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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Desafinações visuais (6)

O filme "Elysium", de 2013, de Neil Blomkamp, explicita um futuro em que uma elite humana passa a viver permanentemente numa estação espacial que recria paisagens terrestres idílicas (o chamado cilindro de O'Neill). O restante da população, que ficou na Terra, é administrada de cima, ou basicamente deixada à sua sorte, no sentido de ser facilitado o uso dos recursos terrestres.


Esse futuro pode ser visto como uma mera caricatura do presente, na forma como os países mais desenvolvidos acabam por se aproveitar dos recursos de países do terceiro mundo, deixando os seus governos em constantes tribulações, instabilidade, e corrupção.

Poderia pensar-se que seria mais fácil invadir e explorar esses recursos.
Puro erro.
Invadir implica custos de diversos tipos. Implicaria gastos financeiros e custo de vidas na invasão, ficando com a população nativa diminuída, agressiva ou desmotivada, e em última análise teriam que ser os próprios invasores "a meter a mão na massa", a trabalhar para extrair os recursos.
Muito mais fácil é inventar um qualquer tirano interno, juntar-lhe um séquito de colaboradores, ao mesmo tempo que se lhe contrapõe um ideal libertador, e um movimento revolucionário que o tenta depor.

Esta receita foi usada tantas vezes na América Latina, na Ásia, ou em África, que mete dó.
Depois de juntar estes ingredientes é só deixar ferver em lume brando, ao gosto do chef.
Fomentada a guerra interna, os oponentes, para se financiarem ou armarem, podem apenas vender aquilo que interessa ser vendido... os recursos naturais, e normalmente a preço de saldo.
Portanto, as grandes potências, ao invés de invadirem, perdendo dinheiro e homens, assistiam na plateia a uma matança interna, que se auto-alimentava, enquanto os grupos rivais iam vendendo a preço de saldo os seus recursos, a troco de meia-dúzia de armas obsoletas, destinadas apenas a essa matança interna.

Um guião típico da "América Latina" era o seguinte.
Actores:
- Lado "fascista": Um tirano abominável, e uma corte de generais e empresários exacráveis.
- Lado "comunista": Um jovem revolucionário, uma corte de fiéis soldados e dedicados militantes.
- Lado "manipulado": A população trabalhadora explorada por uns e por outros.

Cena 1: O tirano e a elite são fomentados a explorar de forma cada vez mais abusiva a população.
Cena 2: Aparecem grupos de protesto e de fora é escolhido o gaiato que vai liderar a revolução.
Cena 3: O grupo de protesto organiza-se miraculosamente, transforma-se num exército eficaz, e começam as escaramuças. No início convém ao exterior que este grupo tenha algum sucesso.
Cena 4: A população é esmifrada pelo tirano, no sentido de aumentar a produção e financiar a luta contra os revolucionários. Isto leva a mais adeptos pelo lado revolucionário.
Cena 5: Na calma dos seus gabinetes, as potências vão financiando um e o outro lado, vendendo armas bacocas, a troco de recursos naturais, tipicamente ilustrado por... bananas, mas ouro, petróleo, diamantes, coca, etc... também servem.
Cena 6: No meio do conflito, há os dramas da população, as carnificinas, e a emigração, ou seja, mão de obra barata que vem para os países "desenvolvidos", etc...
Cena 7: Esta situação poderia eternizar-se, com benefícios para quem está de fora. Mas, a receita pode ser apimentada, e permite-se algumas vezes que o grupo revolucionário conquiste o poder.
Cena 8: Rapidamente se percebe que afinal o jovem revolucionário é afinal um novo tirano, que os seus soldados passaram a generais, e que os militantes passaram a ser empresários.
Cena 9: É a mesma que a Cena 1. Tudo se repete, agora trocando o nome da ideologia.

Neste processo, que como qualquer guerra civil, dilacera um país, colocando divisões até dentro das famílias, o mais engraçado, sem ter graça alguma, é que os países que são promotores externos da divisão sejam depois vistos como grandes aliados, grandes ajudas, e modelos a seguir.


Bom... enfim, o nome "Elísio" é grego e remete a um paraíso ocidental.
A origem do nome grego Ἠλύσιον é também considerada de origem desconhecida.
Uma transcrição apropriada seria Lusion, ou Ilusion.
Convirá lembrar que André de Resende remetia para a origem de Lusitânia, os nomes de Luso ou Lísias, filho de Baco, que constam da Monarquia Lusitana.

Heródoto dava conta da localização do Elísio nas planícies ocidentais junto ao Oceano, onde não havia neve, nem tempestades, nem grandes chuvas, e a vida era fácil aos homens. Era natural referir-se às Ilhas Afortunadas, ou Hespérides... eventualmente às paisagens das Caraíbas.
Porém, como o nome Lísio ou Lúsio remete directamente para estas paragens ocidentais, junto ao Oceano, é difícil deixar de associar o nome à Lusitania, e entre os autores antigos há quem o faça.

Portanto, deixamos aqui esta referência a Elysium, à sua associação à Lusitânia, e à Ilusion, à "ilusão", que também se afigura como variante "lusa". Como exemplo de ilusão, referimos a receita persistente que leva autores externos a promoverem guerras civis com actores internos. No caso mais corrente, e mais pacífico, ficaram-nos as guerrinhas de tachos partidários.

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