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terça-feira, 19 de agosto de 2014

Instante seguinte

Há uns meses atrás abordei aqui, nas caixas de comentários, a questão da impossibilidade da morte, para além do aspecto filosófico.

O argumento científico é simples, e pode ligar-se a conceitos tornados comuns na mecânica quântica, embora seja distinto, e mais simples.
Um caso conhecido na mecânica quântica é a chamada situação morto-vivo do "Gato de Schrodinger", que é praticamente um problema da teoria probabilistica que admite ambos os estados como possíveis, até que haja uma observação.
O gato de Schrodinger tem a sua vida dependente de uma probabilidade quântica que liberta veneno.
Só a observação determina a sua vida ou morte...

A questão do gato surge apenas como desculpa, para não parecer demasiado estranho o que irei afirmar de seguida. Ou seja, há pessoal a discutir coisas maiores bizarrias…

A impossibilidade da morte do próprio é diferente da observação da morte dos outros.
Porquê? 
Porque também é diferente a questão de observar os outros ou observarmo-nos a nós.
- Podemos deixar de observar os outros, mas é impossível deixar de nos observarmos.
- Podemos vermo-nos livres dos outros, mas é impossível livrarmo-nos de nós próprios.
Há quem julgue que a morte do próprio pode resolver esse problema… escapar de si mesmo, mas tal coisa não ocorre. Porquê?

Já abordei o assunto filosoficamente, de várias formas, mas do ponto de vista científico é igualmente possível chegar à mesma conclusão, da impossibilidade da morte do próprio.
Cientificamente assume-se que somos formados por um arranjo de partículas, em particular o cérebro nada mais seria que uma evolução na combinação dessas partículas. 
Cientificamente considera-se que a morte ocorre quando é inviável a continuação desse arranjo que permite a vida cerebral. Há uma descontinuidade, entre o momento em que a vida era viável, e o instante seguinte, onde deixou de ser viável. As razões da morte podem ser múltiplas, e não interessam no detalhe.
Agora a questão que se coloca é a seguinte:
- É impossível que, num tempo futuro, os mesmos átomos do cérebro, do corpo, se juntem exactamente da mesma forma, na forma anterior ao instante que determinou a morte?
- Não é. Nenhum físico quântico pode afirmar isso. Pode dizer que a probabilidade é próxima de zero, mas não pode dizer que é zero. Para além disso, o número de átomos é finito, e assim os arranjos da matéria são em número finito.
- Ora, se a probabilidade não é nula, o que garante que não pode voltar a ocorrer o mesmo arranjo?
- Nada. Além disso, como o tempo é interminável, por mais pequena que seja a probabilidade, ao fim de um tempo suficientemente grande, essa probabilidade quase nula passará a certeza. Aceitar que não ocorre seria apenas admitir que os dados universais estavam viciados contra nós… e isso seria um pensamento viciado.

Até aqui foi mais ou menos o que expus nas caixas de comentários, em resposta a Amélia Saavedra, a propósito de uma discussão com o José Manuel. Conforme resumi na altura:

Admitir a morte seria declarar uma impossibilidade de vida futura. 
Com que base é declarada essa impossibilidade? Com nenhuma. 
Ora se não há impossibilidade comprovada, existe uma possibilidade, por mais infinitamente pequena que seja.

Só que, como referi, isto seria apenas uma parte da resposta… que vou agora completar.
Há vários embrulhos nesta questão, uns mais fáceis de ver que outros.

Primeiro, admitindo que se voltariam a dar essas condições de vida, o que impediria que se repetisse o mesmo cenário de morte, de inviabilidade? Nada. Mas, não são os cenários de morte que interessam, interessa saber se não pode haver um de vida. Ora, se tudo sempre se repetisse, isso significaria um ciclo universal, o que corresponderia a um fim do universo… e ao experimentar uns arranjos e não outros, seria mais uma vez um universo viciado, em pensamento viciado.

