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domingo, 14 de outubro de 2018

O Leslie e o Ciclone de 1941

Na passagem da noite de ontem para o dia de hoje, a comunicação social deu rédea solta aos ventos fortes trazidos pela tempestade "Leslie". Poderia ler-se: 
... e não vale a pena colocar mais, porque a característica típica da comunicação social dos dias de hoje é papaguearem todos o mesmo conteúdo, com uma pequena variação de palavras.

Ora, acontece que ninguém fez referência à pior ocorrência de ventos fortes do Séc. XX - um "ciclone". 
Estou a falar concretamente do Ciclone de 1941, e pego na menção feita na página do IPMA (no ano passado):
  • 2017-02-16 (IPMA) Foi há 76 anos, a 15 de Fevereiro de 1941, que o País foi varrido de forma muito violenta por uma depressão muito cavada que passou a ser conhecida como o “ciclone de 1941”. (...) Em Lisboa foi registado um valor de rajada de 129 km/h, Coimbra registou 133 km/h e no Porto, Serra do Pilar, 167 km/h, momento em que o anemómetro se avariou.
Basta ir ao site da Câmara Municipal de Lisboa para encontrarmos a notícia do Ciclone de 1941:
  • 1941 - CICLONE - No dia 15 de fevereiro de 1941 Portugal foi assolado por um ciclone que deixou um rasto de destruição por todo o país, além de um elevado número de mortos, de feridos e de desaparecidos. A extensão e a gravidade dos danos levaram mesmo a que este fosse recordado como "o dia do ciclone".
  • Segundo informações da época, o ciclone formou-se entre a Madeira e o Cabo de S. Vicente e o vento terá atingido em Lisboa a velocidade de 127 km/h. No resto do país os ventos atingiram valores ainda mais elevados, com o anemómetro da Serra do Pilar a registar rajadas de 167 km/h.
  • Os danos provocados foram consideráveis: estradas cortadas, milhares de árvores arrancadas, casas destelhadas, chaminés derrubadas, famílias sem-abrigo, ligações telegráficas e telefónicas interrompidas, naufrágio de embarcações, etc., como poderá ser constatado nas notícias publicadas no periódico O Século que aqui disponibilizamos.

Que ninguém tenha mencionado o assunto, não será estranho porque o Ciclone de 1941 não ficou registado como "furacão"... e na competência típica desta época (ou noutra opinião, vergonhosa incompetência), os peritos chamados para comentar estavam mais sintonizados em ajustar o evento à moda das "alterações climáticas". 
Todos comeram por boa a referência a 1842, porque o evento deve ter sido classificado recentemente como "furacão", ao contrário do "ciclone" que ocorreu em 1941. Assim, na sua gloriosa competência de correr bases de dados, lembraram um episódio pífio do Séc. XIX, mas esqueceram um outro, que era só 100 anos mais recente. Um hino também à competência informática que vai gerindo bases de dados, e à sua "inteligência artificial".
Foi sendo feito o discurso de agrado jornalístico, para encher o espaço morto... porque felizmente os ventos foram apenas fortes, sem consequências letais, como em 1941. A Protecção Civil pôde então mostrar a sua efectiva competência, e sair de mansinho com a fatiota de heroína da catástrofe que anunciou, primeiro mais, depois menos, depois mais ou muito mais.

Como em 1941 o anenómetro da Serra do Pilar (Porto) avariou a 167 Km/h, desta vez os registos do Leslie dispararam até 176 Km/h na Figueira da Foz, parecendo estabelecer novo recorde nacional!
É este tipo de informação parcial que é também completa desinformação - em 1941 as estações de medição contavam-se pelos dedos, actualmente essa medição é feita facilmente em qualquer lugar.

Vendaval "Zé Povinho" de 2009
Mas há mais falta de memória!
Ainda há pouco tempo, em 23 de Dezembro de 2009, a região Oeste foi devastada por um vendaval que terá atingido medições de vento entre 140 Km/h e 220 Km/h. Não teve direito a nome, mas vamos por-lhe o nome de "Zé Povinho"...

"Mau tempo deixa rasto de destruição: zona oeste é a mais afectada, 
mas as chuvas e o vento forte vão continuar a atacar."
No vendaval de 2009 falou-se em falhas de energia a 350 mil pessoas.

A princípio passou por ser um vendaval, um temporal, ou até um "tornado", depois dada a extensão afectada chamou-se-lhe mesmo "furacãozinho"... e interessou medir ventos de 220 Km/h, porque, por exemplo, a EDP não seria responsável pelos danos com essa velocidade de vento!

