Há um fenómeno muito interessante na redescoberta.
As descobertas não se dão em simultâneo, porque as pessoas são diferentes, e aquilo que apreendem de uma informação não é o mesmo, e é até diferente em tempos diferentes, porque o próprio já é diferente.
Internet
O aparecimento da internet foi sintomático para vermos o efeito das redescobertas.
O meio científico foi o primeiro a desenvolver a internet, mas esta teria interesse limitado se tivesse ficado por ali, ou pelas empresas de tecnologia. Foi a expansão a outros quadrantes da sociedade que lhe deu maior ânimo.
Uns sectores mantiveram-se mais afastados do que outros. Sempre houve quem considerasse ser coisas doutros, que não era para si, que poderia obter o mesmo doutra forma, etc...
No entanto, a cada vez que um novo sector redescobria a internet, novas coisas eram acrescentadas.
Para quem já conhecia o assunto, era quase uma tortura apanhar com essas redescobertas, até porque muitas vezes eram apresentadas de forma diferente.
Cada um julgava que tinha descoberto a roda, e até os sectores do Estado iam experimentando as novidades, julgando que tinham descoberto a panaceia... torturando os pacientes com burocracias.
No entanto, no meio do processo, acabaram mesmo por surgir novidades, por fenómeno social.
Assim, quem tinha visto a internet no início, e se colocasse nesse âmbito, passava ao lado do crescente fenómeno popular das redes sociais. Simplesmente não lhes dava importância.
Quem julga que já sabe, pura e simplesmente ignora o resto.
Lembro perfeitamente um amigo achar que a mulher era "maluca" porque lhe disse para procurar uma coisa na internet sem lhe dar o endereço exacto.
Ora, antes do Altavista, Google, etc... não havia motores de procura.
Nessa altura só se seguia a informação por cliques... ou sabendo o endereço exacto.
Sim, foi há muito tempo, na pré-história, isto é, há quase vinte anos!
Quando lhe disse que ela tinha razão, ele ficou muito atrapalhado, porque usava a internet habitualmente... mas seguia a velha receita, que funcionava, mas era limitada.
Por outro lado, quem se habituou ao Google, poderia questionar para que servia o endereço em cima, e já raramente sabe o que é um URL e que esse URL era associado a uma sequência de números, o IP.
Por exemplo,
www.google.com ou
173.194.34.5 leva à página principal da Google (
ver outros).
História de nomes perdidos
Quando se redescobrem coisas, é habitual cada comunidade colocar o seu nome, ignorando outros já existentes. Assim, apareceram expressões que
caíram em desuso, mas tiveram o seu tempo... uma delas o "portal", outra "autoestrada da informação", etc.
Este tipo de informação - nomes alternativos - tende a perder-se com o tempo, e a prestar-se à confusão. A certa altura não se sabe se é referida a mesma coisa ou não.
Isso foi particularmente notório na época dos descobrimentos.
Como já percebemos, houve múltiplos redescobrimentos, porque as coisas eram ocultadas. Ficava um nome de uma ilha, que depois já não se sabia a que ilha correspondia. Podem ter havido dezenas de nomes diferentes para a Austrália... tantas vezes foi redescoberta entre os Séc. XVI e XVIII. Nova Holanda, Nuca Antara, Austrália do Espírito Santo, Java Maior, Terra Magalhanica, Taprobana, Nova Guiné... são alguns exemplos conhecidos e outros candidatos que junto.
Da mesma forma, a América foi entendida como sendo a Atlântida no Séc. XV, e isso ainda se manteve presente nos séculos seguintes, até se propagandear de novo que seria ilha diferente.
Outros nomes que me parece terem sido usados para América foram Etiópia e Guiné.
Etiópia quando se pretendeu, como Colombo, ignorar a América... assim o Brasil apareceria em latitudes etíopes.
Guiné quando se percebeu que isso não era assim... depois, por via do Tratado de Tordesilhas, os domínios americanos correspondentes a essa Guiné oculta reclamada por D. João II, saíram da parte portuguesa, e a Guiné portuguesa ficou apenas em África. Quando se volta a usar o termo Nova Guiné, é para a outra grande extensão que ficaria oculta e que deverá ter incluído a parte australiana.
