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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Corte do Tajo

Tajo é o nome do rio Tejo em Espanha.

O Tejo faz o corte fluvial mais significativo na península ibérica.

Canhão do Alto Tejo - Parque Natural del Alto Tajo
(onde são ainda mais profundos os canhões do afluente Gallo).


Tajo, em espanhol, significa corte profundo, feito com um instrumento afiado.

Museu de Belas Artes, Buenos Aires

Denotando o carácter de corte profundo, o impressionante desfiladeiro de Ronda é também chamado "El Tajo". Toponimicamente podemos ligar assim o nome Tajo a uma menção a grandes desfiladeiros, gargantas profundas.
Porém, isto não parece ser propriamente característica comum do Tejo no seu curso actual, a menos que sejamos remetidos à sua origem no Alto Tejo espanhol. No entanto, os desfiladeiros no curso inicial dos rios não são incomuns, e o Tejo não parece ser nada significativo nesse aspecto. 
Digamos que Tajo seria uma designação apropriada para o Rio Colorado, com o seu corte distinto celebrado nos profundos canhões, até que desagua no Golfo da Califórnia (que foi chamado Mar Vermelho).
Por outro lado, pensar que o Tejo chegou a ser parecido com o Colorado, remeter-nos-ia para tempos demasiado remotos, onde dificilmente encontraríamos presença humana, quanto mais língua espanhola!

Em português, o nome Tejo não tem nenhum substantivo associado. Uma derivação habitual é considerar a passagem do "j" espanhol a "ch", levando de Tajo a Tacho... Porém perderia largamente o significado original, mesmo que os melhores tachos se encontrem em Lisboa, ou ainda que houvesse taxas à entrada do rio. Por outro lado, ao colocarmos algo no prego, mesmo que invoquemos as tachas por semelhança às taxas, uma tacha dificilmente fará um corte profundo - isso será mais coisa de cravo (... e quem crava não paga taxa).

Raia
Bom, mas interessa o corte.
O corte no feminino levou à corte pelo masculino.
Desde o cortejar cortesão na corte, à simples corte no cortejo.

Quando Cronos usou a foice adamantina, foi-se a genitália de Urano, e deu-se o corte cronológico.
Abriu-se uma fissura entre passado e futuro, e como o tempo abre esse caminho, é um corte que abre e não sara. Sarando, seria o deserto estéril do fim temporal. Somos escravos de achar o futuro.

Cronos foi traído por Raia, talvez por engolir os filhos no passado. 
Ao tempo de Cronos, sucedeu o tempo de Zeus.
Cada um a seu Tempo, o tempo cronológico a Cronos, o tempo atmosférico a Zeus.
Da mãe Raia, Zeus herdou os Raios e as Rajadas. O outro tempo ficou nas Eras de Hera.
Se Cronos fizera o corte temporal, Raia definia o corte espacial, na fronteira raiana pelo corte geográfico, na linha do raio que cruza os céus, na direcção de rajada de vento, ou no abrir de rachas em rochas.
Se o corte temporal avança a passo ordenado, o corte espacial pode ser caótico, imprevisível.

A Raia colocam-se vários cenários temporais, que questionam a sua unidade.

(i) No primeiro cenário, o corte estava contido em si. A abertura caótica no mundo ordenado seria limitada a manifestações de leis físicas internas.
(ii) No segundo cenário, a evolução animal permitiu chegar aos limites do mundo ordenado, previsível, abrindo uma brecha que ia além do limitado. Com o Homem, as noções externas, abstractas, vindas do caos infinito, não presentes na natureza, podiam entrar e manifestar-se na ordem interna.
(iii) Essa abertura alargou, e o artificial humano passou de corte a cortina, ameaçando uma invasão externa do mundo interno. O homem na sua acção de erguer, erigir, deixa entrar o caos e ameaça o natural. 

Na sua escolha de cenários, Raia procura preservar-se.
A contenção do caos levaria a um mundo congelado na previsibilidade.
A abertura ao caos levaria a uma desordem completa, congelado por uma ausência de nexo.

A medida é o rio, de rir. É o caos, o absurdo, que alimenta a água desse rio, desse rir, mas deve estar contido nas margens. Porque, doutra forma, a abertura do estuário teme a entrada de um mar de caos.

Assim, Raia vê os diversos mundos, os diversos cortes do rio, e pode ser dominante nos mundos onde procura cortar o corte prepucial... mas esses são mundo congelados pela sua previsibilidade, onde o rio do caos secou, e já não há riso. Nos mundos onde o rio corre, onde deixa entrar o caos, vê-se como uma criança insegura, com medo da subida das águas.
Enquanto for Raia, pode ver todos os mundos possíveis, todos os cortes, todos os rios, até ter que embarcar num deles. Só aí será Maia. De entre todos os cortes, tem que escolher um, um rio que se mantenha rio, que não transborde, nem seque. Tem que se fiar que a garganta cavada por um fio de água sabe o caminho para o mar.

Povo que lavas no Rio. António Variações.

