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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Giroflé, Girofla

Giroflé-Girofla é uma ópera bufa (com tudo o que o cómico pode delatar) de 1874 de Charles Lecocq.
No enredo temos um Don Bolero com dificuldades financeiras, que procura contornar com a ajuda da esposa Aurora, casando por conveniência as filhas gémeas: Giroflé e Girofla. Casam-se com os credores do pai - um rico comerciante, e um chefe mouro, que o ameaçara de morte. Porém, com o rapto de uma delas, a outra vê-se numa situação cómica de ubiquidade, procurando substituir a irmã, para que o marido dela, líder mouro, não note a sua ausência.

Giroflée-Girofla é ainda uma canção de denúncia e resistência contra a subida de Hitler ao poder, composta em 1937.
Que tu as la maison douce
Giroflée Girofla
L'herbe y croît, les fleurs y poussent
Le printemps est là.
Dans la nuit qui devient rousse
Giroflée Girofla
L'avion la brûlera. (...)
Giroflé-Giroflá é finalmente mais conhecida como canção infantil. A letra francesa é razoavelmente diferente, próxima do enredo da ópera. No caso português ficou limitada ao jardim Celeste e à busca da Rosa.

Bom... e o que é afinal o Giroflé?
Cravo - especiaria (Girofle, em francês) 

Vendo as coisas a esta distância, talvez isto fosse um post mais apropriado para o 25 de Abril... no entanto há coisas que aparecem nos nossos espíritos, por santas campanhas repetitivas que soam como campaínhas.

A ópera de Lecocq poderia reflectir uma dualidade francesa na partilha colonial do mundo que ocorreria na conferência de Berlim, dez anos mais tarde (1884). Os intervenientes em dívida, e a contemplar no casamento poderiam bem incluir um rico comerciante europeu e um chefe mouro... o Giroflé, esse vem ainda hoje de Madagascar. Porém, Don Bolero, era claramente  um personagem espanhol.

Depois, para além da posição ambígua tomada aquando da ascensão de Hitler, a simples transcrição da canção infantil para o caso português terá sido simples e fortuita... é óbvio que o cravo com se quis marcar a revolução de 25 de Abril nada a tinha a ver com especiarias, nem a canção se chamava Oeillet, Oeillat...

O cravo, cujo nome vulgar é ainda Oeillet Giroflé, era cantado pelas crianças, ainda antes de 1974 (data em que a ópera fazia cem anos).
Uma pequena manifestação subtil de coordenação de vontades, para além da vontade reinante...
Não indiciando certamente nenhum prelúdio de acontecimento, que registo ficou desta admirável coincidência?
Passado pouco tempo, outra palavra "o crava" entrou rapidamente no jargão, e em espírito irónico falava-se na "revolução dos cravas". Uma simples mudança no final... Girofle, Girofla!

E em tempo de cravas, continuaremos a ouvir as crianças a cantar:
Giroflé, Giroflá... o que foste lá fazer? Fui lá buscar uma rosa...

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