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quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Di Ana

Uma boa parte do panteão divino antigo não prescindiu de deuses ligados à agricultura, normalmente colocados no feminino, na noção da fertilidade da Mãe Terra. Porém, parece claro que as noções religiosas não começaram com a agricultura. O aspecto fundamental de subsistência anterior era a caça, e essa evocação transcendente tem sido deduzida nas representações de animais em cavernas. 

Uma comunidade nómada, procurando território de caça, estaria muito mais preocupada com a existência de alimento do que com outros fenómenos naturais. As divindades de subsistência seriam primeiro os animais de consumo e só depois a terra e chuvas que ligavam à agricultura.
Um tal respeito a esses simples animais apenas o encontramos no Zoodíaco Chinês... até porque sabemos que os chineses comem de tudo, e assim a lista não se resume ao boi, ao porco, ao coelho, à cabra, ao galo, e é claro inclui o cão, o cavalo, o macaco, a serpente, o rato, e talvez já noutro sentido de presa e não de predador - o tigre e o dragão.

Omnivorismo
Não é uma questão de brincadeira quando se diz que "os chineses comem de tudo", porque foi também a diversidade alimentar dos primatas que permitiu o seu sucesso. Um leão poderia ser o rei da selva, mas morreria à fome sem carne, por mais fruta que tivesse à disposição. 
Ora, a sábia natureza criava estômagos dedicados, e não havia cá misturas alimentares - os animais foram criados como "gente esquisita", aceitando apenas um número reduzido de iguarias.
Por estranho que pareça, os omnívoros foram excepção e não regra... ou seja, o que fica por explicar na evolução darwiniana é por que razão a flexibilidade alimentar não se tornou regra, já que os animais mais esquisitos nos gostos passariam mais fome - a sobrevivência privilegiaria os mais flexíveis.
Para além dos humanos e alguns primatas superiores, são mais conhecidos os casos de ursos, porcos e ratos, ainda que haja outros exemplos, como o corvo. 
Esta evolução omnívora não se tratou assim de nenhuma prevalência especial de estômagos especializados de uma certa classe animal. Há omnívoros em diversos tipos de mamíferos e em aves. 
Os animais apesar de terem a sua sobrevivência dependente da flexibilidade, parece que fizeram gala em preservar a sua "cultura alimentar"... ignorando desrespeitosamente a lei darwiniana.

A ligação transcendente aos animais, invocada nas pinturas rupestres, ter-se-à perdido com a prevalência da agricultura.
Foi a agricultura que permitiu a explosão populacional, e o aparecimento de civilizações. 
Antes disso, os grupos de populações nómadas seriam necessariamente pequenos, porque apesar de serem omnívoros, os humanos dependiam essencialmente da caça. 
Só a agricultura permitiu a escala suficiente para alimentar cidades. 
Foi a agricultura que marcou os campos, que trouxe o panteão de novos deuses, não apenas os da terra e da chuva, mas também os da guerra - porque a propriedade ganhou um relevo superior.
É difícil perceber se a pastorícia foi anterior ou simultânea com a agricultura.
Tem razões para ser anterior - porque seria mais simples domesticar animais, mas até à necessidade de sedentarização agrícola, o gado não se desligaria do cajado, condutor de rebanhos de Pan.
Pan acabou por ser uma divindade primitiva, um fauno ligada à pastorícia, mas também com um cariz universal, como o próprio prefixo grego "pan" indica a panaceia, o lugar primeiro no panteão.
Goya - Pan e as bruxas

A agricultura veio dar outro alimento universal, outro "pan" - o pão.
As novas divindades ilustravam a fertilidade da Mãe Terra (Ma-Ter, mater), pela agricultura, no caso de Ceres associada aos cereais. A passagem para os novos deuses deu-se simbolicamente com o crescimento de Zeus pelo leite de Almateia - uma cabra. Aliás, a palavra carne liga-se a carneiro, e o gado caprino aparece como sucesso antigo na domesticação.

