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segunda-feira, 27 de julho de 2020

Teogonia (2) Falo na Pedra ou no Carvalho?

Recupero aqui a tradução da Teogonia, de que só fiz a parte inicial, em texto anterior. A ideia seria continuar, e falando de Hércules, não me parece má ideia rever um dos textos mais marcantes da mitologia ocidental.
A base da tradução são os textos na Perseus Digital Library, da Tufts University, que têm uma excelente compilação de textos clássicos, com a tradução e os originais. É usada aí a tradução de 1914, feita por Hugh Evelyn-White:
Convém notar que os links estão apenas para as primeiras linhas... depois é preciso seguir os cartões.
No total são 1003 linhas, em verso, que darão aproximadamente 500 linhas em português, em prosa.
Creio que dividindo isto em 3 partes, isto se faz de forma pouco complicada.

Recupero e mudo parte da tradução que fiz das primeiras 60 linhas, talvez as mais complicadas, porque me afastei consideravelmente da versão literal inglesa, procurando mais o significado do que o significante, uma vez que Hesíodo se apresentava como pastor de carneiros... mas a espécie de carneirada que ali pastou seria outra. Continuar por essa via, demoraria muito mais tempo, e não me parece justificar-se nas linhas seguintes. Ainda assim, e por via das dúvidas, olhei para a versão grega na transcrição. 

Os nomes das divindades gregas são palavras com um significado concreto. 
Que Úrano é o Céu, Gaia é a Terra, Cronos é o Tempo, Ponto é o Mar, são quase consensos.
Zeus é literalmente Dia ou Dio, e opto por deixar assim, e se tem um significado de onde surgirá Deus (numa alteração de letras escreveu-se Theos), interessa-me aqui ver o Dia como filho do Tempo, e não Zeus como filho de Cronos.
Igualmente, Hera é Era, porque o H remete apenas para um E maiúsculo, e literalmente escreve-se Era, fazendo igualmente mais sentido ver Era como filha do Tempo, do que Hera filha de Cronos.

Apolo aparece como Arco do Sol, porque esse era um significado. A quase todas as divindades se podem associar ideias, especialmente às mais antigas, e assim é natural que a Discórdia (Eris) gere como filhos a Luta, a Batalha, a Dor, a Labuta, etc...
Esse é um aspecto interessante, que contém uma opinião político-filosófica de Hesíodo, ou melhor, de quem, com ele, foi erguendo esta mitologia. O tradutor inglês procura fazer algumas conversões dos nomes em palavras, mas outras deixa ficar, avisando que também teriam significado.

Depois, há detalhes, em vez de «Olímpico Zeus», direi «O'limpo Dia», porque carrega um sentido... da mesma forma que quando escrevo: - "Falo na Pedra ou no Carvalho?", seria mais literal "Porquê tudo isto acerca de carvalho ou pedra?", para a expressão grega referindo irrelevância na discussão. 
Conforme a figura ilustra (e referi antes) há o "falo", há a "pedra", e há o "carvalho", e não é irrelevante que haja entre eles um ponto comum, no contexto da mitologia primitiva.

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Teogonia - Hesíodo (Séc. VIII a.C.)

[1 - 62]

Cantemos com as Musas do Monte Rodopiante, de grande e divino rodopiar, e que, com pés suaves, dançam em redor da Fonte Iodina, altar do Dia, o potente filho do Tempo.
Quando banham os seus ternos corpos nos permissivos rios, ou na fonte profunda, atingem o mais alto rodopiar, movendo-se em rápidos passos.
Assim se erguem e emergem da noite, e pelo véu da espessa neblina saúdam o Dia quando desponta. Saúdam a Era de Argúcia apoiada em ouro, a Ave de acutilante olhar, o Luar e o Arco do Sol que dispara os primeiros raios.