3 comentários:

  1. Lucio Fontana
    Una domanda sull'arte contemporanea. Perchè non capiamo?

    La Nazione, Florencia, 24 de junio de 1966


    Defiendo mis tajos

    El arte ha agotado su función social. Y esto no lo hemos querido nosotros, no lo ha querido "alguien": es el mundo que ha cambiado casi totalmente en nuestro siglo. Ha cambiado el concepto de dimension desde que el espacio ha llamado al hombre -este ser considerado la medida de todas las cosas- a tareas inusitadas. Y el hombre, hoy, vuela con técnicas nuevas que superan a las más encendidas fantasías de los años pasados, y alcanza otros cuerpos en el espacio e indaga en dimensiones hasta ahora no experimentadas. Y el mismo, probablemente, cambia o cambiará en su estructura afrontando nuevas tareas, para desempeñar nuevas funciones más que probables.

    El arte no puede no ir acompañado del devenir de estos fenómenos y se transforma en consecuencia. Quizás desbordará -si ya no ha superado las fronteras- en otras disciplinas; quizás ya no será arte. De todas formas ya es un hecho privado y niego de la manera más absoluta que alguna vez pueda haber sido o pueda ser un hecho popular. Por lo demás, que lo sea o no lo sea, no me interesa. Por esto afirmo el no ha lugar contra el arte contemporáneo por la imputación que se le quiere achacar. El público no puede comprender con inmediatez una expresión tan compleja de la sensibilidad del individuo. Nunca ha sido capaz. Basta pensar que hasta ciertas manifestaciones políticas son comprendidas después de cincuenta años; a veces se Ilega a conocer el significado de ciertas fórmulas elaboradas por científicos -y a usarlas- solo muchos años después de la desaparición de quien las elaboró. ¡Y, sin embargo, estamos en el campo de las ciencias exactas!

    En lo que me concierne personalmente, quiero subrayar que lo que hago no es precisamente pintura; es, en todo caso, una manifestación de arte plástica. ¿Los tajos y los agujeros? Ah sí, he aquí mi búsqueda más allá del plano usual del cuadro, hacia una nueva dimensión El espacio. Un gesto de ruptura con los límites impuestos por la costumbre, por los usos, por la tradición, pero -que sea claro- madurada en el honesto conocimiento de la tradición, en el uso académico del escalpelo, del lápiz, del pincel, del color. Hace tiempo, un cirujano que vino a mi estudio me dijo que "esos agujeros" los podía hacerlos el perfectamente. Le contesté que yo también se cortar una pierna, pero después el paciente muere. Si la corta el, en cambio, el asunto es distinto.
    Fundamentalmente distinto.

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    Só iria falar do corte mitológico... fui à procura duma ilustração de corte artístico, e dei com este texto de Lucio Fontana. (disponível em http://www.artemercosur.org.uy/fontana/ )
    Por isso, foi Lucio Fontana que ao defender os seus Tajos, os seus cortes, trouxe à minha atenção, quase 50 anos depois, que o Tejo era um corte.

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  2. Muito interessante... ainda é um corte profundo na paisagem e serve simultaneamente de raia entre povos e geografias diferentes (apesar das pontes, estradas e da ansia de globalizar tudo e todos, ou seja, não permitir a existência de cortes e raias - já as cortes e a raia miúda são outra história ou estórias).
    E quanto aos cortes de Lúcio... raios partam a arte contemporânea! ;-)

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    Respostas
    1. E eu a chamar "criança" à Raia... claro que é "miúda" - "a Raia miúda".
      Obrigado, Amélia.
      Às vezes a língua dá ajudas, que estão prontas a aparecer, e esquecemo-nos delas.

      Pois, a diferença não é um mal, é uma necessidade de diversidade, para evitar o congelamento em doutrinas unificadoras.
      A única coisa que nos une é a razão, o racional, o acordar para o acordar.
      Tudo o resto são diferenças culturais para saborear, com tolerância (que é como quem diz, "tu: ler ânsia"... ou seja, ler a ansiedade dos outros).

      Pois, a arte foi até certo ponto bem comportada pela imitação da ordem da natureza, até que começou a libertar-se dessa ordem, com pequenas invenções místicas ou surreais. Libertava-se da composição real, mas continuava presa às técnicas de pintura, herdadas da realidade. O unicórnio não deixava de ser um cavalo na sua essência.
      A arte moderna quis libertar-se ainda dessa ordem da técnica do real, aceitou o convite do caos, e mergulhou sem limites. O limite era a imaginação.
      E a imaginação sobre a tela esgotou-se... porque o caos sem regras é só caos.
      Restou o simbolismo - nada na pintura, tudo na cabeça. Cabeça pobre, tela pobre... cabeça rica, tela rica. Com medo da pobre cabeça, muitos acenam à riqueza da tela.
      Vêm tudo no nada, com a mesma facilidade que dizem que tudo é nada.
      Porém, e porque as coisas têm sempre razão de ser, essa razão aparece... em qualquer detalhe. Pode não ser hoje, nem amanhã, mas está lá porque devia estar.

      Dito isto, os seus raios nos coriscos (co-riscos) de Raia, caíram que nem uma luva.

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