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terça-feira, 25 de abril de 2017

A revolução do dia de São Marcos

Há poucas semanas, morreu um dos capitães envolvidos no 16 de Março de 1974... tratava-se do capitão Virgílio Varela, e conforme consta da notícia da sua morte, ficando então preso, o próprio foi avisado que em breve estaria livre:
"No dia 9 de abril, na prisão, veio um soldado oferecer-se para me cortar o cabelo. Achei estranho, não era habitual. Sentei-me na cadeira e o barbeiro sussurrou-me ao ouvido: 'O compadre do meu capitão diz que vai jantar consigo no dia dos seus anos'. O meu compadre era o capitão Alberto Ferreira e sabia bem o dia dos meus anos: 27 de abril", afirmou.
A coluna das Caldas avançou para Lisboa, a 16 de Março, tal como a coluna de Santarém, depois veio a avançar para Lisboa no dia 25 de Abril, liderada por Salgueiro Maia, possibilitando o jantar aos compadres no dia 27, conforme prometido.
Agora, há uma diferença assinalável, que creio ter passado desapercebida aos promotores do golpe das Caldas - o dia de São Marcos, padroeiro de Veneza, era a 25 de Abril.

A sublevação das Caldas pode ter sido uma precipitação de oficiais que não terão entendido que o golpe caseiro estava a ser urdido, com calma e ponderação, muito fora das suas fronteiras. Uma coisa teria sido a não participação e demissão de Spínola e Costa Gomes, no dia 15 de Março, após a convocação da "Brigada do Reumático" (ver cronologia), outra coisa eram planos feitos a longo termo.
Assim, as forças saídas das Caldas, sem ninguém a acompanhar o golpe, voltam para trás, para o quartel, onde assumem uma posição defensiva...

... até à rendição negociada entre o brigadeiro Serrano e os majores Casanova e Monge, o que levaria à prisão cerca de 200 insurrectos:
Imagens do livro "Portugal en revolución" (1977) de Avelino Rodrigues, Cesário Borga, Mário Cardoso.

Bom, mas talvez uma melhor descrição dos preparativos que se faziam nos bastidores, e que levaram a que revolução estivesse planeada para Abril, e não pudesse ocorrer em Março, possa ser entendida pela descrição feita na revista espanhola "Gaceta Ilustrada" em Maio de 1974 (transcrição retirada daqui):
“Discretamente, ao amanhecer do dia 25 de Abril, as unidades militares da NATO, chegadas no dia anterior ao porto de Lisboa, deixam o Tejo com rumo ao Atlântico e regressam às suas bases. Trata-se de navios, incluindo submarinos, de alguns dos onze países atlânticos que deveriam tomar parte no grande exercício aeronaval “Dawn Patrol 74”, programado para o dia 26, no Mediterrâneo e na costa atlântica, com operações submarinas, de defesa aérea e de assalto de forças inimigas. Aviões ingleses e norte-americanos, destacados para as manobras, encontram-se estacionados na base do Montijo, a trinta quilómetros de Lisboa. Mas um pouco antes da Junta derivada do golpe anunciar a mudança de regime, através da televisão, as manobras atlânticas foram anuladas: os navios portugueses que estavam no alto mar puderam assim voltar ao Tejo e ancorar pacificamente em frente a Lisboa. Às quatro horas da tarde, o comando da Marinha estava em condições de proclamar a sua adesão à Junta de Salvação Nacional.
  Esta foi uma das muitas manobras secretas, ocorridas nos bastidores, que acompanharam a queda do regime de Caetano. Nos dez dias que precederam o golpe ocorreram outros factos determinantes que agora estamos em condições de revelar. Estes factos provam que o Golpe de Estado conseguira o seu objetivo antes da noite do 25 de Abril; do mesmo modo mostram quais eram os apoios internacionais de que gozava o general Spínola.”
  “No plano internacional, o general Spínola volta a reativar os contactos internacionais que já tinha solicitado, quando conjuntamente com Caetano pensava em reformas.”
  “Nos primeiros dias de Abril, os seus pontos de contacto nas capitais mais importantes do Ocidente obtêm as mesmas respostas. Os financeiros: “Sim, seria bem-vinda uma solução política do problema colonial português”; os políticos: “Sim, uma liberalização controlada do regime português facilitaria a sua integração na Europa.”
  “Em Roma, monsenhor Pereira Gomes, chefe da ala liberal da igreja portuguesa, defende o plano de Spínola, perante o cardeal Villot. Pereira recebe estímulo do Santo Padre, muito preocupado quanto à paz e bem-estar dos seus filhos africanos. A tensão entre o Vaticano e Lisboa por causa das atrocidades de guerra em Moçambique e da expulsão dos missionários deu os seus frutos
.”
Portanto, vemos que para além da presença de grandes forças da NATO, as negociações envolviam o seu aspecto ecuménico, com o Vaticano dando a benção revolucionária.
Outro aspecto, é ainda a reunião do grupo Bilderberg, que dará a benção dos cravos, e da finança internacional:  
"Resta apenas o problema da NATO: Spínola promove o contacto com o próprio Secretário da Nato, Joseph Luns, [através] de um dos seus amigos da Finança — o Director dos Estaleiros Navais Portugueses, Lisnave, Thorsten Anderson — que participa em Megève, França (de 19 a 21 de Abril) numa misteriosa reunião de importantes homens da política, da diplomacia e do mundo dos negócios internacionais reunidos num igualmente misterioso clube: o Clube de Bilderberg. 
De 19 a 21 de Abril, Megève é zona vigiada pela polícia francesa como se o visitante fosse um Chefe de Estado. De facto, no Hotel Mont Arbois, propriedade de Edmond Rothschild, reúne-se a flor e a nata da política e das Finanças ocidentais. A reunião é discreta, à porta fechada: os jornalistas não falarão dela; mas é ali que será decidido o destino do mundo ocidental. Desde 1954, e do dia da primeira reunião no Hotel Bilderberg, na cidade holandesa de Oosterbeek, sob a presidência do Príncipe Bernardo da Holanda, que os homens mais influentes do Ocidente se reúnem anualmente para estudar a situação 'política e financeira e estudar ou aprovar programas para o futuro'.
Bastam os nomes dos participantes daquele ano na reunião do Clube para que possa compreender-se a sua importância. São os seguintes: Nelson Rockefeller, Governador do Estado de Nova York; Frederick Dant, Secretário Norte-Americano do Comércio; General Andrew Goodpaster, Comandante das Forças Aliadas na Europa; Denis Healey, Ministro da Fazenda inglês; Joseph Luns, Secretário Geral da NATO; Richard Foren, Presidente da General Electric na Europa; Helmut Schmidt, Ministro da Fazenda alemão, actualmente chanceler, após a demissão de Brandt; Franz Joseph Strauss, definido como homem de negócios alemão; Joseph Abs, Presidente do Deutsche Bank; Guido Carli, Governador do Banco de Itália; Giovanni Agnelli, Presidente da Fiat; Eugénio Cefis, Presidente da Montedison e além destes Thorsten Anderson, homem de negócios português que sonda Joseph Luns sobre as possíveis reacções da NATO perante a possível mudança de regime em Lisboa.
A resposta de Luns, certamente positiva, vem a ser confirmada pelo comportamento, já citado no início, dos navios da NATO defronte da capital portuguesa durante as primeiras horas do golpe de Estado. A sua presença actuou como um silencioso dissuasor contra quem, entre os generais ultras, tivesse tentado opor resistência a Spínola. Os generais sabem da presença dos navios e sabem muito bem interpretar a sua saída de Lisboa na madrugada de 25 de Abril. É evidente que a NATO julga saber quem são os iniciadores do movimento, conhece o seu programa e aprova-o. A reunião do Clube de Bilderberg cumpriu os seus objectivos e neste momento Spínola tem o caminho livre
".
No livro "Os planos Bilderberg para Portugal", Rui Pedro Antunes dá a este episódio o nome:
- "Nem Abril escapou a Bilderberg" (pág. 176)

