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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Paradoxo do Pensador

Há alguns paradoxos que fizeram história, e outros que simplesmente não se encontram escritos.
Os paradoxos mais famosos talvez sejam os de Zenão, que têm 2500 anos... e dizem respeito à noção de inifinito, e à sua relação com o espaço e o tempo. Após discussões milenares, a reintrodução da análise infinitesimal e a sua formalização, no final do Séc. XIX, vieram colocar algum descanso nos seguidores de Heraclito... a "flecha podia mover-se", e "Aquiles poderia apanhar a tartaruga"! Não deixa de ser interessante ver regressar o problema na teoria quântica, no Efeito de Zenão Quântico, que basicamente revela que a observação sucessiva de um sistema faz com que ele não se mova. O assunto aqui não é um paradoxo físico, será mais um paradoxo cognitivo.

Um paradoxo cognitivo simples de exemplificar é o "paradoxo do mentiroso"... já que ao ler-se "Esta frase é falsa!" pode cair-se na diferença entre o conteúdo e a interpretação. Quando lê o conteúdo o receptor assume que se trata de uma verdade, e depois de a interpretar é revelado ser falsa. Portanto, se voltar a lê-la, pode usar a prévia interpretação e cairá na aparente contradição repetidamente. 
Algo semelhante pode ser encontrado na frase de Sócrates - "só sei que nada sei"... pois não sabendo nada, nem isso poderia saber. Isto apenas mostra a flexibilidade da retórica, que pode simular paradoxos, misturando leitura com releitura. Na primeira leitura vamos ser informados de que o único saber de Sócrates é "nada saber", mas depois se interpretarmos, vêmos que nem essa frase Sócrates sabe... e por isso coloca-se apenas na posição de dúvida total, admitindo implicitamente que poderá saber, mas "não sabe se sabe"... Alternativamente, poderia ter dito "não sei se é verdade o que sei", mas a frase escolhida transmite ainda uma ideia de humildade, que terá ficado bem na "fotografia dos tempos".

Mais interessante é considerar o conhecimento e os seus limites.
Através do trabalho de Gödel, em 1930, ficou claro que há afirmações (proposições) que não podem ser provadas se são ou não verdade. Partindo de um número finito de verdades (axiomas que não questionamos), haverá verdades que escapam a uma prova por dedução lógica, partindo das iniciais. Baseado nos resultados de Cantor, este teorema de incompletude terminou com escolas de pensamento matemático do início do Séc. XX, de Russell e Hilbert.
O resultado foi mais "dramático" no sentido em que reduziu a pretensão do conhecimento humano e as aspirações ao infinito do que é finito. A hipótese do contínuo é uma das afirmações que não pode ser provada ou negada, partindo dos axiomas habituais...

Paradoxo do Pensador
Podemos entender que pelo pensar há uma evolução do que se conhece, entre o instante antes de pensar, e o posterior a esse pensamento. A questão que se levanta - ou melhor, que aqui já levantei - é a de se saber se o pensador controla ou não esse pensamento. Já respondi que não... mas vamos concretizar, para além das evidências óbvias que enumerei - o não saber o que se sonha, como ou porquê "o próprio" gerou esses sonhos, ou tão simplesmente não conseguirmos evitar que certos pensamentos nos ocorram.
(GG, 2005)


Qual então o paradoxo do pensamento?
É semelhante à questão do calcanhar de Aquiles...
O observador coloca-se sempre numa posição de raciocínio externo ao que observa. Assim, não faz parte do que vê. Forma ideias sobre o que observa, mas não se observa a si mesmo. Para se observar a si mesmo, teria que se colocar como externo ao seu pensamento - é aí que surge a contradição. Poderia considerar-se que o infinito resolveria esse problema... mas é indiferente.
Tétis também precisou de pegar nalgum ponto de Aquiles para o submergir na invulnerabilidade do Rio Estige, no caso foi o calcanhar.
Aqui, a vulnerabidade do pensamento é criar a ilusão de que é interno. Definimo-nos pelo pensamento, mas este não é definido por nós.