Segundo, interessa perceber o que é o "instante seguinte".
A noção de tempo que temos é pessoal, e o nosso instante seguinte nada tem que estar relacionado com o instante seguinte alheio. De acordo com as mesmas probabilidades quânticas, nada impediria que um tigre se materializasse à nossa frente… é apenas considerado como uma probabilidade infimamente pequena. Porém, nada é dito porque razão essa probabilidade é pequena.
Ora, essa probabilidade é pequena porque o convite ao caos foi feito com conta, peso e medida.

O nosso instante seguinte é sempre aquele em que há viabilidade de estarmos.
O instante seguinte para uma pessoa que sofre um coma de vários anos, é muito diferente do instante seguinte para os outros. O instante seguinte para quem esteve em coma só se pôde efectivar passados esses anos, e foi diferente do instante seguinte para todos os outros.
Há muito tempo que entendi que o nosso instante seguinte é uma mera questão de viabilidade, tal como quando sonhamos, o nosso instante seguinte ocorre com uma grande descontinuidade de eventos externos.
Dessa mesma forma podemos entender que todos os nossos instantes seguintes são determinados pela viabilidade do conjunto. Estamos todos sobre a mesma realidade enquanto houver viabilidade para esse conjunto. Ou seja, de um instante para o outro, podemos pensar que se esgotam todos os universos não viáveis, e ficamos apenas no único que é viável para nós. A viabilidade desde conjunto é apenas o garantir de que não termina, evitando entrar em ciclo repetitivo ou em estagnação.

Portanto, tal como para quem acorda de um coma de vários anos, a certeza de que seremos de novo viáveis num futuro, torna indiferente se se passam milhares ou milhões de anos… para o próprio será sempre o instante seguinte. Essa certeza de viabilidade futura resulta apenas da certeza que não há inviabilidade demonstrada, pelo contrário. Portanto, se um corpo pode ser inviável num contexto material, e aí perecer, a mudança desse contexto material poderá fazer aparecer o mesmo espírito, não necessariamente no mesmo corpo, porque o que interessa é a viabilidade do espírito. Uma viabilidade que não se justifica pelo indivíduo, mas sim pela própria viabilidade universal.

Poderá haver quem tente desviar as evidências, e pretender que há aqui uma tentativa religiosa de pretender dar significado à vida para além da morte. Porém, só quem não pensou no assunto é que pode considerar que uma eternidade é melhor do que uma morte… perante certas perspectivas de vida, a morte é um mal menor. Fiar-se na morte alheia para concluir a sua é apenas uma conclusão deficiente. Deficiente porque não declara a morte do corpo alheio, que está presente, declara apenas o fim da associação entre o corpo e o espírito, porque o espírito alheio deixou de se manifestar ali, através daquele corpo. E o espírito que nada pesa, seria afinal o garante da vida do corpo.
Ou seja, convém notar algo que é negligenciado - se não vemos espíritos sem corpo - fantasmas, também não temos como vivos corpos sem espírito - zombies…

Para terminar, um bocadinho de pseudo-etimologia… no "instante" podemos ver uma forma de "instar" com o sentido de "em estar". Mas interessa mais a forma "seguinte" de "seguir", que tem a interessante irregularidade na primeira pessoa - dizemos "eu sigo" e não "eu sego". É interessante porque "cego" adapta-se bem a quem segue quem vê… e em estarmos cegos para o seguinte.

Nota (9.9.2014):
Interessante, a informação do José Manuel, sobre a experiência de Gabriela Barreto Lemos e outros investigadores quânticos em Viena, que separaram um raio verde, de fotões previamente entrelaçados, em dois raios de luz - um vermelho e outro amarelo. Este entrelaçamento (entanglement) quântico faz com que uns partilhem a vida dos outros. No caso, os raios amarelos iriam colidir e reflectir-se numa imagem de um gato (aludindo ao Gato de Schrodinger), enquanto os vermelhos iriam directamente para a câmara de fotografia.
Resultado - os raios vermelhos sem nunca terem visto o gato, apresentaram a imagem que os amarelos transportariam. Mais, os vermelhos ao serem capturados pela câmara desapareceram, e assim os amarelos antes de atingir a câmara também desapareceram.
Isto é o mais próximo que estamos de Vodu… entrelaçados os amarelos que vão para o boneco, com os vermelhos que vão para a câmara, o que acontece a uns, acontece aos outros.
A luz vermelha que nunca atingiu a imagem do gato,
recebeu informação instantânea para produzir a imagem vista pela luz amarela.
(G. B. Lemos, daqui)