Saúdam o Mar que envolve e abala a Terra, veneram o Temer, o Amor de olhos doces, a Jovialidade duradoura, o belo Crepúsculo, o Esquecimento, a Ferida e o Tempo conselheiro. A Alvorada, com o grande Sol e a brilhante Lua, também são saudadas, tal como a Terra, o grande Oceano, a escura Noite, e toda a raça de entidades imortais.

Certo dia, quando Hesíodo pastoreava os seus carneiros, nas encostas do sagrado Monte Rodopiante, as Musas, filhas d'O limpo Dia, ensinaram a bela canção:
- Pastores silvestres: Vis infâmias, ventres balofos, sabemos alimentar, tal como falsidades por verdades passar, mas ensinando, sabemos a verdade desvelar.

Assim disseram as filhas do grande Dia, dando-me um bastão e uma coroa de louros, segredando em voz divina as coisas que antes foram e serão, falando da raça dos deuses, do princípio ao fim.
- Falo na pedra ou no carvalho?

"Alla ti e moi tauta peri drun e peri petren?" 
- irrelevância - divagar sobre a pedra e o carvalho?

Venham com as musas que alegram o espírito d'O limpo Dia com palavras que foram, são e serão.

Assim corre o fluxo doce das suas bocas, ressoando e alegrando a morada gelada de Zeus e dos imortais do Olimpo. Elas, com a sua voz imortal celebram em canção o Início, saindo os deuses da Terra e do Céu. Depois falam de Zeus, pai de deuses e homens, e de como ele é excelente entre os deuses. Cantam da raça de Homens e Gigantes, e as Musas filhas da égide do Dia, alegram o coração d'O limpo Dia.

Entre as Danadas, a Memória, que reina nas colinas Libertadoras, gerou a união com o filho do Tempo, em esquecimento de males e repouso de lamento. Pois, durante nove noites esteve o Dia consigo, entrando no sagrado leito, longe dos imortais. E, quando o ano passou, e as estações se formaram do desvanecer dos meses e dos dias contados, ela gerou nove filhas, em harmonia de pensamento, cujos corações estão em canção, e cujo espírito é livre, como o topo d'O limpo nevado.

[63 - 103]

Aqui estão os seus reluzentes palcos, belos lares, e atrás Graças e Desejo vivem deliciados.
E elas, através dos seus lábios, com uma voz amável, cantam as leis de todos e dos bons caminhos imortais, proferindo a sua amável voz. Indo para O'limpo, deliciando-se com a voz em cânticos celestes, a negra Terra ressoou sob seus pés um som encantador que se ergueu enquanto iam ao encontro do pai.

O Dia reinava no Céu, dominando os trovões e raios brilhantes, quando venceu pela força o seu pai Tempo, distribuindo de maneira justa entre os imortais as suas porções e privilégios. Estas coisas as musas que moram n'O limpo cantaram, as nove filhas geradas pelo grande Dia:
- Clio, Euterpe, Tália, Melpomene, Terpsicore, Erato, Polímnia, Urânia e Calíope, que é a primeira entre elas, pois ela ajuda os príncipes reverentes:
- quem, entre os príncipes nutridos pelo Céu, as filhas do grande Dia honram no seu nascimento, derramando sobre a sua língua orvalho doce, dos seus lábios irão fluir palavras graciosas.
Todos o olham, enquanto ele resolve disputas com julgamentos de verdade: e, falando com certeza, termina com sabedoria mesmo grandes brigas.

Portanto, existem príncipes sábios de coração, porque, quando as pessoas estão desorientadas nas assembleias, eles dirigem o assunto com facilidade, convencendo-as com palavras gentis. E quando eles passam por uma reunião, cumprimentam-nos como aos deuses, em gentil reverência, sendo notáveis entre os reunidos - esse é o dom sagrado das musas para os homens.

Pois é através das Musas e do distante Arco de Sol que existem cantores e harpistas na terra; mas os príncipes são do Dia, e feliz é aquele a quem as Musas amam: doces discursos fluem da sua boca. Pois, embora um homem tenha lamento e tristeza na sua alma recém-perturbada e viva com pavor porque seu coração está angustiado, ainda assim, quando um cantor, servo das Musas, canta os feitos gloriosos de homens antigos, e dos abençoados deuses que habitam O'limpo, ele imediatamente esquece a carga e as suas tristezas, pois os dons das deusas logo as afastam.