É definido por quem? - é indiferente, é-nos externo, e será externo a quem julga que o define, se for pensante.
É externo ao próprio, mas está dentro do Universo que o influencia... da mesma forma que o próprio se pode ver como externo ao que influencia. Estabelece-se assim uma dualidade, entre o próprio e o seu exterior, de forma inseparável.
No fundo esta relação primeva pode ser encontrada numa separação cartesiana entre o "eu" e o "não-eu", entre o observador e o observado. Esta relação não pode ser trivial, sob pena de previsibilidade total... um excessivo controlo e omnisciência do "eu" levaria a essa trivialidade.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Vera

Podemos colocar-nos numa situação antiga, muito antiga... onde uma comunidade humana acabava de adquirir a capacidade de comunicação entre si, e dividir tarefas de partilha. Numa fase inicial podemos assumir que essa linguagem reflectia uma representação de realidades partilhadas entre os membros.
A certo instante, pode ter-se dado uma cisão... ou de-cisão, de um membro, ou grupo de membros, de transmitir informação errada! Porquê? - A razão primordial mais bela, para esta estória, é o amor...
Suponhamos que um grupo de caçadores partia e se deparava com uma realidade assustadora... quereria partilhar o pânico com os seus filhos, ou decidiria poupá-los a essa informação, que os assustaria? - a decisão de comunicação ficaria para uma idade posterior. Mas poderiam também começar aí as proibições injustificadas... as crianças não poderiam afastar-se, pelo risco iminente que lhes era ocultado. A certa altura, mais tarde, enquanto adultos, receberiam a devida informação? - pode ter sido essa a intenção inicial, mas as coisas podem ter-se complicado.
O mesmo grupo de caçadores poderia regressar com toda a caçada, mas também poderia reservar/esconder alguma para si... mais uma vez poderia haver uma boa intenção inicial - para evitar que tudo fosse consumido, sem planeamento. No entanto, estes processos uma vez iniciados levam a uma quebra de confiança... cuja justificação se torna cada vez mais difícil, e aceitável pelos que foram enganados.

Este processo simples e casual, como acabamos de descrever, leva a uma cisão profunda - criam-se duas (ou mais) realidades. Os detentores da informação sentem um poder inicial, o poder de transmitir uma realidade distinta da que conhecem... o poder da mentira. Se os outros forem levados a acreditar numa certa realidade, até que as evidências o desmintam, essa será a única realidade que conhecerão, como consequência da sua boa fé. Se tiverem "bons" motivos, e justificação compreensível para essa ocultação de informação, podem esperar atenuar as reacções.
No entanto, é claro que no embate entre uma realidade fabricada e a realidade percepcionada há um desequilíbrio que mais tarde ou mais cedo criará brechas na fábrica e no fabricante.

A situação de desequilíbrio manifesta-se de várias formas, começando pelo desajustamento da noção de Verdade. A Verdade deixa de estar ligada a uma realidade primeva, e passa a ser uma "verdade social" fabricada... e sobre a relação entre as duas passará a haver muitas "verdades intermédias" consoante o nível de conhecimento dos "factos" que se pretende reportar. Haverá quem seja levado sem perceber a fabricação, agindo dando crédito aos emissores, e haverá quem perceba e esteja consciente de alguma parte da fabricação. 
A "verdade social" mede-se pelo contexto social em que os próprios estão sujeitos... se milhares de pessoas afirmarem que um painel é branco, muito dificilmente haverá uma voz a dizer que o painel é preto - ainda que o veja... sob o risco de ser considerado anormal. Deverá compreender o que se passa, perceber onde está o problema... e agir em conformidade, dentro das suas possibilidades e contexto.

A fabricação de realidade alternativa tanto pode ser um sonho como um pesadelo. Essa capacidade intrínseca que acabou por se desenvolver dentro do cérebro humano, e que simula uma outra realidade (ou interpretação dela), é também responsável pela arte, seja pelo espectáculo, seja pela literatura... leva-nos para mundos alternativos na imaginação. Castrar o ser humano de tal capacidade seria reduzi-lo a uma dimensão pobre, e certamente não teria potenciado este seu desenvolvimento. 
O Homem tem assim capacidade de criar realidades diferentes daquela que presencia, com uma potência infindável, mas estará a caminhar para uma situação de profundo desequilíbrio se pretender que essa fabricação poderá definitivamente ocultar a outra realidade - que o remete aos outros, e à sua  reflexão em si. O caminho do desequilíbrio constante, e sem fim à vista, poderá levar a uma situação de caos irrecuperável, por confrontação com a realidade primeva, que nos definiu e que se sobreporá. Um estado de desequilíbrio perene não é um estado de equilíbrio...

Consoante o conhecimento adquirido, há acções que conduzem a uma reposição do equilíbrio, depois do acentuado desequilíbrio... essas acções são individuais e cada um pode ser agente no sentido de repor o equilíbrio - em sentido inverso, desconstruindo por forma semelhante à construção... sem desnecessários sobressaltos (que poderiam levar a adicionais desequilíbrios).  Perante diferentes estados de conhecimento, os agentes de equilíbrio definem-se pelas acções que conduzirão a esse equilíbrio... que será necessariamente um equilíbrio dinâmico.
A dinâmica e o equilíbrio não se irá esgotar nos seus intervenientes actuais... mas começará certamente pelas acções desses!
A balança, a libra, é ainda raiz da libredade... uma liberdade consciente do equilíbrio em jogo, acessível a todos os seres pensantes, com o devido estímulo educacional.

