Páginas

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Nebulosidades Auditivas (10)

The ancient sages said: 
"do not despise the snake for having no horns, for who is to say it will not become a dragon?"
So, may one just man become an army. 
Li Chung, o Justiceiro (The Water Margin)

Nearly a thousand years ago in ancient China, at the time of the Sung dynasty, there was a cruel and corrupt government. These men riding are outlaws - heroes - who have been driven to live in the Water Margins of Liang Shan Po, far to the south of the capital city. Each fights tyranny with a price on his head, in a world very different from our own. The story starts in legend even then - for our heroes, it was said, were perhaps the souls reborn of other, earlier knights...

Sandokan
Houve um tempo em que foi criada uma cultura comum em Portugal. A monolítica RTP impunha isso.
Poderia ver-se ou não televisão, mas quem via, via o mesmo. Desde 1957 até 1992 foi assim, e o que "dava na televisão" era uma cultura comum, só perturbada pela recepção satélite, já muito no final dos anos 80 (por exemplo, a Eurosport só começa em 1989).
Se o monolitismo era uma desvantagem, foi criada uma base cultural comum.
Passaria pela cabeça de alguém o vizinho nunca ter ouvido falar de Sandokan, o Tigre da Malásia?
Kabir Bedi, o actor indiano de Bollywood escolhido pela RAI para Sandokan.

Há pouco tempo falava-se da Irlanda como "Tigre Celta", dado o seu florescimento económico, antes do colapso de 2009... mas para uma geração, o Tigre era da Malásia, e era Sandokan, o personagem de Emilio Salgari, pirata de barcos e não de aviões, reavivado pela RAI numa série com imenso sucesso popular.

Hoje em dia, o Sandokan poderia dar no AXN, na Fox, ou num dos múltiplos canais de cabo... cada qual vê o que quer, o que é bom, mas perde-se a ligação aos outros, por via de uma cultura comum.

Lagardère
Essa cultura comum criava expressões que ainda hoje se usam, por exemplo - "foi feito à Lagardère".
A série francesa, com o espadachim Lagardère, foi um exemplo de grande sucesso que talhou expressões dificilmente entendíveis pelas novas gerações. Percebem, pelo contexto... 
Porém, se a expressão se mantiver, será que daqui a umas décadas não é mais natural o nome ser associado a Jean Luc Lagardère, industrial da empresa militar Matra, que "subiu à Lagardère" e morreu estranhamente, quando se investigavam ligações ao 9/11. Ou entre nós, será associado a Lagarde do FMI?
As associações são assim um entendimento comum, próprio de uma época, e nem sempre passado do passado para um presente. Podem facilmente prestar-se a confusões, mas também essas confusões podem ser meias verdades. Se alguém disser que a referência a Lagardère é de uma peça "O Corcunda" (Bossu) de Paul Féval (1858), está certo, mas não será compreendido por quem sabe que a ligação vem da série passada na RTP no início dos anos 70, e desconhece que essa série se inspirava por sua vez nos folhetins de Paul Féval.
Ilustração do romance "Bossu", com Lagardère.

Por isso, haverá muitas associações que aqui escrevo que podem ser consideradas à Lagardère... ou seja, um conhecimento parcial da conexão não pode inibir outro tipo de conexões. Não há conhecimento para as refutar, e por isso não devem ser consideradas como certas ou erradas, uma tentação simplista inquisidora, mas devem ser simplesmente vistas pelo nexo que podem exibir.

Nexo do Ó
Dou o exemplo com a própria palavra "nexo"...
A etimologia conhecida é interessante e está aqui, remete a nexum, de ligar ou atar, e remete ainda ao nó, nodus, que teria raiz indo-europeia em "ned", com o mesmo significado de atar.
Isso é uma explicação, muito boa. 
Porém, ao olhar para "n-exo" vejo imediatamente a negação de "exo", do exterior.
Assim, à Lagardère, faço a associação de que "nexo" nega o externo... invoca uma ligação interna, do próprio, do grupo, da comunidade. 
Uma não anula a outra, aliás complementam-se.
Quando se invoca o externo, desconhecido, não se produz nenhum nexo. O nexo é interno para poder ser explicado aos outros, e não se resumir a uma experiência individual, que envolve o inexplicável.
Plicar é pôr entre plicas, entre pregas, enquanto explicar é atirar fora essas plicas.
Por isso há uma diferença entre pregar e explicar. Num caso pretende-se cravar com um prego, enquanto no outro se tiram os pregos da palavra e se procura abri-la à compreensão.
Mais, o "n" não deve ser associado apenas à negação, foi usado na contracção, por exemplo "em o" passou a "no". Assim, o nexo está no exterior, é a nossa construção do exterior, mas é feita de dentro para fora... sob pena de nos colocarmos nós de fora.