[104 - 138]

Saudações, filhas do Dia!
Concedam uma adorável canção e celebrem a raça sagrada dos deuses imortais que para sempre serão, aqueles que nasceram da Terra e do Céu estrelado e da Noite sombria; e aqueles que o Mar salgado criou.

Digam como surgiram os primeiros deuses e a terra, os rios e o mar ilimitado com seu furioso furacão, e as estrelas cintilantes com o amplo céu acima, e os deuses que nasceram deles, dadores do bem das coisas, e como dividiram suas riquezas, e como compartilharam as honras entre si, e também como, no início, tomaram muitas vezes O'limpo.
Essas coisas me declaram desde o princípio, musas que moram na casa d'O limpo, e digam-me quais delas surgiram primeiro.

Na verdade, a princípio o Caos veio a existir, e logo a Terra de grandes seios, o alicerce sempre seguro de todos os imortais, que sustenta os picos d'O limpo nevado, escurece o Tártaro (submundo) nas profundezas da Terra de largos caminhos; e o Amor (Eros), o mais justo entre os deuses imortais, que enerva os membros, e que dentro de si supera a mente e os sábios conselhos de todos os deuses e homens.

Do Caos surgiu a Escuridão (Erebus) e a negra Noite; e da Noite nasceram o Éter e os Dias (Hemera), concebidos em união amorosa com a Escuridão. A Terra primeiro gerou o Céu estrelado, igual a si mesma, para cobri-la por todos os lados e para ser um lugar de certeza permanente para os deuses abençoados. E produziu longas colinas, assombrações graciosas da deusa Ninfa que habita entre os vales das colinas. Ela também gerava as inférteis profundezas com o furioso Mar, mas aí sem doce união de amor.
Depois a Terra deitou-se com o Céu e gerou o Oceano, Coios, Crius, Hiperião e Japeto, rodopiantes, Teia e Raia, Témis e Mnemosine e Foebe, coroada a ouro, e a adorável Tétis. Depois deles nasceu o Tempo (Cronos), o astuto, mais novo e mais terrível de seus filhos, que odiava a luxúria do seu pai.

[139 - 172]

E, novamente, a Terra gerou os Ciclopes, pesados arrogantes, Trovão (Brontes) e Relâmpago (Asterope), e o convencido Argos, que deu ao Dia (Zeus) o trovão e lhe fez o relâmpago. Eram em tudo como os deuses, mas tinham apenas um olho no meio das suas cabeças, sendo chamados Ciclopes por essa razão. Entre os seus trabalhos estavam o poder e a força das maquinações.

E, de novo, três outros filhos nasceram da Terra e do Céu, grandes e pesados sem par, Cotos, Briareos e Gies, presunçosas crianças. Dos seus ombros brotavam cem braços, para que não fossem abordados, e cinquenta cabeças cresceram dos ombros, sobre os fortes membros de cada um, sendo irresistível a força que estava nestas suas grandes formas.

Pois todos os filhos que nasceram da Terra e do Céu, estes foram os mais terríveis e foram odiados pelo próprio pai desde o início. E o Céu costumava escondê-los a todos num lugar secreto da Terra, assim que nasciam, não permitindo que subissem à Luz. Ele regozijou-se com estas más acções, mas a vasta Terra gemeu mexida por dentro, e pensou num ardiloso e maligno plano.