Claro, perante o significado directo actual de uma paragem ao seu nome, parece algo ridículo pensar que o Golfo da Guiné pudesse ser o Golfo do México... Por isso, quando se lêem textos antigos é melhor não fazer a associação ao que ficou depois. É preciso questionar por que razão a viagem de Colombo à América colocava em causa os "domínios da Guiné" de D. João II... se essa Guiné estivesse em África.
Por isso as palavras, apesar de iguais, nem sempre eram referidas com o sentido que lhes damos hoje, e se isso já é complicado dentro da mesma língua, mais complicado é nas traduções de línguas perdidas.
Há uma grande quantidade de ilhas referidas nos documentos dos Séc. XVI e seguintes, de que se perdeu a correspondência, e pensar que o nome igual é suficiente é hipótese ligeira. Houve muitos nomes iguais em paragens distintas. Houve várias ilhas de Santiago, de São Vicente, do Maio, etc...
No meio deste processo, há quem remeta estas considerações para teorias "malucas", e outros que sabendo mais, ficam apenas a pensar - olha mais um que julga que descobriu a roda! O problema é que seguindo por caminhos diferentes, o resultado pode ser parecido, mas nem sempre é o mesmo.
Quem descobre tende a dar pouco valor de novidade à redescoberta, prefere ficar preso ao que sabe, e vai tentando desvalorizar o que não sabia.
Filosofia
Filosofia é aquela disciplina que aparece no ensino secundário e para a maior parte das pessoas serviu para saber que Platão e Sócrates foram gregos importantes.
As coisas são como são, e quando as repostas são dadas antes das perguntas, a sensibilidade é outra.
A filosofia só faz sentido depois de surgirem naturalmente as perguntas.
Podemos ensinar uma criança a decorar o nome de milhares de símbolos chineses, mas apesar de estar familiarizada com esses símbolos, isso não significa que entenda sequer uma palavra de chinês.
Nos dias que correm, por via da tecnologia, do cinema, da realidade virtual, etc. é mais natural que as antigas perguntas surjam como coisas novas, a quem nunca as percebeu antes.
Vamos entrar num processo de redescoberta da roda... mas devemos ter em atenção se são apenas redescobertas, ou se pode surgir algo novo entretanto, por razão do caminho ter sido diferente.
Um filme muito interessante que apareceu em 2009 é
Surrogates
How do you save humanity, when the only thing that's real is you?
Por acaso também vi publicidade a um livro que se vende:
... e antes de pensar que é mais uma treta de auto-ajuda, fui lá ver o âmbito do bicharoco.
Ora, o que se passa é que numa sociedade educada cientifica e tecnologicamente, os cientistas começam tarde a perceber os problemas que a filosofia abordava há milhares de anos.
Porém, vêm como uma visão diferente, não chegam à filosofia pela leitura dos filósofos... chegam à filosofia pelos paradigmas científicos. A alegoria da caverna de Plarão só é entendida quando pode ser simulada num laboratório qualquer... enfim!
Quem escreveu o livro não viu o filme, ou não percebeu uma grande parte dos filmes de ficção científica, não interessa.
O que interessa é que a realidade virtual que para um filósofo antigo poderia ser observada num simples sonho ou alienação, para a maioria das pessoas educadas cientificamente só aparece mesmo quando há máquinas capazes de fazer o quê? - De simular sonhos ou alienações...
Mas o contexto é diferente... é diferente, porque o sonho é suposto não ter ligação com a realidade, enquanto que os desenvolvimentos científicos vão permitir ligar as simulações à realidade.
Esse é o contexto do filme Surrogates.
As pessoas deixam de interagir na realidade.
Passam a controlar robots, androides, e é através desses androides que vivem a nova realidade.
Muito semelhante ao que se pode passar na internet, onde podemos não saber com quem falamos, onde muitos serem apenas um, ou vice-versa, mas passando de um mundo virtual ao real.
Desejo... esse desconhecido
A interacção com as novas tecnologias parece permitir grandes novidades, mas a maioria dessas novidades são uma questão de simples relação entre fé e desejo.
