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terça-feira, 9 de agosto de 2011

Vera

Podemos colocar-nos numa situação antiga, muito antiga... onde uma comunidade humana acabava de adquirir a capacidade de comunicação entre si, e dividir tarefas de partilha. Numa fase inicial podemos assumir que essa linguagem reflectia uma representação de realidades partilhadas entre os membros.
A certo instante, pode ter-se dado uma cisão... ou de-cisão, de um membro, ou grupo de membros, de transmitir informação errada! Porquê? - A razão primordial mais bela, para esta estória, é o amor...
Suponhamos que um grupo de caçadores partia e se deparava com uma realidade assustadora... quereria partilhar o pânico com os seus filhos, ou decidiria poupá-los a essa informação, que os assustaria? - a decisão de comunicação ficaria para uma idade posterior. Mas poderiam também começar aí as proibições injustificadas... as crianças não poderiam afastar-se, pelo risco iminente que lhes era ocultado. A certa altura, mais tarde, enquanto adultos, receberiam a devida informação? - pode ter sido essa a intenção inicial, mas as coisas podem ter-se complicado.
O mesmo grupo de caçadores poderia regressar com toda a caçada, mas também poderia reservar/esconder alguma para si... mais uma vez poderia haver uma boa intenção inicial - para evitar que tudo fosse consumido, sem planeamento. No entanto, estes processos uma vez iniciados levam a uma quebra de confiança... cuja justificação se torna cada vez mais difícil, e aceitável pelos que foram enganados.

Este processo simples e casual, como acabamos de descrever, leva a uma cisão profunda - criam-se duas (ou mais) realidades. Os detentores da informação sentem um poder inicial, o poder de transmitir uma realidade distinta da que conhecem... o poder da mentira. Se os outros forem levados a acreditar numa certa realidade, até que as evidências o desmintam, essa será a única realidade que conhecerão, como consequência da sua boa fé. Se tiverem "bons" motivos, e justificação compreensível para essa ocultação de informação, podem esperar atenuar as reacções.
No entanto, é claro que no embate entre uma realidade fabricada e a realidade percepcionada há um desequilíbrio que mais tarde ou mais cedo criará brechas na fábrica e no fabricante.

A situação de desequilíbrio manifesta-se de várias formas, começando pelo desajustamento da noção de Verdade. A Verdade deixa de estar ligada a uma realidade primeva, e passa a ser uma "verdade social" fabricada... e sobre a relação entre as duas passará a haver muitas "verdades intermédias" consoante o nível de conhecimento dos "factos" que se pretende reportar. Haverá quem seja levado sem perceber a fabricação, agindo dando crédito aos emissores, e haverá quem perceba e esteja consciente de alguma parte da fabricação. 
A "verdade social" mede-se pelo contexto social em que os próprios estão sujeitos... se milhares de pessoas afirmarem que um painel é branco, muito dificilmente haverá uma voz a dizer que o painel é preto - ainda que o veja... sob o risco de ser considerado anormal. Deverá compreender o que se passa, perceber onde está o problema... e agir em conformidade, dentro das suas possibilidades e contexto.

A fabricação de realidade alternativa tanto pode ser um sonho como um pesadelo. Essa capacidade intrínseca que acabou por se desenvolver dentro do cérebro humano, e que simula uma outra realidade (ou interpretação dela), é também responsável pela arte, seja pelo espectáculo, seja pela literatura... leva-nos para mundos alternativos na imaginação. Castrar o ser humano de tal capacidade seria reduzi-lo a uma dimensão pobre, e certamente não teria potenciado este seu desenvolvimento. 
O Homem tem assim capacidade de criar realidades diferentes daquela que presencia, com uma potência infindável, mas estará a caminhar para uma situação de profundo desequilíbrio se pretender que essa fabricação poderá definitivamente ocultar a outra realidade - que o remete aos outros, e à sua  reflexão em si. O caminho do desequilíbrio constante, e sem fim à vista, poderá levar a uma situação de caos irrecuperável, por confrontação com a realidade primeva, que nos definiu e que se sobreporá. Um estado de desequilíbrio perene não é um estado de equilíbrio...

Consoante o conhecimento adquirido, há acções que conduzem a uma reposição do equilíbrio, depois do acentuado desequilíbrio... essas acções são individuais e cada um pode ser agente no sentido de repor o equilíbrio - em sentido inverso, desconstruindo por forma semelhante à construção... sem desnecessários sobressaltos (que poderiam levar a adicionais desequilíbrios).  Perante diferentes estados de conhecimento, os agentes de equilíbrio definem-se pelas acções que conduzirão a esse equilíbrio... que será necessariamente um equilíbrio dinâmico.
A dinâmica e o equilíbrio não se irá esgotar nos seus intervenientes actuais... mas começará certamente pelas acções desses!
A balança, a libra, é ainda raiz da libredade... uma liberdade consciente do equilíbrio em jogo, acessível a todos os seres pensantes, com o devido estímulo educacional.

Este é um texto que começa e que se relaciona com a noção de amor, com a necessidade de dar tudo, pedindo em troca apenas a reflexão... será esse o nosso papel construtivo no sentido do equilíbrio.

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