A partir daí, ela fez o cinzento material com que formou uma grande foice, contando um plano aos seus queridos filhos. E ela falou, acarinhando-os, irritada com seu coração:
- “Meus filhos, gerados de um pai pecador, se me obedecerem, devemos punir o vil ultraje do vosso pai, pois foi ele quem primeiro pensou em fazer coisas vergonhosas.”
Assim o disse, mas o medo tomou conta de todos, e nenhum deles pronunciou uma palavra.
No entanto, o grande Tempo, astuto, tomou coragem e respondeu à sua querida mãe:
- "Mãe, vou-me comprometer a fazer essa acção, pois não reverencio nosso pai, de má reputação, pois foi ele quem primeiro pensou em fazer coisas vergonhosas."

[173 - 206]

Ele falou e a vasta Terra muito se regozijou em espírito, escondendo-o numa emboscada, e colocando nas suas mãos a foice, revelou-lhe a trama.
Assim o Céu, trazendo a noite e desejando amor, veio-se sobre a Terra, espalhando-se todo sobre ela. Então o Tempo, da sua emboscada estendeu a mão esquerda e pela direita pegou na grande e longa foice de dentes de tubarão, e rapidamente cortou os genitais do seu pai e jogando-os fora, atrás de si.

E não em vão caíram da sua mão, pois todas as gotas sangrentas jorraram na Terra, e à medida que as estações se moviam, ela gerou as fortes Fúrias e os grandes Gigantes de armaduras brilhantes, segurando longas lanças nas mãos, e as ninfas a quem chamam Melíades sobre a terra ilimitada.

Assim que cortou os genitais com a adamantina foice e os lançou da terra firme para o mar revolto, eles foram arrastados por um longo tempo, e uma espuma branca se espalhou em redor da carne imortal, da qual cresceu uma donzela. Primeiro, ela se aproximou da sagrada Citera, e dali foi para Chipre, surgindo à luz uma deusa terrível e adorável, nascendo erva sob seus pés bem torneados. 
Deuses e homens chamam Afrodite à deusa nascida da espuma, e ricamente coroada Cítera, porque ela cresceu entre a espuma, Cítera porque alcançou Cítera, Ciprogenes porque nasceu na ondulação em Chipre, e Filomedes porque surgiu dos genitais do pai. 

E com ela foi o Amor (Eros), e o Desejo (Himeros) seguiu-a desde o nascimento até entrar na assembleia dos deuses. Esta honra teve ela desde o princípio, parte que lhe é atribuída entre homens e deuses imortais - os suspiros das donzelas, os sorrisos e enganos com doce deleite, o amor e a graciosidade.

[207 - 239]

Aos seus filhos, proclamou-se Grande Céu, mas reprovando-os costumava chamá-los Titãs (tensões), pois dizia que se esforçavam e faziam presunçosamente acções temerosas, mas que a vingança viria depois. E a Noite gerou a odiosa Desgraça, o negro Destino e a Morte, formando o Dormir e a tribo dos Sonhos.

De novo, a deusa Noite, apesar de não ter ficado com ninguém, gerou a Culpa e a Dor, e as Hespérides, que guardam as ricas maçãs douradas e as árvores de fruto além do glorioso Oceano. Ela também gerou os Destinos, e os cruéis e vingativos, Cloto e Lacáse e Atropos, que dão aos homens, desde o nascimento, tanto o mal quanto o bem, perseguindo as suas transgressões e as dos deuses; e essas deusas nunca cessam a sua temerosa raiva até que punam o pecador com pena dolorosa. 

A mortífera Noite também concebeu Nemesis (indignação) para afligir os homens mortais e, depois dela, a Fraude e a Amizade, a odiosa Idade e a Discórdia, de coração empedernido. Porém, a lamentável Discórdia gerou a dolorosa Labuta, o Esquecimento, a Fome, o choro da Dor, e também a Luta, a Batalha, o Assassinato, o Homicídio, a Briga, a Falsa Palavra, a Disputa, a Ilegalidade e a Ruína, todas de uma natureza, e o Juramento, que mais incomoda os homens quando alguém voluntariamente faz juramento falso. 

