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quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Erro de gramar com gramáticos

Existe um portal semi-académico chamado Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, que é uma iniciativa interessante, no sentido do esclarecimento de eventuais dúvidas de escrita, mas que estando ligado à novilíngua do pseudo-Acordo de 1990, tem os efeitos e defeitos expectáveis, e outros... 

Apesar de ir criticar o referido portal, a que nunca recorri, devo notar que há boas respostas, algumas excelentes, bem como outras, piores que medíocres. Mas, no computo geral, é um bom "portal".

Na escrita, há de facto erros visíveis, mas outros destinam-se somente a ganha-pão institucional.

Se escrever "à de facto" é um erro, escrever "sómente" é apenas estilo. Se é estilo fora-de-moda, ou não, é indiferente. Que aos petizes se ensine uma só forma, acho apropriado, mas que se diga que um estilo está "errado" só por estar fora-de-moda, só interessa mesmo a quem não tem mais nada para fazer.

O ponto principal e único, é que a língua deve servir à comunicação, e não à profissão. 
Normalizar é importante, mas isso não deve ser confundido com corrigir "erros".
Podemos pensar se devemos usar "à" ou "há", e isso pode levar a erros, porque o nosso raciocínio está adaptado à forma vocal e não à forma escrita. E a razão é simples, aprendemos primeiro a falar, e só depois a escrever. É muito mais raro ver erros no discurso falado do que no discurso escrito. A maior parte dos "erros" apontados aparece na escrita.

Vou comentar "erros" de exemplos de erros do "Glossário de Erros" que começa com a letra "A".