Este é um texto que começa e que se relaciona com a noção de amor, com a necessidade de dar tudo, pedindo em troca apenas a reflexão... será esse o nosso papel construtivo no sentido do equilíbrio.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Cores (3)

Na sequência iniciada aqui, e atendendo aos 3 níveis explícitos no texto Sapiens Sapiens, temos uma antiga libra:

A refracção da luz foi estudada por Newton, que clarificou a dispersão da luz branca, no prisma
ficando assim clara a decomposição que também é visível no arco-íris
(efeito da refracção numa "gota de água")

Esta explicação que trouxe luz a uma antiga questão física, teve ainda interpretações metafísicas (John Locke). As cores há muito que tinham ainda um significado simbólico, cujo aspecto político mais explícito terá sido colocado na Revolta de Nika.

Para além de todas as variantes concorrentes, colocando mais ou menos luz sobre o assunto, na divisão sobre as três estruturas, parece-me indicado considerar o vermelho como respeitante aos homens, um animal sapiens, o verde para os restantes animais (não sapiens), enquanto que o azul será para toda a parte não animal, sem dúvida a mais vasta, e que suporta as anteriores.

A divisão triangular, com 3 cores base (RGB), nada tem a ver com o triângulo de cores. Tem aqui a ordem que sai da refracção prismática, e não poderia estar proporcional (para isso, a parte não animal deixaria as restantes como um simples ponto), estabelecendo-se a descontinuidade nos três estados de consciência.
Se o prisma estabelece uma hierarquia que vai do vermelho ao violeta, fica evidente no círculo cromático (no outro lado da balança) que essa diferença se pode dissipar numa continuidade.
Colour Wheel e correspondente no espectro visível
(o rosa e o púrpura não aparecem como cores do arco-íris)
(no nosso caso, consideramos uma progressão da saturação 
inversa - não dirigida a um centro, mas sim ao exterior)

A provar que a questão das cores não foi apenas um assunto técnico, Goethe escreveu uma Teoria das Cores, onde apresentou a sua roda:
Goethe decidiu classificar as cores com outros atributos... do belo vermelho, passando por um nobre laranja, um amarelo bom, um verde útil, até um azul mau e um violeta desnecessário!
É habitual dizer-se que "cores não se discutem", resta perceber em que contexto isso se diz...
A opção entre pirâmides e rodas é até constatável na alimentação... com a apresentação da pirâmide alimentar ou com a alternativa roda dos alimentos (que terá caído em desuso).

Como é mais ou menos óbvio, do topo da pirâmide, a estrutura pensante (o Homem) decide considerar que tudo o que está abaixo está à sua disposição e serviço. Do ponto de vista puramente materialista, essa estrutura irá porém desagrupar-se, pela sua morte, e o homem regressará ao imenso reino não animal.

O refúgio do ego é normalmente admitir que a Fortuna reservou para o próprio uma sorte diferente.
Apesar de mudarem os tempos, não mudam as vontades... e a vontade dificilmente será um equilíbrio dinâmico, a vontade é sempre colocada em termos da singularidade e do desequilíbrio, donde o próprio emergiu abençoado pelo acaso das circunstâncias. Nessa perspectiva, o ego está demasiado preocupado em justificar a sua singularidade nalguns actos, para sequer admitir ser fruto de uma sucessão de "acasos", que não controlou... começando pelo nascimento e contexto circundante.

Na realidade, nem tem controlo sobre si próprio... seja pelo simples facto de não saber se vai sonhar ou não, nem tão pouco saber o que vai pensar, ou por que razão o pensou! Aí, apesar de tudo parecer fruto do acaso, o próprio assume como pertença sua um acaso que não controla!

O panteão de divindades foi assim substituído por uma única deusa - a Fortuna. A maior parte do discurso simplesmente substituiu a noção de um Deus providencial, por um simples acaso. A diferença é mínima, apenas mudam os nomes, mas é máxima... aumenta a inconsciência da ignorância, e também aumenta o desconforto pessoal. Esse desconforto ocorre pelo Homem não se assumir como é, mas sim por um constante e insaciável desejo de controlar o incontrolável... ou seja, tudo. O próprio fica assim numa eterna dívida para com as suas aspirações, e verá os restantes homens como ameaças para as mesmas aspirações.