E o Mar gerou Nereu, o mais velho dos seus filhos, que é verdadeiro e não mente, os homens chamam-no Velho, porque ele é confiável e gentil, não esquecendo as leis da justiça, tem pensamentos justos e bondosos. Gerou ainda o grande Taumante, o orgulhoso Fórcis, acasalando com a Terra, bem como Ceto, de lindo rosto, e Euríbia de coração de pedra.


[240 - 269]

De Nereus e de Doris do cabelo doirado, filha do Oceano de fluxo inalcançável, nasceram filhas, adoradas entre as deusas: Ploto, Eucrante, Sao, Anfitrite, Eudora, Tétis, Galena, Glaucia, Címotoe, Espeio, Toe e a adorável Hália, e Pasitea, Erato, Eunice de braços rosados, a graciosa Melite, Eulimene, Eulimene, Agave, Doto, Proto, Ferusa, Dinamene, Nesaea, Actaea, Protomedea, Doris Panopea, Galatea, a adorável Hipotoe, Hiponoe de braços rosados, e Cimódoce que, com Cimatolege e Anfitrite, acalmam facilmente as ondas no mar tenebroso e as rajadas de ventos furiosos, Cimo, Eione, a coroada Alimede, Glauconome afeiçoada ao riso, Pontoporia, Leiagore, Evagore, Laomedia, Poulunoe, Autonoe, Lusianassa, Evarne, amáveis ​​de aspecto e sem mancha de forma, e Psámate de figura encantadora e a divina Menipe, Neso, Eupompe, Temisto, Pronoe, e Nemertes que tem a natureza do seu pai imortal. 

Essas cinquenta filhas nasceram do irrepreensível Nereu, habilidoso em excelentes artifícios. Taumaste casou com Electra, filha do Oceano profundo, que lhe deu a rápida Íris e as Hárpias de longos cabelos, Aelo (súbita tempestade) e Ocupetes (rápido vôo) que em suas asas acompanham o ritmo das rajadas de vento e dos pássaros, reagindo instantaneamente.


[270 - 303]

E novamente, Ceto gerou de Fórcis as Graias de rosto claro, irmãs grisalhas desde o nascimento; e tanto os deuses imortais quanto os homens terrenos as chamam Graias, o bem vestido Penfredo, Enio de túnica cor de açafrão, as Górgonas que moram além do glorioso Oceano, na terra fronteiriça em direcção à Noite, onde estão as Hespérides de clara voz, Esteno, Euríale e Medusa que sofreu um destino lamentável: Medusa era mortal, mas as outras duas eram eternas e não envelheciam. Com ela se deitou o Moreno (Poseidon) num prado macio entre as flores da primavera. E quando Perseu cortou sua cabeça, surgiram o grande Crisaor e o cavalo Pégaso, assim chamado porque nasceu perto das nascentes do Oceano; e aqueloutro porque segurava uma lâmina de ouro nas mãos. Agora Pégaso voou para longe, deixou a Terra, mãe dos rebanhos, e chegou aos deuses imortais: morando na casa do Dia (Zeus) e levando, ao sábio Dia, o trovão e o raio. 

Porém Crisaor uniu-se apaixonadamente a Calirroe, filha do glorioso Oceano, e gerou Gerião de três cabeças. Ele, o poderoso Héracles matou em Eritéia (ilha vermelha), rodeada de mar, pelos seus bois trémulos naquele dia, dia em que dirigia os bois de sobrancelhas largas para a sagrada Tirinto, e atravessando o vau do Oceano, matou Ortos e Eurítio, o pastor na penumbra que saía do Oceano glorioso. Numa caverna oca gerou ela (Ceto) outro monstro, irresistível, em nada semelhante a homens mortais nem a deuses imortais, até a deusa temia Equidna, que é metade de uma ninfa com olhos brilhantes e rosto claro, e metade enorme cobra, grande e horrível, com pele manchada, comendo carne crua sob as partes secretas da Terra sagrada. Ali tem uma caverna no fundo, sob rocha oca, longe dos deuses imortais e dos homens mortais. Lá, os deuses lhe designaram uma moradia gloriosa - guardando Arima debaixo de terra; sombria Equidna, uma ninfa que não morre nem nunca envelhece.