  • "A personagem". Pretendeu-se copiar o tratamento de "a pessoa", mas não pegou! Ninguém diz "o pessoa", mas é prática assente dizer-se "o personagem". Já será menos normalizado dizer "os personagens", excepto se forem todos masculinos, já que o normal, sendo o género indefinido, será "a personagem" e "as personagens". Os links que aí se remetem mostram uma total confusão dos "burocratas de serviço", que ora concordam, ora discordam.
  • "Acerca". Dizem que não é "àcerca"... e é claro que se normalizou "acerca", mas apenas por simplificação. A origem da palavra resulta de estar "a cercar", de estar à cerca, à volta, de um assunto. Não é erro escrever-se "àcerca" é apenas uma questão de estilo fora-de-moda.
  • "Açoriano". Dizem que não é "açoreano"... porque se convencionou usar a ligação com "i", mas isso é apenas isso, uma pretensa convenção imposta, que não se nota no discurso falado. Aqui é especialmente engraçado ver-se que a língua falada pode alterar a escrita... mas o uso habitual escrito, esse não pode mudar a escrita. Se isto faz algum sentido, vou ali e já venho. Seja como for existem empresas que ainda usam a forma antiga como a "Açoreana Seguros
  • "Aderência". Não é a mesma palavra que "adesão", certo, mas é sinónimo, a menos de miopia grave. Restringir noções abstractas a uma aplicação restrita é miopia, ou em situação mais grave, cegueira. Poderia ser útil fazer a distinção entre aderência à estrada e adesão a um ideal, mas não é! Apenas limita a visão de que o significado abstracto é o mesmo.
  • "ADN"... e não DNA? Habitualmente ADN pode significar ácido desoxirribonucleico, mas a forma DNA sem qualquer menção, refere-se à mesma noção em inglês. Não tem as palavras inglesas associadas, por isso nunca pode estar errado referi-la, nem se pode argumentar que três letras DNA "estão em inglês". Quando se usa a menção a ecrã LCD ou ecrã LED, ninguém vai falar num ecrã ECL ou num ecrã DEL, porque o vendedor nem saberia do que estavam a falar, nem imaginando que tinham traduzido as iniciais para a ordem portuguesa. Quando estamos sob pressão de uma tecnologia que é alheia, é bom não inventar em demasia. Num sentido e no outro. Poderia ter-se usado a tempo "mercadologia" para "marketing", mas actualmente deve-se tomar a palavra inglesa, na pronúncia inglesa, pondo eventualmente em itálico, se se der ao trabalhing. Isto porque a selva de jargão inglês entrou sem pedir licensing:
  • "Aero". Diz-se que é um prefixo que nunca se usa com hífen, e as regras para utilização de hífen são inúmeras... Mais uma vez é uma completa perda de tempo meter aqui regras ou dar-lhes atenção. Quem escreve deve ter em atenção se o receptor entende. Ao escrever "aero-porto", está obviamente a sugerir algo diferente de um "aeroporto", mas se escrever "aero-transportado" ou "aerotransportado" é naturalmente entendido da mesma forma. Não há erro nenhum, é apenas uma questão de estilo, se escrever "aero-transportado".
  • "Afim". Nota-se que é diferente de "a fim". Neste caso há efectivamente um erro, e ao escrever "Foi a fim disso."  ou "Foi afim disso.", deve ter em atenção pode substituir "a fim" por "com a finalidade"; e "afim" por "próximo" ou "similar" (no sentido em que duas coisas que visam o mesmo fim, podem ser consideradas semelhantes, afins).
  • "Alcoolemia". Diz-se que não é "alcoolémia", e isto é uma mera tentativa educacional, contrariando o princípio "acordês" da língua seguir a sua sonoridade. 
  • "Além-" e "Aquém-". Dizem que estes prefixos devem ser acentuados, o que é um delírio fascinante, atendendo a que se achou bem retirar o acento a "pára". Continua de seguida:
  • "Antepor"... e não "Antepôr", porque aqui já quiseram tirar o acento. É indiferente, porque não há risco de confusão, mas fica melhor com a ligação a "pôr". Poderia escrever-se até ante-pôr, porque significa efectivamente "pôr antes". 
  • "Anti-" remete para regras sobre os hífens que servem para pouco mais que nada. A única regra que tem algum sentido é a de que, tratando-se de uma só palavra, deve ser ligada por hífen. Por exemplo "Sexta-Feira" é diferente de "Sexta Feira", porque separando estamos a referir uma feira que foi a sexta. Não é incorrecto escrever "cor de laranja" ou "cor-de-laranja", ainda que possa ser diferente o sentido, já que escrevendo separadamente referimos a cor do fruto, enquanto ligado por hífens remete a uma cor... que é a mesma. Simplesmente, não é muito ortodoxo escrever "é cor de rosa", querendo dizer "é da cor da rosa", por isso deverá escrever-se "é cor-de-rosa".
  • "Aparte"... sendo diferente de "à parte", provoca mais confusão junto que à parte. Porque "aparte" tanto significa uma conjugação do verbo "apartar", como "dizer um aparte", aqui a melhor solução seria escrever "à-parte", que tornaria tudo mais claro, porque o que se pretende dizer é mesmo que foi algo "à parte", uma parte quebrada do discurso. Simplesmente como a palavra ganhou um substância por si,  deveria concatenar-se com hífen.
  • "Árctico"... foi substituído por "Ártico", e por ignorância até acho bem. Não conheço qualquer razão de jeito para manter, pois não traz confusão e tinha "c" a mais. Há uma só razão menor, que é os ingleses continuarem a escrever "Arctic". Na onda "acordês", até o acento está a mais...
  • "Assessor"... que não se escreve "Acessor", e aqui a pergunta que se deve fazer é porquê? Por que razão se deve escrever "assessorar" e não "acessorar", já que claramente todas as noções estão ligadas ao acesso. É daqueles "erros" que só parecem vir da arte de fazer errar os outros. 
Praticamente estes são todos os erros aí listados para a letra "A", os outros 3 ou 4 são irrelevantes. 
Uma simples inspecção mostra que há tantos ou mais erros nos consultores do que nos consultados, e portanto ainda que possam servir para pôr ordem no galinheiro, só segue estas indicações quem quiser fazer de cordeiro obediente, ou tiver que o fazer, para não se chatear.

Se alguém ainda tiver dúvidas como um certo poder global actua rápido e se consolida como uma lapa, é ver como o "pseudo-acordo ortográfico" foi tão rapidamente adoptado, não apenas pelos serviços estatais, que a isso foram obrigados, mas por todas as empresas e meios de comunicação privados. As vozes contra o "acordo" apesar de serem muitas e importantes, nunca conseguiram fazer uma voz suficientemente forte contra a voz do sistema. O máximo que conseguiram foi que se tolerasse a escrita no formato anterior. Escusado será dizer que quando foram chamados, os que se prestaram a defender o acordo, eram afinal ilustres desconhecidos, com pouco ou nada para dizer... mas nem por isso a trampa institucional é posta no lugar devido, ou pelo menos, é reciclada... porque já tem 35 anos, muito mais que a revisão de 1973 e perto de atingir a idade de vigência do acordo de 1945.

O que esta malta parece perceber da mecânica e lógica intrínseca à língua portuguesa... pois isso escuso de dizer, parece ser mesmo pouco, e para não dizer nada, digo nada.

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