
Portanto, tal como para quem acorda de um coma de vários anos, a certeza de que seremos de novo viáveis num futuro, torna indiferente se se passam milhares ou milhões de anos… para o próprio será sempre o instante seguinte. Essa certeza de viabilidade futura resulta apenas da certeza que não há inviabilidade demonstrada, pelo contrário. Portanto, se um corpo pode ser inviável num contexto material, e aí perecer, a mudança desse contexto material poderá fazer aparecer o mesmo espírito, não necessariamente no mesmo corpo, porque o que interessa é a viabilidade do espírito. Uma viabilidade que não se justifica pelo indivíduo, mas sim pela própria viabilidade universal.
Poderá haver quem tente desviar as evidências, e pretender que há aqui uma tentativa religiosa de pretender dar significado à vida para além da morte. Porém, só quem não pensou no assunto é que pode considerar que uma eternidade é melhor do que uma morte… perante certas perspectivas de vida, a morte é um mal menor. Fiar-se na morte alheia para concluir a sua é apenas uma conclusão deficiente. Deficiente porque não declara a morte do corpo alheio, que está presente, declara apenas o fim da associação entre o corpo e o espírito, porque o espírito alheio deixou de se manifestar ali, através daquele corpo. E o espírito que nada pesa, seria afinal o garante da vida do corpo.
Ou seja, convém notar algo que é negligenciado - se não vemos espíritos sem corpo - fantasmas, também não temos como vivos corpos sem espírito - zombies…
Para terminar, um bocadinho de pseudo-etimologia… no "instante" podemos ver uma forma de "instar" com o sentido de "em estar". Mas interessa mais a forma "seguinte" de "seguir", que tem a interessante irregularidade na primeira pessoa - dizemos "eu sigo" e não "eu sego". É interessante porque "cego" adapta-se bem a quem segue quem vê… e em estarmos cegos para o seguinte.
Nota (9.9.2014):
Interessante, a informação do José Manuel, sobre a experiência de Gabriela Barreto Lemos e outros investigadores quânticos em Viena, que separaram um raio verde, de fotões previamente entrelaçados, em dois raios de luz - um vermelho e outro amarelo. Este entrelaçamento (entanglement) quântico faz com que uns partilhem a vida dos outros. No caso, os raios amarelos iriam colidir e reflectir-se numa imagem de um gato (aludindo ao Gato de Schrodinger), enquanto os vermelhos iriam directamente para a câmara de fotografia.
Resultado - os raios vermelhos sem nunca terem visto o gato, apresentaram a imagem que os amarelos transportariam. Mais, os vermelhos ao serem capturados pela câmara desapareceram, e assim os amarelos antes de atingir a câmara também desapareceram.
Isto é o mais próximo que estamos de Vodu… entrelaçados os amarelos que vão para o boneco, com os vermelhos que vão para a câmara, o que acontece a uns, acontece aos outros.
A luz vermelha que nunca atingiu a imagem do gato,
recebeu informação instantânea para produzir a imagem vista pela luz amarela.
Claro que esta informação instantânea que passou dos fotões amarelos para os vermelhos, implicaria o fim do pretensiosimo einsteiniano de "limite de velocidade". Porém, os polícias instruídos nas multas pelo limite de velocidade podem argumentar que ainda é a mesma partícula, em sítios diferentes. É mais ou menos o mesmo do que dizer que um Fórmula 1 nunca sai da partida, porque deixou um rasto de pneus no arranque. Enfim, uma mudança é sempre difícil de engrenar...
Os autores argumentam sobre as aplicações médicas - porque uma luz amarela pode viajar pelo interior do corpo humano, sem regressar - a informação é fotografada na informação transmitida à mana, a luz vermelha, que vai direitinho para a fotografia.
Mas pode-se ainda pensar numa aplicação astronómica, a luz amarela segue o caminho de um planeta e a vermelha fica na Terra, até aparecer na fotografia o que a mana viu.
Este
entrelaçamento quântico ocorre em "partículas gémeas", mas poderá dar base para especular que este entrelaçamento de pares pode ocorrer noutro tipo de gémeos.
http://www.nature.com/news/entangled-photons-make-a-picture-from-a-paradox-1.15781
http://www.nature.com/nature/journal/v512/n7515/full/nature13586.html