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Note-se esta última parte, onde também Hesíodo vai colocar Crisaor como pai de Gerião, de 3 cabeças, ou dos 3 Geriões. A "terra fronteiriça em direcção à noite" seria a paragem mais ocidental, normalmente a Ibéria, a costa de Portugal. Provavelmente Eritéia seria o Algarve, com o nível do mar mais elevado. O vau do Oceano seria o estreito de Gibraltar.
Hesíodo remete Medusa para estas paragens, e convém lembrar que do género das medusas temos a caravela portuguesa. Assim, resultado da sua morte aparece Crisaor e Pégaso, nascendo perto das "nascentes do Oceano", o que seria natural, dada a fama dos cavalos ibéricos, nascidos do vento.
As Hespérides, filhas de Atlas, sempre estiveram associadas a ilhas ocidentais (Açores ou Caraíbas), tal como Atlas associado aos montes do Atlas em Marrocos. As Górgonas passaram por ser as ilhas de Cabo Verde.
A vinda de Perseu a paragens ocidentais pode juntar-se ao registo das mapalias, de persas que fizeram parte do exército de Hércules:
Nas fileiras estavam Medos, Persas, Arménios, que tinham ido de barco até África, e acabaram por se estabelecer junto ao mar. Os persas ficaram junto ao Oceano Atlântico (em África), fazendo habitações com os cascos invertidos dos barcos...




terça-feira, 21 de julho de 2020

Corte Real - Descobridor da América (Avenida da Liberdade)

A notícia está no jornal Diabo, de 2018, por Vasco Callixto, mas será uma surpresa para muitos, para tantos como eu que passaram por lá e nunca repararam. Aliás, nem sequer encontrei uma fotografia apropriada para ilustrar o assunto, mas segue temporariamente esta, que é ilustrativa:

João Vaz Corte Real - Descobridor da América

Em 1932, há 88 anos, a Câmara de Lisboa decidiu assumir que João Vaz Corte Real tinha descoberto a América em 1472. Transcrevo a notícia do jornal, porque é suficientemente esclarecedora:
Há quase um século que na principal avenida de Lisboa se presta uma justa homenagem a um navegador português que então se considerou o descobridor da América em 1472. O seu nome e o seu feito foram gravados no empedrado de um dos talhões da Avenida da Liberdade, situado entre as esquinas da Rua das Pretas e o antigo cinema Tivoli.
Quantos passantes já se detiveram a ler aquelas inscrições e a pensar para si no seu significado? Será de crer numa minoria; passa-se e nem se repara no chão que se pisa. Mas há 86 anos, que agora se completarão nos dias 2 e 3 de Julho de 1932, uns tantos, orgulhosos dos feitos de antanho, decidiram homenagear João Vaz Corte Real (1420-1496) no dia comemorativo do falecimento do antigo donatário da capitania de Angra do Heroísmo. E esta homenagem venceu o tempo. Talvez, precisamente, por ser uma minoria que nela tem reparado.O que se lê no empedrado da Avenida da Liberdade, em Lisboa?
As seguintes inscrições:
João Vaz Corte Real – Descobridor da América – Descoberta da América 1472 
Gaspar Corte Real 1500 – Miguel Corte Real 1502 – Canadá – Terra Nova – Groenlândia Homenagem à América Setentrional – Câmara Municipal de Lisboa MCMXXXII