... mas sejamos claros, é óbvio que nada terá havido de muito significativo decidido em Megève, França, 5 dias antes da revolução ocorrer. Há muito que estava planeada a passagem da NATO por Lisboa, e a única questão seria ter o "ok" definitivo à operação... o resto seria a festa de flores.
Por isso, até o soldado que cortou o cabelo ao capitão Virgílio Varela, sabia a 9 de Abril que a revolução tinha já a data marcada - que seria o dia de São Marcos, tão caro aos banqueiros venezianos.

_____________
Nota adicional (28 de Abril de 2017):
Festa del bocolo (do botão de rosa vermelha) - Veneza, 25 de Abril de 2014

Acerca do dia 25 de Abril, de cravos, papoilas, bilderberg, etc... ver também:

2 comentários:

  1. Pois é, Caro Da Maia!

    Os Cavalos de Alexandre, que pertenciam ao Hipódromo de Bizâncio, continuam a enfeitar São Marcos!
    E Bizâncio... passou a ser Istambul!
    Com a Benção Papal!


    Abraço

    Maria da Fonte

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    1. Sim, grande história também a dos cavalos de Lisipo... que chegaram a fazer parte dos despojos de Napoleão quando invadiu a Itália - mas pelo menos os italianos obrigaram os franceses a devolvê-los.
      Agora parece que são apenas uma cópia, e o original está no museu.

      Mas quanto a São Marcos, convém notar isto (e passo a citar):
      https://it.wikipedia.org/wiki/Festa_di_san_Marco

      Festa do Botão (bocolo) de São Marcos
      Tradizione centenaria vuole che il 25 aprile a Venezia, festa di san Marco (che dal dopoguerra casualmente coincide con la festa della Liberazione dell'Italia dal nazifascismo), a fidanzate e mogli venga offerto un bocciolo (in veneto bòcolo) di rosa rossa, in segno d'amore.


      Ok, é um botão de rosa vermelha, e não cravo vermelho, mas a Festa do Bocolo em honra de São Marcos, em Veneza, não deixa de estar ligada a flores vermelhas, e à queda do fascismo.

      Há também diversas terras em Portugal que comemoram São Marcos: Fajões (Oliveira de Azemeis), Santo António da Areias (Marvão), Carvalhal do Côa (Sabugal), etc.

      ... mas a "coincidência" da festa da rosa vermelha no dia de São Marcos, associada ao fim do fascismo italiano, é mais uma delícia - neste caso com o toque da City passou a cravo.

      Abraços.

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