Por outro lado, quando temos "nós" e não "nodos", vemos que a raiz indo-europeia passou entre nós mais para "nódoa". Somos nós, mas não estamos atados. A primeira pessoa do plural é nós, mas a primeira pessoa do singular não é nó... isso seria uma nódoa.
A nossa língua é tão primeva que aponta o simples Ó como sinónimo da gravidez (caso das invocações à Nossa Senhora do Ó). O nó do cordão umbilical, fim do Ó, terá sido o primeiro NÓ, e os que tinham esse cordão umbilical atado, saídos do ÓS, eram os NÓS. 
Por isso cada um dos nós ficou solto... mas tem um útero comum - a Terra, que delegou uma parte do crescimento num útero das suas filhas mães, até que estivessem prontos para o universo-terrestre, ou seja um U-Terra, u-tera, utero... E se a Terra armazenou Gigabytes de informação no DNA, acima disso temos os Terabytes - e esses Terra-bytes informativos já não estão no DNA, estão em nós - nos nós saídos dos Ós, que não se fecharam num O e começaram a definir o U pela linguagem. 
As borboletas parece que já sabem disso.

Li Chung
Bom, mas alongo-me sempre.
Voltamos a Li Chung.
Não perdia um episódio... e apesar de já não me lembrar de nenhum, a música de Masuru Sato ainda me tocou, e por isso fica classificada mais pelo lado sonoro.
Também não tinha esquecido as figuras algo atrozes, dos textos antigos chineses, que mostravam temíveis barbudos, vistos na introdução. Lembrei-me disso, pela referência que o José Manuel fez à figura peluda que aparece num prato de D. Manuel, sobre os povos do mundo:
... não sei se o barrete é frígio, ou se tem apenas dois dedos, ou se está a fazer um sinal, hoje muito corrente, e que representa vulgarmente "uns cornos". A existência de homens peludos não é estranha, é muito mais estranho não termos pêlos! Sobre isso já falei, remetendo a possível ligação às ilhas oceânicas. Os haplogrupos parentes do R, ou seja N, O, Q, são mais imberbes que os europeus... o que pode indiciar a tal mistura que se foi dar na Europa.

A história reportada a Li Chung é da Dinastia Song, que tanto passa por ter um florescimento cultural na sua capital Kaifeng, ao longo dos séculos X a XIII, como depois sofre uma degradação acentuada, pelo poder que os funcionários burocratas exerciam localmente, fora do controlo central.
É aí que entra Li Chung e os 108 espíritos rebeldes que vão ficar à margem, na margem do rio Lian Shan Po. A história de "Water Margin" faz parte de 4 contos essenciais da literatura chinesa, mas a série televisiva é de origem nipónica, ainda que filmada na China.

Há um ponto importante, pois podemos ver que esse florescimento da Dinastia Song tem um toque hindú, budista. Mais, atraiu muçulmanos (havia mesquita em Kaifeng) e atraiu judeus (havia sinagoga em Kaifeng). Por isso, muitos séculos antes dos descobrimentos, as comunidades judaicas e muçulmanas iam da China a Portugal. O pretenso afastamento oriente-ocidente não seria mais do que uma imposição que servia intermediários. Apesar do desenvolvimento técnico, nomeadamente em armas de fogo, com a invenção da pólvora, a Dinastia Song é travada pelos burocratas e pelos cavaleiros mongóis de Genghis e Kublai Khan... e é nessa altura que recebe Marco Polo, vindo de Veneza.

O que me interessa mais é que como adolescente me identificava perfeitamente com os heróis de uma cultura estranha, que deixava de ser estranha por essa abertura cultural que se deu nos anos 70. Já não havia índios e cowboys da infância, apenas chineses, mas havia uns maus e outros bons... e nada tinha a ver com a cultura, pois isso eram valores humanos universais. Simples.

Kung Fu
Houve uma abertura a oriente, passavam a ser moda as artes marciais, Bruce Lee foi um ídolo de uma geração, e houve também uma série marcante - Kung Fu.
Kung Fu (com David Carradine) - (Kung Fu Tao)

Em Kung Fu, muitos poderiam fixar-se nas cenas marciais, e certamente esse era um lado popular, mas também alguma sabedoria oriental dos monges de Shaolin ficava ao alcance da população.
Uma filosofia que ao invés de se esconder em intragáveis definições feitas nas universidades ocidentais, procurava despertar questões complexas de forma simples.
Não sei se ficou alguma coisa, mas revendo o vídeo parece-me que sim...

Um último detalhe, e que é importante, quando se começa a prestar atenção aos detalhes da natureza que, conforme é dito pelos monges de Shaolin, exibe harmonia. Quanto mais se entendem as harmonias, os detalhes, tudo começa a parecer relacionar-se... e pode parecer bom conseguir ouvir o inaudível, mas também é bom o silêncio. Por isso, em certas alturas, já tive que ouvir música em línguas desconhecidas, simplesmente porque é preciso desligar as conexões. O simples silêncio não serve porque nos remete aos nossos pensamentos, é mesmo preciso o caos exterior para que se recupere o necessário silêncio interior.

1 comentário:

  1. Relógio de parede na Bíblia dos Jerónimos para D. Manuel

    http://4.bp.blogspot.com/-i_XO5xRdZWQ/U3qjne0QedI/AAAAAAAAAxY/xrsQMpTcBU8/s1600/Rel%C3%B3gio+de+Parede+na+B%C3%ADblia+dos+Jer%C3%B3nimos+para+D.+Manuel.JPG

    Bons relembra momentos, cumprimentos, José Manuel CH-GE


    ResponderEliminar