Acrescento um pequeno detalhe informativo.
No Cap. VIII do 6º livro Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso é dito o seguinte
E como homens antigos afirmam, despois deste Jácome de Bruges, atrás dito, primeiro capitão de toda a ilha Terceira, dividiu-se a capitania em duas, sc., na de Angra, da parte do sul, e na da Praia, do norte, porque, estando sem capitão, vieram ter a ela dois homens fidalgos, por nome, um deles, João Vaz Corte-Real, e outro, Álvaro Martins Homem, os quais vinham da Terra do Bacalhau, que por mandado de el-rei foram descobrir, e, informados como a ilha estava, se foram ao reino, onde o (sic) pediram de mercê por seus serviços à infanta Dona Breatis, mulher do infante Dom Fernando e mãe do duque Dom Diogo, das treições, e sua titor, a qual lhe fez mercê dela, e ambos a partiram pelo meio e lograram, e possuíram seus descendentes, até ficar a parte da Praia sem herdeiro, que foi a que coube a Álvaro Martins Homem, por seu bisneto Antão Martins Homem não ter herdeiro.
Em 1932, estando no início o Estado Novo, ainda se poderiam ter iniciativas destas, o que é um escândalo já se sabe, porque nada tem de politicamente correcto. Esta e outras informações sobre João Vaz Corte-Real deram a certeza de ficar gravada na calçada alfacinha a descoberta 20 anos antes de Colombo.
Terá aguentado na calçada até aos dias de hoje, conforme foi dito, porque quase ninguém repara.... e levantar o chão poderia provocar outros levantamentos inconvenientes!

terça-feira, 14 de julho de 2020

Nebulosidades auditivas (84)

A censura politicamente correcta, implantou-se com o fim do Muro de Berlim, portanto faz agora 30 anos. É fácil perceber porquê... porque antes disso, condicionar a liberdade de expressão seria identificado com uma política comunista soviética. Alguém diria "se queres censurar, vai para a Rússia...", e a censura prévia de opiniões era mandada para um certo Tártaro ditatorial.

Com o fim da URSS, perderam-se algumas facilidades argumentativas... e caiu-se no sonho de que não existia e nem existiria censura no mundo ocidental, protegido por uma panaceia contra todos os males, a que chamava "democracia".

O mundo ocidental orgulhava-se e passeava com autoridade a superioridade moral ser um baluarte da liberdade de expressão e de opinião, o que não seria bem assim, mas enfim... Na Europa, e especialmente em Inglaterra, chegou-se a um extremo que vagueava entre liberdade artística e incitamento à violência.

Se em 1986 os Smiths lançavam o álbum "The Queen is Dead", Morrissey já em carreira a solo, vai mais longe, e para Thatcher, apresenta o tema "Margaret in the guillotine" (1988), assim:
The kind people have a wonderful dream, Margaret in the guillotine.
Cause people like you, make me feel so tired.... When will you die?
And people like you, make me feel so old inside... Please die!
And kind people, do not shelter this dream, make it real... make the dream real.
No final, remata com o som da guilhotina a cair...

Morrissey - Margaret on the guillotine (1988) Viva Hate album.

Scottish Maiden
Morrissey terá sido "entrevistado" pela Scotland Yard, e pouco mais que nada se passou... houve certamente gente escandalizada, e a opinião de Morrissey não mudou muito, mesmo quando Thatcher morreu em 2013.

Já agora, em dia da tomada da Bastilha, e a propósito da guilhotina, uma invenção pseudo-francesa, essa "invenção" tem diversos antecedentes, entre os quais:

- a "donzela escocesa" (Scottish Maiden) - figura ao lado, que terá ceifado ~ 150 vítimas entre 1564 e 1710.

- o "Halifax gibbet" que funcionou de 1286 a 1650, também reclamando aproximadamente uma centena de vítimas.

O nome do médico maçon Guillotin fica-lhe mais justamente associado, já que só a Revolução Francesa conseguiu a proeza de cortar aproximadamente 40 mil cabeças em pouco mais que um ano (1793-94), havendo tentativas burocráticas, politicamente correctas, para reduzir este número.

Aliás os franceses estavam tão apegados à tradição que só em 1981 aboliram o seu uso (em 1977 ocorreu o último guilhotinamento).
Estas ideias despóticas como as de Robespierre, são difíceis de tirar de certas cabecinhas, para quem a guilhotina é aplicável apenas em cabeças alheias, havendo uma atracção fatal que pede a sua.