Projecção é uma palavra com um significado alargado.
Começamos com a geometria projectiva, e o problema da ilusão óptica.
Um exemplo conhecido foi criado por Escher, onde cada parte da imagem parece fazer sentido, mas a sua composição é completamente absurda.
Relatividade de M.C. Escher (1953)
A figura seguinte é outro exemplo conhecido, em que se cria a ilusão de uma representação 3D que parece bem desenhada localmente na imagem 2D, mas que não faz sentido globalmente.
Triângulo impossível (Reutersvard, 1934)
Curiosamente, foi criada em Perth (Austrália), um monumento 3D que permite ver esta ilusão:
Triângulo impossível (em Perth, Austrália)
Para além da curiosidade ligada à ilusão óptica, há algo mais geral que deve ser entendido daqui.
- uma soma de projecções locais correctas, não significa que depois faça sentido global.
Passamos ao outro sentido da palavra projecção, no sentido de previsão.
O problema é o mesmo... o facto de conseguirmos prever o funcionamento de cada parte não significa que consigamos prever o funcionamento do conjunto. No texto anterior (duplo corte) foi dado um exemplo - se era possível prever o comportamento dos electrões que passavam por um corte, já não era possível prever o que faziam em dois... porque dependia - se era visto ou não.
De que forma estes conceitos de projecção se ligam?
- No sentido geométrico há claramente um problema de dimensão - as representações em 2D, as imagens numa superfície, estão longe de reflectir a forma real em 3D, no seu volume.
A projecção perde uma dimensão e é ambígua - só vemos uma parte, e essa parte pode corresponder a vários objectos... porque desconhecemos o que se esconde por trás.
- No sentido temporal, o problema é idêntico.
Como?
A projecção que fazemos para o futuro é baseada no passado, e o passado que já aconteceu é apenas uma projecção (dita real) do que poderia ter acontecido... as restantes possibilidades são imaginárias.
No entanto, ao querermos passar para o futuro faltaria esse aspecto de dimensão extra, que encerra todas as possibilidades do que pode acontecer, e não o determinismo do que vai acontecer.
O futuro é o lado escondido do objecto, o lado que não poderemos detectar, por muito boa que seja a fotografia que tirarmos do passado. O objecto está lá "imóvel", mas a única coisa que podemos dizer é que pelo aspecto da fotografia do passado, deverá ser isto e não aquilo, mas sem mais certezas.
Foi este o aspecto inovador que a mecânica quântica trouxe à nossa percepção, mas que seria possível de entender, mesmo sem as experiências atómicas. A minha única objecção à interpretação corrente da mecânica quântica é a de que esse futuro não é incerto, é o único certo. A ideia de livre arbítrio é real pela imprevisibilidade na projecção do filme, mas isso não significa que o filme não esteja já feito. Tem que estar feito, porque fora do filme universal, não há nada, é o vazio... e por isso a criação é inerente.
"Projecção" tem ainda outros sentidos. Um deles é a "projecção no outro", ou seja, colocarmo-nos no seu lugar. Mais uma vez isto é uma visão parcial, porque pelo nosso conhecimento próprio não podemos antever as múltiplas possibilidades de raciocínio alheio. A fotografia que podemos tirar dos outros resulta muito das fotografias que conseguimos tirar de nós próprios imaginando outros cenários.
Depois há ainda as projecções mais livres, em que certos "vega" pretendem uma projecção humana nos animais, entendendo-os de forma similar. Esse entendimento anula o conceito de animal, praticamente reduzindo todas as formas de vida a formas de vida humanas, encarnadas em diferentes formas.
Nem se trata de dizer que pode ou não ser, o que é certo é que reduz todos os conceitos a um único... e de igual forma até as formas sem vida, poderiam ser projectadas como humanas - algo que fez parte da mitologia mais antiga, aplicada a fenómenos naturais.
Assim, essas tendências, que procuram ser menos antropocêntricas, acabam por sê-lo mais do que as outras, já que apenas usam a manifestação humana para tudo. O facto de ser o seu entendimento subjectivo que conta, e não a interpretação objectiva dos outros, ainda os torna egocêntricos.
Projectar resulta da composição do prefixo "pro" com "jactar" de onde vem "jacto".
Ora, jactar é lançar (como em "alea jacta est", os dados estão lançados).
Projectar é assim lançar para a frente, ou para o futuro.
Rejeitar, que é desvio português de rejectar (inglês: reject), será lançar para trás.
Outras variantes são "dejectar" ou "enjeitar" ambas ligadas a lançar para fora.
Outra ainda está no "sujeitar" (inglês: subject) ficar abaixo do lançado, ou em "injectar" como inserir no jacto.
O jeito português misturou essas raízes... o jeito de lançar substituiu o jacto.
Mas esse jeito de lançamento, provavelmente do dardo, ficou no gesto ou na gesta, e nalgumas povoações ainda se ouve o "ter jêto" em vez do "ter jeito".
Há assim o "projecto" que é pensado antes de enviar o "projéctil".
Esta ligação dos conceitos espaciais e temporais, fica num misto de coincidência e propósito.
Não posso dizer que seja propositada, porque nunca vi nenhum entendimento de que o passado é uma projecção do futuro... as coisas são vistas ao contrário - é do passado que se projecta o futuro.
No entanto, tanto podemos ver uma sombra como uma projecção do objecto, como a partir dessa sombra projectar o que será o objecto.
Como em múltiplas outras coisas, com que me venho deparando, é difícil distinguir se há um racional humano, ou se o racional está já num nível superior de ligação.