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domingo, 14 de fevereiro de 2021

O Abade e o hábito (2)

(1) Klácelka (República Checa)

Conforme mostrei, há alguns anos, há umas esculturas numa praia francesa, supostamente feitas por um Abade sozinho:

Do mesmo tipo, encontrei agora as "cabeças do Diabo", esculturas numa floresta esculpidas na rocha:


Quem teria sido? Seria nova obra do Abade?
O estilo grotesco não parecia muito diferente...

Ao fim de algumas tentativas, consegui dar com a referência, até porque o estilo é comum às esculturas, e só quem for muito cego é que não vê. O traço é claramente de Vaclav Levy, nascido em 1820, que esculpiu o conjunto com 25 anos.
É autor de outras esculturas, com um realismo semelhante.
A seguinte fez 4 anos depois, com 29 anos, e a outra já com 38 anos:
 

Aliás a Wikipedia explica a história de Vaclav Levy, e mostra a entrada na floresta em Klácelka:


... onde se vê que os altos relevos de Levy se degradaram com o tempo. Curiosamente o mesmo não aconteceu com o friso no portão - um detalhe insignificante. Até porque a malta nem vai aos cemitérios, nem vê como os jazigos do Séc. XIX são semelhantes à entrada do portão. Nem vê que a degradação das figuras laterais (e outras no interior) sugere uns valentes séculos de diferença.
Para comparações entre o estilo de Levy aos 25 anos, quando não tinha aprendido nada (mas também abandonou o mestre de Praga, que nada lhe tinha a ensinar) e o estilo 4 anos depois de ir para Munique, pois acho que se deve dizer que "parece que até desaprendeu"...
Se eu tivesse que imaginar uma conversa ficcionada à época, seria assim:
  • Vaclav, fui ver o que fizeste na floresta em Klácelka, e devias melhorar aquilo...
  • Sim, era mais novo, mas aquilo são só uns frisos na entrada, e pouco mais.
  • Na entrada para o conto de Klácel...
  • O quê? O Klácel recomendou-me para Munique. O resto já lá estava!
  • Não te faças desentendido, mas pronto, está bem, não se fala mais nisso...
(2) Haoran e Fuxi (China)
Em sentido oposto, um enorme problema que a China tem é que não sabe muito bem como distrair e dar emprego a 1 bilião de pessoas... e é preciso notar que o problema não é dinheiro.
A China tem capacidade de produzir comida para alimentar aquela malta toda, e com essa parte, dado o crescimento tecnológico, nem precisa de usar 10% da população. O problema é como há-de entreter os restantes, e o YouChat, a rede social mais usada pelos chineses, não responde a tudo.
Assim, uma forma é entreter os chineses com uma grande rede de turismo interno, fazendo por exemplo mega construções. Budas gigantes, há por todo o lado.
Agora (2019) avançaram em Xiangyang com esta estátua (50 x 80 metros) de Meng Haoran, um poeta do Séc. VII, e com outra igualmente enorme (70 x 230 metros) da lenda nacional Fuxi.


Outra forma, que já se conhece, tem sido copiar cidades europeias...
Por exemplo, isto não é a Torre de Londres, é Suzhou:
de forma semelhante, há uma Torre Eiffel com mais de 100 metros em Tianducheng, enquanto em Xangai há uma réplica da Torre de Pisa, uma pseudo-replica da Esfinge de Gizé em Chuzhou, etc, e em Macau construiu-se uma réplica do Coliseu de Roma, para um casino.
Ora é nesse aspecto que quem já foi a Las Vegas sabe que os casinos também eram praticamente réplicas, havendo o Luxor como pirâmide, ou o Paris Las Vegas, etc, tal como há o Paris Macau.  

Talvez porque nem sequer na ideia de copiar foram originais, os chineses entraram mesmo num modo de quem não sabe o que fazer com tanto potencial.