Claro que esta informação instantânea que passou dos fotões amarelos para os vermelhos, implicaria o fim do pretensiosimo einsteiniano de "limite de velocidade". Porém, os polícias instruídos nas multas pelo limite de velocidade podem argumentar que ainda é a mesma partícula, em sítios diferentes. É mais ou menos o mesmo do que dizer que um Fórmula 1 nunca sai da partida, porque deixou um rasto de pneus no arranque. Enfim, uma mudança é sempre difícil de engrenar...

Os autores argumentam sobre as aplicações médicas - porque uma luz amarela pode viajar pelo interior do corpo humano, sem regressar - a informação é fotografada na informação transmitida à mana, a luz vermelha, que vai direitinho para a fotografia.
Mas pode-se ainda pensar numa aplicação astronómica, a luz amarela segue o caminho de um planeta e a vermelha fica na Terra, até aparecer na fotografia o que a mana viu.

Este entrelaçamento quântico ocorre em "partículas gémeas", mas poderá dar base para especular que este entrelaçamento de pares pode ocorrer noutro tipo de gémeos.

http://www.nature.com/news/entangled-photons-make-a-picture-from-a-paradox-1.15781
http://www.nature.com/nature/journal/v512/n7515/full/nature13586.html


3 comentários:

  1. Muito obrigado pela informação, José Manuel
    Já fiz a adição ao texto com a novidades que apareceram na semana seguinte sobre o gato de Schrodinger…

    Quanto à Antárctida, é informação que está no congelador…
    Agora, aquilo já esteve quentinho, sobre isso parece não haver dúvida:

    In 1991, paleontologists discovered the Cryolophosaurus ellioti, a previously unknown dinosaur species and the only one found on the continent of Antarctica. Cryolophosaurus fossils were found at Mount Kirkpatrick, located only 600 km from the present-day South Pole.

    Porém, agora parece que está a esfriar bastante, e a historieta do aquecimento global anda a ficar cada vez mais complicada de contar…

    "Global warming's glorious ship of fools"

    http://www.spectator.co.uk/features/9112201/ship-of-fools-2/

    "Global warming computer models confounded as Antarctic sea ice hits new record high with 2.1million sq km more than is usual for time of year"

    http://www.dailymail.co.uk/news/article-2681829/Global-warming-latest-Amount-Antarctic-sea-ice-hits-new-record-high.html

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  2. É sempre um prazer de trazer mais peças ao puzzle, mas tenho que ler melhor esta estória de gatos com sete vidas, pois não entendi nada de palpável, subentendo que o bicho pode estar em vários locais sem se encontrar, isto poderá vir a ser uma maneira de viajar por desmaterialização ficando a matriz numa máquina, vou ter que arranjar paciência para estudar isto noutro momento, sempre achei que o tempo não tinha nada a ver com o espaço, ambos têm "vida" própria, mas enfim, é só uma intuição. Os budistas dizem que quando o corpo morre temos um certo tempo para escolher luzes de cores diferentes, caso contrário voltamos aqui, eu escolherei a amarela, já vivi essa experiência quando estive doente na infância, resisti à aspiração, sempre quero para onde se é aspirado.

    Estes vírus todos aprisionados se escapam da Antárctida pode ser o fim da bicharada... mas o planeta está a aquecer, coisa normal para a longa vida da Terra, nós é que suportamos mal, o "calor" está armazenado no oceanos e vai ser expulso brevemente, brutalmente, em média todos os 30 anos as bases são credíveis.

    Re: " Porém, agora parece que está a esfriar bastante, e a historieta do aquecimento global anda a ficar cada vez mais complicada de contar…"

    Vai aquecendo e arrefecendo, é só isso... é um sobe e desce de mercúrio nos termómetros e nos níveis dos oceanos, coisa normal para a Terra.