Ana
Ana é um nome comum, pela sua associação ao nome da mãe de Maria, avó de Jesus.
Ora uma divindade ligada à caça era Diana, e aqui entramos num ponto especulativo, entendendo que o nome Diana poderia ser composto - Di Ana. Com efeito Diana fazia parte dos Di Selecti (deuses seleccionados), onde o "Di" é uma declinação latina de "deuses". Por outro lado o prefixo "di" pode ser pronomial ou duplicador, não sendo assim de excluir Diana seja um nome composto.
Acresce que Ana era o nome antigo dado ao rio Guadiana, sendo áGua de Ana, ou áGua Diana, lembrando ainda o culto especial dedicado a Diana em Évora.

Mas vamos especular mais...

Ano e Iano
O deus que marcava o Ano era Jano ou Iano... ora o Ano Solar apenas se tornou relevante por via da agricultura, já que havia interesse em prever as estações. É preciso uma observação astronómica razoável para prever as estações, os tempos de sementeira... as plantas antecipam-no, mas tal previsão escaparia à observação descuidada. Por isso a astronomia passou a fazer parte de sociedades agrícolas de sucesso. 
Janus - olha o passado e o futuro do novo ano

O conceito temporal de Ano solar é uma necessidade agrícola. 
Que outros conceitos temporais existiriam antes?
Claramente o Dia Solar, e o Mês Lunar... de fácil observação directa.
Portanto se Ano se refere ao tempo solar, por que não entender que Ana se referia ao tempo lunar?
Afinal, para além de ser deusa da caça, Diana era também uma divindade ligada à Lua.
Acresce o nome de Anance, deusa grega ligada a Cronos, ao tempo, colocada no primeiro panteão grego como ligada ao destino, e à consequência lógica, pelas regras.


Se há regras marcadas por tempo lunar, o tempo solar seria digerido diariamente em anos.
Por isso, se não é novidade entender os cornos em Cronos, convém notar que o Cranus celta foi associado a Fauno, ligando-se mais a chifres ou cifras caprinas.
A versão taurina parece ser posterior, pois é explícita com o disfarce que Zeus usa para o rapto de Europa. Acresce neste aspecto a versão escandinava de Thor, que só ligamos a "Toro" ou "touro" pelos capacetes vikings com cornos bovinos - espécie que não seria nativa dessas terras.
Rapto de Europa por Zeus, disfarçado de touro (img)

Será apenas assim? Será o Tanas... invocando a divindade fenícia - Tano (Tanit), e a declinação "tano" ou "tânia" (as províncias romanas ocidentais tinham esta declinação - Lusitânia, Britânia, Aquitânia, Mauritânia, a que acrescem os Turdetanos). 

A Mauritânia Tingitana remete ainda para a península Tingitana, de Tanger e Ceuta, ou melhor, de Tingir e Seta. Porque é a forma antiga Septa, e não Ceuta, que tinge a expressão
Uma seta (septa - ceuta) em África...
usada exactamente para descrever a conquista portuguesa de Ceuta.

A forma "Tano" ou "Tana" será provavelmente derivada de Ana, onde se liga a Di-Ana enquanto divindade lunar. De facto na simbologia de Tanit aparece associado um crescente lunar, bem como uma ligação entre um círculo e um triângulo.

Diz Bernardo de Brito, acerca de Iano:
Daqui chamaram a Noé Iain ou Iano, que significa vinho. Neste campo fundou Noé a primeira cidade que houve depois do Dilúvio, chamada Saga Albina, e tomou o nome do seu fundador, a que chamavam Ogisam Sagam, que significa sacerdote santo.
Brito parece pretender colar o mito do dilúvio de Ogiges a Noé com a designação Ogisam.
Quanto à nomeação como Iano poderá remeter a uma mudança na contagem de anas para anos... ou seja, do ciclo lunar no tempo da caça de Di Ana, para o ciclo solar no tempo "agrícola" de Ianus. Esta é sempre a explicação mais fácil quando se pretende dar nexo à excessiva longevidade pré-diluviana - onde assim teríamos 900 anas a corresponder a bem menos de 90 anos.

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