Qual o problema?
O problema parece ter sido simples. Ninguém no "estrangeiro" tinha classificado a alteração atmosférica com um "nome da treta" e não estando classificado como furação, como aconteceu com o Vince (2005), o Ophelia (2017) ou o Leslie (2018), também falha nas bases de dados de pacotilha, usadas pelos "peritos" nacionais, despreocupados com o Zé Povinho.
Assim, apesar da destruição ter sido muito superior à ocorrida agora pela passagem do "furacão" Leslie, o fenómeno passou por ter sido um "vendaval" ou "temporal", nomes menos pomposos, dignos da condição Zé Povinho.

Mais uma vez, ninguém se quis lembrar disto! Aqui a situação é mais engraçada, porque se em 1941 a maioria dos "doutores da mula ruça" não eram nascidos, em 2009 viveram o evento.

Temporal "Max" de 2010
Como o que falta aos encartados são nomes criativos, há talvez que colocar o nome do fadista madeirense Max aos terríveis acontecimentos que caíram sobre a Madeira em Fevereiro de 2010.
Não houve grandes ventos, mas caso o furacão Leslie tivesse trazido grandes chuvas, como é habitual, poderia desenvolver-se uma situação similar à de 2010.

Como a tempestade "Max" também não está nas bases de dados doutorais de "furacõezinhos", é natural o pessoal esquecer-se como aquele inverno de 2009/2010 foi particularmente nefasto e funesto no território nacional... sem que se associasse tanto às mudanças climáticas, como é agora moda ir fazendo.
Este "temporal" está classificado na Wikipedia como "aluvião" (... nomes não faltam):

47 mortos e 4 desaparecidos
250 feridos e 600 desalojados
É disto que estamos a falar...
Passados 8 anos já ninguém se quer lembrar.
Estamos numa sociedade sob efeito "Alzheimer".

Sim, mais uma vez, ninguém pode dizer que se esqueceu... o Leslie antes de passar por Portugal, passava pela Madeira, haveria sempre o perigo de chuvas torrenciais, e não vi vivalma ou canal televisivo relembrar o que aconteceu em 2010.

Natural e Artificial
Esses acontecimentos do inverno de 2009/2010 não os esqueço, e nem sempre os associo a fenómenos naturais. Mas isso é uma outra conversa, sobre a qual faltam dados mais objectivos para prosseguir. Porque a principal questão da alteração climática não é tanto o que se está a passar, ou o que se passou, mas sim a vontade de alterar o que se está a passar... e com a desculpa da acção global de todos, surge um pretexto ilibador para a acção particular de alguns.

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Nota adicional:  Ver também:  o blogue "Vedrografias":

1 comentário:

  1. Comentário recebido por email do leitor PR:

    O meu pai revelou-me algumas experiencias pessoais que ele passou nesse dia 15 de Fevereiro de 1941, perto de Santiago do Cacém.

    Ele lembra-se muito bem que de manha cedo nesse mesmo dia o vento era tao forte que quando ele e um dos seus irmaos foram buscar agua ao poco e que quando chegaram a casa os baldes so iam meio cheios, derivado a intensidade do vento.

    Outro episodio foi ja durante o mesmo dia 15, quando o vento ficou ainda mais forte (coitado do Leslie), ja o meu pai estava em casa com uma das suas irmas a tentarem segurar a porta principal da casa, para que nao fosse arrancada da parede. E dai uma da telhas do telhado caiu e feriu o meu pai num dedo do pe, pois ele estava descalco e naqueles dias eles nao tinham dinheiro para comprar sapatos. Pode imaginar a excitacao do meu pai ao contar-me este episodio da sua vida, visto e experienciado pelos olhos de uma crianca de 11 anos.

    Os estragos foram tao graves provocados por este Ciclone nesse dia, que arrancou o total de 10 sobreiros e meio na propriedade do meu avo.

    De facto e uma pena quando estas pessoas que passaram por estas experiencias pessoais deixarem de existir, pois depois apenas restam os arquivos mal elaborados desta chamada COMUNICACAO SOCIAL, que esta apenas a um clique no Google.

    Por favor, apenas mais um pormenor relatado pelo meu pai foi que 4 anos mais tarde em Fevereiro de 1945 caiu um dos maiores nevoes em Portugal. O meu pai lembra-se que a neve chegou a ter 20cm de altura e que passaram pelo menos dois dias todos em familia em redor da lareira pois nao podiam sair de casa. Imagine neve em Santiago do Cacem em 1945!

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