O que vemos nesses desenvolvimentos científicos é a vontade se ser mais do que se é, como se o segredo de maior felicidade fosse um ajustar da realidade aos nossos desejos.
Os nossos desejos foram evoluindo por uma multiplicidade de factores, e há alguns que fazem sentido, e outros que não fazem sentido nenhum.
Entre os desejos que fazem sentido é uma vontade de melhorar a saúde, o conforto, ou contactar com entes queridos que desapareceram.
Entre os desejos que não fazem sentido é a vontade de ganhar protagonismo face aos restantes, de obter imediatamente o que se quer, etc... São desejos infantis, próprios de uma herança animal.
São desejos possíveis, mas as pessoas não vêm até onde eles podem ir.
O desejo de protagonismo face aos outros implica uma menorização dos outros, e isso leva a uma contradição. Primeiro porque se todos têm o mesmo desejo, ele não pode ser concretizado na mesma realidade. Segundo, porque isso criaria realidades diferentes, onde cada um estaria afinal isolado. Terceiro, porque nessa realidade isolada onde era o "maior do bairro", era apenas um deus dos bichos - os outros não podiam ser iguais a si, porque ele tinha que ser superior.
Obter imediatamente, ou a muito curto prazo, o que se quer, leva também a uma previsibilidade.
A pessoa passaria a saber que os seus desejos seriam atendidos.
Se evitar o que se não quer, ou tolera, me parece algo desejável, no acordo com os outros, já ser realizado o que se quer implicaria uma previsibilidade. Alguma previsibilidade é necessária, mas um excesso de previsibilidade mataria-nos o interesse por novas coisas.
Implantes robotizados e outras tretas
Assim, a ciência caminha para a descoberta árdua da filosofia.
Haverá uns tantos idiotas que vão arranjar cobaias para acrescentos cerebrais, desde chips para aumento de memória, com interacção com máquinas, etc...
Podemos ter um indivíduo ao nosso lado que joga xadrez como o Deep Blue, que faz um milhão de contas num segundo, que tem todos os livros do mundo na cabeça, algo por exemplo, como é sugerido no filme Transcendence (que ainda não vi):
Transcendence - trailer 2014
Porém, a ideia de que isto se trata de "transcendência" é o mesmo do que pensar que um adulto transcende uma criança. Podemos ter mais faculdades, mas se os conceitos são os mesmos, nada de diferente foi alcançado. Certamente que não é tendo mais memória ou mais capacidade de cálculo que se atinge algo de novo.
Atinge-se o mesmo, apenas em quantidade superior.
Depois, o óbvio.
Se jogamos xadrez melhor que o Deep Blue, qual o interesse de jogar com um humano?
Pior, como a capacidade das máquinas irá em breve permitir determinar qualquer jogo de xadrez, qual o interesse do jogo? Nenhum! Perde interesse, simplesmente.
Aumenta-se a complexidade do xadrez? Mais peças, maior tabuleiro? Para quê? Não era um simples jogo? Fica mais interessante depois? Não! Apenas aumenta a complexidade.
O que interessa é que o número de parceiros diminui...
Quem joga xadrez percebe a beleza de algumas jogadas, mesmo a um nível médio. Onde está essa beleza, colocada nuns quadradinhos idiotas com poucas peças? Essa beleza está na nossa cabeça, no facto de podermos desfrutar com o nosso conhecimento - ser surpreendidos e surpreender.
Quando a surpresa desaparecer, desaparece a beleza.
Quando o conhecimento aniquilar o desconhecimento desaparece o propósito de vida.
Não somos definidos pelo que temos. Somos definidos pelo que nos falta. É isso que nos move.
À noção de Deus nada falta, e assim nada o moveria.
Um Deus estático é o Universo intemporal, como Espinosa notou.
Quem não sabe o que lhe falta, move-se como uma barata tonta, perdida em múltiplas direcções.
Pode acrescentar o lixo todo que quiser ao seu conhecimento, mas só aumenta o seu lastro.
Só precisamos do conhecimento necessário para ser surpreendidos com novo desconhecimento.
Quanto mais depressa se procurar o conhecimento completo, com menos nos surpreenderemos.
Se me falta alguma coisa, é mais que os outros percebam isto... mas isso, como é óbvio, pouco depende de mim.