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sexta-feira, 3 de abril de 2020

Bicho de contas

Há um indicador que tem as contas actualizadas do número de infectados pelo corona-vírus registados até à corrente data:

e que mostra de forma razoável como a propagação da epidemia está a ficar controlada na maioria dos países que decretaram medidas de contenção, mesmo que haja um panorama algo descontrolado a nível mundial:
 
Após um rápido crescimento que se deveu à situação na China, o número estabilizou ligeiramente, até à propagação na Europa, e depois na América, que fez disparar este número, de novo. É de esperar que uma situação deste género volte a ocorrer, nos diversos países que ainda não têm a situação sob controlo, e por isso podemos estimar que mais que no final de Abril possam existir 10 milhões de infectados, e em Maio poderemos contar com perto de um milhão de mortos. Não me parece expectável que a pandemia passe o mês de Maio, em todo o mundo.
Como a contabilização será deficiente em muitos casos, isso poderá não ser imediatamente reflectido.

Os casos exemplares de contenção foram os imediatamente afectados - Coreia e Japão.
A Coreia do Sul tem uma curva (logarítmica) quase constante desde 8 de Março (desde essa altura o número de novos casos é residual, entre 100 e 200 casos diários):
Como habitual nestes casos, a progressão é inicialmente exponencial - isso todos referem, mas depois sofre uma curvatura gaussiana (disso ninguém fala...) tendendo a estabilizar ou diminuir, consoante o sucesso na contenção ou cura. Nestes gráficos do worldometers.info não são contabilizadas as curas, porque aí veríamos a curva descer - aliás dos ~ 10 mil infectados, restam 4 mil não curados, na Coreia.

Este mesmo tipo de curva (logarítmica) pode ser visto no caso português:

mas como as medidas de contenção foram tomadas tardiamente (quando comparado com a Coreia), o crescimento prolongou-se no tempo - na Coreia demorou 3 semanas a contenção e estabilização, em Portugal já passou um mês desde o 1º caso, mas só há medidas restritivas há 2 semanas. 

Foi por esta razão, porque este tipo de fenómenos tem um comportamento que dentro de certos parâmetros pode ser algo previsível que, num postal de 22 de Março, quando ainda haviam apenas 1600 casos em Portugal, fiz a seguinte previsão:

Os pontos a vermelho são os valores que se conheciam, e os pontos a azul são os que se verificaram depois. Ou seja, os valores seguiram dentro de uma das curvas expectáveis para o crescimento.
Por exemplo, disse que os valores a 31 de Março seriam ~ 8500, e foram 8250 anunciados no dia 1 de Abril. Na realidade, há duas semanas atrás, pareceu-me que a curva poderia ser ainda mais acentuada, na pior estimativa (curva a preto), e não tinha visto o caso de sucesso coreano.
Não se tratou de acertar por acertar, nem há qualquer interesse neste "acerto", é pouco relevante que a DGS não actualize bem as bases de dados, ou que faltem milhares de testes. Neste tipo de análises, o que interessa é perceber a tendência, e essa é mais ou menos estanque à divulgação... até ao momento em que a política começa a torturar os números, e esses números não correspondam a nada de real.

Parece-me plausível que possamos antecipar o pico dos casos para uma data anterior ~ 10 de Abril, com um número de casos em Portugal perto dos 15 mil. Não será um pico, porque o número de recuperados (registados) é ainda pequeno.

Percebe-se talvez melhor a questão dos japoneses em não quererem comprometer a realização dos Jogos Olímpicos em 2020, porque foram eficazes a conter a epidemia (têm menos de 3 mil casos), e provavelmente entenderam que os restantes poderiam fazer o mesmo... isto claro, se tivessem feito o mesmo controlo de entradas de estrangeiros, ou de pessoal em viagem. Coisas básicas que a DGS ou a OMS tardaram a perceber ou exigir, por incompetência, ou outra competência... 

A Espanha vai ultrapassar a Itália em número de infectados, pois a situação italiana já está quase estanque, mas também deverá estabilizar por volta da Páscoa, não devendo atingir os 200 mil infectados. A situação italiana pode considerar-se praticamente estanque, neste domingo deverá atingir o topo (inferior a 130 mil), começando a estabilizar (ou seja, depois terá variações com menos de mil novos infectados por dia).

Mesmo no caso dos EUA, que aparece agora como principal foco, e algo descontrolado, com efeito a situação está a começar a inverter-se, e poderá mesmo não chegar aos 500 mil infectados com tendência a abrandar, na semana depois da Páscoa... e Trump poderá dizer que a situação estará controlada antes de Maio, com um número de mortos muitas vezes inferior ao que pensou.

Bom, mas tudo isto são previsões numéricas, sujeitas aos diversos imponderáveis, que podem transformar uma tendência noutra bem diferente. Estas contas são básicas e podem ser feitas por qualquer um com alguns conhecimentos de matemática na universidade. Uma análise mais detalhada nem sempre dá melhores resultados... porque os imponderáveis são imponderáveis.
No entanto, começando a bater certo sistematicamente, é natural que se usem como objecto orientador, e sempre são melhores do que estimativas vindas do nada, e tomadas ao sabor do vento, conforme as que habitualmente ouvimos.
Uma coisa a averiguar será a de saber se este bicho é um bicho de contas certas, ou não.

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