Numa das declarações mais emblemáticas do Verão quente de 1975, Pinheiro de Azevedo procurou acalmar a população perante uma pequena explosão, dizendo "o povo é sereno"... ou "é só fumaça".
Passado mais de um mês sobre os trágicos acontecimentos do incêndio de Pedrógão Grande, sem qualquer resultado de investigação, sem qualquer acção significativa, e com a persistência sucessiva de falhas no sistema de comunicações "SIRESP", o governo e o status quo, munidos de uma forte campanha publicitária, procuraram ao máximo abafar quaisquer reacções ao caso.
A questão chegou ao ridículo de se não conhecer uma lista das vítimas da tragédia, porque explica a ministra:
- "a lista de vítimas não é secreta mas consta de um processo judicial em segredo de justiça"
Chegamos assim ao desplante da novilíngua, onde é o que não é secreto, é segredo.
O famoso "segredo de justiça" serve assim para encapsular todo o secretismo que se pretenda ocultar, bastando invocar interesse de um qualquer processo, e ignorando qualquer interesse público na sua divulgação.
Entretanto houve quem tivesse feito contas diferentes, elevando o número de vítimas a mais de 80, tendo em conta mortes "indirectas".
«Uma posição que surge depois de o Jornal i divulgar uma lista que já inclui mais de 80 mortos, dos quais 73 estarão confirmados pelas famílias com nomes completos, localidade e local da morte.»
O detalhe algo sinistro é que a contabilidade terá ignorado (pelo menos) uma vítima que, fugindo do incêndio, foi vítima de acidente... da mesma forma que assim se poderiam ignorar as vítimas que saltaram das torres gémeas no 11 de Setembro.
O secretismo da lista pode parecer um detalhe, mas seria uma forma da população não ter certezas sobre o número total. Individualmente cada família pode fazer uma contabilidade das vítimas que conhecia, mas não de todas vítimas que pereceram no incêndio. Se tal lista fosse pública, cada família poderia reportar as faltas dessa lista... assim, simplesmente não sabe se entre as 64 vítimas estão a ser contadas as suas perdas, por mais que lhe digam que sim, dirão o mesmo a todos.
Sem este trabalho jornalístico, não seria possível uma compilação das vítimas, conforme feita pelo Jornal i, que terá confirmado 73 vítimas entre os familiares.
António Costa, é claro, está metido neste fumo até aos cabelos, começando pelo seu papel na efectiva contratação milionária de um sistema completamente inoperante, denominado "SIRESP", e nesta gestão da situação pode bem proclamar que "é só fumaça", que não será por isso que as vítimas desaparecem. Bem podem argumentar que estão a respeitar a memória das vítimas pelo silêncio, sabendo que as famílias estão reféns da distribuição de subsídios...
Pode procurar-se a névoa do fumo para encobrir o desastre, mas a percepção generalizada da população tenderá a ser de total desconfiança na governação, e esse incêndio consumirá como vítima não apenas a autoridade do estado, mas o próprio status quo vigente, que se procura refugiar em realidades alternativas, esperando que o fumo vá ainda dissipando a indignação.
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