    Tem aqui uns títulos para bichanar:
    http://www.publico.pt/antarctida

    Cpts.
    José Manuel CH-GE

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    1. E eu agradeço a informação, pois há imensas coisas interessantes que estão a ser feitas, e que eu desconheço por completo. Neste momento, estamos numa época de excesso de oferta, acima da procura que podemos fazer.

      Fui ler melhor o resumo. No caso da experiência a escolha de cores é arbitrária. O que explora é um efeito da difracção em certos cristais não-lineares, neste caso, há uma separação arbitrária de cores.
      A luz entra em cor verde, que é uma frequência mais alta do que sai - mais alta que o amarelo, e que o vermelho, que é o mais baixo.

      A questão é que quando tem uma difracção de luz branca por um prisma, as cores têm a sua separação pelo diferente comportamento segundo a frequência.
      Aqui a luz é separada mas segue na mesma direcção, só que eles colocam um vidro que só reflecte vermelho, e assim o amarelo segue na mesma direcção.
      O vermelho vai parar à fotografia, e o amarelo ao desenho do gato.

      Ora segundo a física clássica, a luz vermelha nunca veria o gato, e deveriam registar um quadrado vermelho. Só a luz amarela é que foi parar ao gato, e essa luz não era captada por nenhuma câmara fotográfica... nem foi.
      O que foi captado foi a luz vermelha, como previsto, só que com o comportamento da luz amarela, com a figura do gato do desenho.
      Como é isto explicado?
      Bom, quando os fotões com a frequência em verde entram no cristal - uns vão diminuir para amarelo, outros vão diminuir mais para vermelho. É uma propriedade não-linear desse cristal.
      Ok, e como é feita a escolha?
      Como é que individualmente um fotão sabe se vai ser escolhido para passar a amarelo ou a vermelho? É suposto ser o Acaso... uns ficam de uma forma, outros doutra.
      Só que é esse entendimento do Acaso que é questionado na mecânica quântica.
      O que se percebe é que quando entra este Acaso, esta não-linearidade, os dois percursos possíveis nunca deixam de ocorrer. É como se o Acaso não quisesse entrar em jogo, sem saber o que vamos ver.
      E isto é que é místico na mecânica quântica - o observador conta para o resultado.

      Assim, é como se no caso da experiência de Schrodinger, você quisesse apenas que a caixa se abrisse se o gato estivesse vivo. No entanto há as duas possibilidades, e as partículas que despoletam o veneno podem tomar os dois caminhos... num caminho matam o gato, noutro não. Você só vai ver um desses mundos, por isso acaba por ser o observador que "decide", ainda que não seja dele a decisão.

      No fundo, a mensagem profunda que parece ser transmitida, é que o universo conhece ambas quando há mais que uma possibilidade. Se nos apresenta apenas uma, é porque apenas podemos conhecer a física que se constrói do passado para o futuro... podemos conhecer o linear, mas não podemos conhecer a decisão numa bifurcação.
      O que estas experiências nos dizem é que nós não sabemos, mas o universo simula as bifurcações, e toma a decisão de nos apresentar uma.
      Porque afinal é uni-verso é único e não di-verso, porque nós somos unos, e não vemos duas ou mais possibilidades.
      Imagine o que seria se tivesse o dom de ver em simultâneo todas as possibilidades nas decisões que tomou. Não estaria num uni-verso, estaria ao mesmo tempo em milhões de di-versos. Não é impossível que haja inteligências com esse dom... só que isso não é superior a ver apenas um e imaginar outros.
      Há uma grande diferença num cenário com multi-versos - deixa de ter a mesma noção de verdade. Porque afinal tem todas as possibilidades, a possibilidade de ter feito algo e a de não ter feito.
      A verdade é uma noção deste universo, porque aceitamos que seja único, e assim outras versões, que não lhe pertencem, serão recusadas como mentira.

      Assim, se a bicharada da Antárctida desempenhará algum papel ou não, está no caminho escolhido pelo universo... tendo em conta que ele nos tem em conta como observadores, como se constata pela mecânica quântica.

      Abraços.

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