(3) Malthusianos
Aquilo que os chineses já sentiam, tornou-se num problema mundial... o que fazer com tanta malta?
Este é um problema de doutrina Malthusiana, e para quem não sabe quem foi Malthus, pode seguir o link para o homem, ou link para o diabo. Tal como há uma grande diferença entre um código QR e o símbolo da demonologia para Malthus:
Do ponto de vista de quem gere uma empresa, um excesso de trabalhadores é um inconveniente, digamos, é lastro para deitar ao mar.
Como a mentalidade empresarial passou a condicionar grande parte da gestão política, o problema é que muita malta que passou para a frente de decisões políticas tem uma sensibilidade de calhau, e um raciocínio a roçar a completa indigência... excepto nos truques de retórica, que também já estão gastos.

E qual é a total idiotice subjacente? Bom, é que os cidadãos não são apenas trabalhadores, são também consumidores. Grandes empresas já começaram a perceber que ao atirarem para o desemprego milhares de trabalhadores, ficam sem milhares de consumidores, que passam a poder consumir o mínimo.
Da mesma forma, na perspectiva mundial, automatizando, e reduzindo os custos ao mínimo, os cidadãos têm que ser sustentados por subsídios, para que o consumo se mantenha. Ora, isso causará um desconforto entre quem trabalha, e quem não faz nenhum, mas receberá quase o mesmo.

A solução óbvia, conforme Keynes previu, seria que já estivéssemos a negociar a redução do horário de trabalho de 15 horas semanais para 8 horas semanais... só que, como é óbvio isso não interessa.
- Não interessa, porquê?
- Porque cidadãos que só trabalhassem 1 dia por semana, o que fariam nos restantes 6 dias?
Criava-se um mundo de reformados aos 20 anos, sem doenças nem maleitas, prontos para a maluqueira.

Mas não é só esse o problema, o problema é que quem tem muito dinheiro quer que este tenha valor.
Havia uma coisa que o dinheiro não comprava - a dignidade, honra, etc... valores morais!

Poderia ser uma imagem de um homem a servir de cão para que o casal pudesse sair do confinamento covidesco, mas como se pode notar é uma imagem com uns 50 anos, que ilustra como a sociedade evoluiu para desvalorizar a vergonha e os pruridos. Esse foi um passo...
O outro passo é estabelecer uma assimetria brutal, predominantemente ilusória, entre quem não ganha quase nada, e entre quem não sabe o que fazer ao dinheiro que tem.

A partir desse momento, o dinheiro não compra apenas bens materiais, compra também vontades.

O que está em causa na economia hoje, não são bens materiais, são bens morais.
Assim, um gajo suficientemente rico tem dinheiro para comprar não apenas a casa da sua vítima, como também tem dinheiro para meter a vítima de rastos a fazer de cão pela rua fora, a lamber-lhe as botas, ou muito pior.
Só assim um gajo rico, se sente verdadeiramente rico.
Nunca se irá sentir rico se vir o pessoal comum com vidas razoavelmente felizes.
- Não, senhor, o povo é calão, são bestas que devem rastejar.
- Mas, isso chega?
- Claro que não!
- Nunca vai chegar, porque as bestas na sala são todos os que assim pensarem.
Na sua cegueira, vão tentar humilhar-se uns aos outros, quando já não der gozo humilhar o transeunte.
Até que por fim, o pequeno grupo que restar irá duvidar até da sua sombra...
... até que perceba que o problema não está nos outros, está em si mesmo.

A riqueza funciona em dois sentidos para ajustar o que se tem ao que se precisa.
Quem tem o que precisa é o mais rico possível.
Quem precisa de algo que não tem, ou se conforma, ou age em conformidade.
Pode agir, até ao ponto em que a sua acção lhe irá trazer mais perda que benefício.
Se agir no sentido de conseguir que todos à sua volta se comportem como bonecos, submetidos à sua vontade, pois bravo, conseguiu tornar-se numa criança numa casa de bonecas... sem amigos.
Ficou completamente sozinho. Parabéns, chegou ao inferno! 
Um clube tão selecto, que só tem um membro...
- Ah, mas foi enganado, então no inferno não há o Diabo?
- Claro, é o próprio. Se tivesse alguém com quem falar e que o torturasse seria quase um paraíso...
- Ah, mas não foi isso que Dante disse. 
- É essa a comédia na Divina Comédia.

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